Uma semana depois da promulgação do decreto nº 9.759, o governo federal ainda não tem ideia de quantos conselhos e comissões foram extintos. O decreto foi assinado por Jair Bolsonaro (PSL) no dia 11 de abril em meio às celebrações dos 100 dias de seu governo e extingue todos os conselhos da administração federal que não tenham sido criados por lei, além de algumas exceções.
Anunciado pelo presidente como um ato de “gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades”, a Pública apurou com exclusividade junto à Casa Civil que o governo ainda não tem uma lista dessas entidades e não sabe informar o valor da economia prometida. Questionada, a assessoria do órgão ainda afirmou que o número inicialmente divulgado pelo ministro Onyx Lorenzoni — que seriam 700 comitês — é apenas uma estimativa.
A expectativa da Casa Civil é que até o final de semana, e com a ajuda dos ministérios, a pasta finalize um levantamento e possa informar, ainda de forma preliminar, o tamanho do impacto do decreto presidencial.
Gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população. https://t.co/VB89sE7vYh
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) April 14, 2019
“A gente pode dizer que é um ataque contra a política de combate ao trabalho escravo, além de um ataque contra a participação da sociedade”, afirma o frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e membro da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), uma das entidades que foram extintas pelo decreto presidencial. Em 2017, o Conatrae foi um dos órgãos a se posicionar contra a não publicação da lista de empregadores condenados por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão e contra a portaria do Ministério do Trabalho que mudava a definição do trabalho escravo.
A Pública questionou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta na qual está o Conatrae, sobre o futuro do órgão. A assessoria do Ministério respondeu que “está avaliando, estudando e proporá algo dentro dos parâmetros do decreto”. Há inclusive uma reunião agendada para o próximo dia 23, em Brasília, na qual deve ser debatido o futuro da comissão.
Segundo o decreto presidencial, os colegiados extintos terão uma chance de se reestruturar. Para isso, será necessário seguir uma série de indicações, que reformulam o funcionamento de todo o colegiado, e encaminhar a proposta de recriação até 28 de maio para a Casa Civil. O decreto define que após 28 de junho, a extinção dos colegiados afetados pela medida estará concluída.
Entre as indicações do decreto estão: assumir que as futuras reuniões serão feitas por videoconferência e o envio de um relatório, que deve resumir as reuniões anteriores e todas suas medidas decorrentes. Outro ponto é que cada colegiado deve justificar “a necessidade, a conveniência, a oportunidade e a racionalidade de o colegiado possuir número superior a sete membros”. Isso implica na reformulação de diversas comissões que são compostas por muitas entidades, como é o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), que conta com 45 membros, sendo 15 do Poder Executivo (todos com direito a voto) e 28 representantes dos povos e organizações indígenas (no qual apenas 13 têm direito a voto).
Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, afirmou que a extinção da CNPI “assim como a série de atitudes arbitrárias que o governo tem tomado desde o início do ano contra os povos indígenas são inaceitáveis e motivo de mobilização e luta”. Esse será um dos temas discutidos nas assembleias do Acampamento Terra Livre, entre 24 e 26 de abril, em Brasília. O CNPI é o canal dos povos indígenas para participar da elaboração e execução da política brasileira, criado a partir da antiga Comissão Nacional de Política Indigenista.
A situação é semelhante na Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI): extinta, sem nenhum esclarecimento aos membros. O órgão foi criado pelo governo Federal para acompanhar as políticas públicas de educação para os povos indígenas, como os programas de formação de professores indígenas. “A sensação é que estamos na corda bamba, estamos muito preocupados. A Comissão é um espaço para discutir a implementação de políticas públicas, como a construção de escolas. Quem vai discutir com o MEC o andamento dessas obras? Quem vai discutir a formação de professores? Se, de fato, ela deixar de existir, será um retrocesso da educação indígena, que estava começando a dar os primeiros passos”, afirma Gilmar Veron, membro da Comissão.
“O que o decreto reflete: é um tipo de governo que se organiza contra a Constituição de 1988”, critica o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Leonardo Pinho. O CNDH, que fiscaliza e monitora as políticas públicas de direitos humanos e o programa nacional de direitos humanos, não foi extinto pelo decreto, já que foi constituído pela lei Lei nº 4.319. “Não foi uma surpresa. O Onyx Lorenzoni [ministro da Casa Civil] vem, desde o início do governo, atacando qualquer espaço de participação social e controle social. Essa é uma consequência do que ele vinha dizendo. Essa visão explica até mesmo a dificuldade que o governo tem até mesmo com o Legislativo, porque é um governo que se encerra em si mesmo, acha que tem todas as soluções em sua mãos e não tem que ser fiscalizado e cobrado”, avalia.
No julgamento de Pinho, a falta de esclarecimento quanto ao impacto do decreto demonstra um despreparo do governo quanto às suas próprias ações. “Essa é outra característica do governo: o despreparo. Você não solta um decreto que irá atingir centenas de comissões, conselhos e comitês sem fazer um levantamento a priori e publicizar, até por transparência pública, quem será atingido”, aponta.
No dia 15 de abril, deputados do PSOL apresentaram o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 121/2019), que pretende sustar o decreto de Bolsonaro. Em fevereiro, foi também um PDL o responsável por derrubar o decreto do vice-presidente Hamilton Mourão que aumentava a competência para classificação de informações públicas nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto.
A falta de especificidade do decreto deixa, inclusive, dúvidas sobre quais conselhos serão afetados e extintos. A Transparência Brasil procurou a Pública e afirmou que o Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC) não seria afetado pelo decreto, por estar descrito na MP 870 de janeiro deste ano. Na avaliação do diretor executivo da Transparência, Manoel Galdino, o conselho não será afetado. Segundo Galdino, esse entendimento, contudo, não é consenso entre todos os membros e há quem avalie que o conselho segue em risco.
Quem são os conselhos afetados e os mantidos
A Pública levantou junto a organizações da sociedade civil uma lista preliminar de 50 conselhos e comissões que foram afetados pelo decreto nº 9.759; todos eles com participação da sociedade civil.
Entidades que foram extintas pelo decreto:
Comissão de Coordenação das Atividades de Meteorologia, Climatologia e Hidrologia (CMCH)
Comissão de Gestão de Florestas Públicas
Comissão Especial de Recursos (CER)
Comissão Intersetorial de Acompanhamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio)
Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO)
Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (Cnaeja)
Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT)
Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti)
Comissão Nacional de Florestas (Conaflor)
Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI)
Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD)
Comissão Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados (Cnatre)
Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae)
Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Comissão Nacional Permanente do Benzeno
Comissão Técnica Lei de Incentivo ao Esporte
Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos Afro-Brasileiros (Cadara)
Comissão Tripartite Paritária Permanente-CTPP
Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC-Classind)
Comitê de Articulação Federativa – CAF
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)
Comitê Gestor Nacional do Programa Territórios da Cidadania
Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CIAMP Rua)
Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH)
Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – CONATRAP
Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal contra o Sequestro Internacional de Crianças
Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC)* – extinção é debatida por membros do conselho
Conselho das Cidades (Concidades)
Conselho de Desenvolvimento do Agronegócio do Cacau (CDAC)
Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGen
Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS)
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional
Conselho de Relações do Trabalho (CRT)
Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior (CRBE)
Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC)
Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT)
Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit)
Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC
Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad)
Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (Conpdec)
Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp)
Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade)
Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI)
Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto
Grupo de Trabalho da Sociedade Civil Parceria Governo AbertoEntidades que serão mantidas:
Comissão Nacional de Incentivo à Cultura
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)
Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
Conselho Curador do FGTS (CCFGTS)
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional
Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat)
Conselho Gestor do FNHIS
Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (Conape)
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT)
Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI)
Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)
Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES)
Conselho Nacional de Educação (CNE)
Conselho Nacional de Fomento e Colaboração
Conselho Nacional de Imigração (CNIg)
Conselho Nacional de Juventude (Conjuve)
Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA)
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)
Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC)
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)
Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC)
Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS)
Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR)
Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH)
Conselho Nacional de Saúde (CNS)
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)
Conselho Nacional de Turismo (CNT)
Conselho Nacional de Irrigação
Conselho Nacional do Esporte (CNE)
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)
Conselho Superior do Cinema (CSC)