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Amigo antigo do senador do PSL, seu suplente, Alexandre Giordano, responde a processos judiciais e tem negócios imprecisos como empresário

Reportagem
30 de setembro de 2019
12:22
Este artigo tem mais de 5 ano

O discreto cargo eletivo de suplente ao Senado Federal se ajustou perfeitamente ao perfil do empresário paulista Alexandre Luiz Giordano, de 46 anos. Descrito como alguém “sem boa oratória nem afinidade com falas públicas”, sua atuação política se concentra nos bastidores de diretórios partidários e corredores de gabinetes.

“Fantasioso”, “galanteador quando quer negociar” e “vendedor de fumaça” são expressões ouvidas de ex-sócios e amigos que falaram à Agência Pública sobre o empresário. Entre os relatos, uma característica é quase unânime: o suplente do Major Olimpio (PSL-SP) gosta de ostentar riqueza. A exibição do luxo se dá por relógios da marca suíça Rolex, ternos da grife Camargo Alfaiataria e uísques caros. E pelo uso preferencial, em algumas ocasiões, de helicóptero como meio de transporte. Mas, apesar da exposição na mídia nos últimos tempos, seus negócios não são conhecidos pelo público.

Giordano entrou em evidência no noticiário nacional quando teve seu nome exposto pela imprensa paraguaia no final de julho. A repórter Mabel Rehnfeldt, do jornal ABC Color, revelou que o empresário fez ao menos duas viagens ao Paraguai, em abril e em junho deste ano, para negociar às escuras a compra de energia excedente da usina hidrelétrica de Itaipu. Participantes da reunião disseram que ele falou em nome da família do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para beneficiar a Léros, uma empresa de energia até então tão pouco conhecida como o suplente do major.

Giordano esteve também no Palácio do Planalto em 27 de fevereiro, um dia após o retorno do presidente Jair Bolsonaro de uma agenda oficial em Foz do Iguaçu, cidade sede da hidrelétrica de Itaipu. A informação foi divulgada pela Carta Capital.

A história se tornou ainda mais nebulosa com a revelação, feita no dia 13 deste mês pela Agência Sportlight, de que o próprio Major Olimpio esteve no Paraguai em 11 de abril passado, enquanto ocorria uma das reuniões mais importantes de Giordano no país. Questionado pela Pública sobre a coincidência, o senador acabou se confundindo com as datas. “Consta que ele esteve no Paraguai dia 9, eu não sabia que ele fez essa viagem, eu estive dia 11 e 12 de abril”, respondeu, por meio de um assessor, no WhatsApp. Desfeito o engano, Major Olimpio disse que, apesar de os dois terem estado no Paraguai no mesmo dia, “não sabia onde ele estava ou por onde andava” e que “não houve contato nenhum” entre eles. O senador informou também que foi ao país para participar do Encontro de Católicos com Responsabilidade Políticas ao serviço dos povos latino-americanos do Cone Sul e de uma agenda sobre segurança pública.

Se Giordano e Olimpio, de fato, não se encontraram no Paraguai, não foi por falta de proximidade, que vai além do fato de o primeiro ser suplente do major da Polícia Militar de São Paulo. Os dois se conheceram na zona norte da capital paulista e são amigos há pelo menos 10 anos, como disse Olimpio em longa entrevista à Pública, em Campinas, horas antes da publicação da Sportlight, comentada posteriormente por ele. O foco da entrevista era a relação do major, conhecido por defender o combate à corrupção – em nome da qual enfrentou seu próprio partido, o PSL, nos casos Flávio Bolsonaro e CPI da Lava Toga –, com seu inusitado suplente, um empresário que coleciona processos judiciais – de não pagamento de imóveis à invasão de terreno, passando por dívidas trabalhistas.

Major Olimpio disse que o escolheu para a suplência porque ele se colocou à disposição do partido para auxiliar na organização do diretório paulista – presidido por Eduardo Bolsonaro – na primeira grande disputa eleitoral da legenda. Ele transformou seu escritório — localizado no mesmo prédio onde funcionava o diretório estadual do PSL até julho deste ano – no comitê de campanha do major. É assim que o senador explica a transferência de R$ 6,6 mil reais por locação de imóveis para uma das empresas do suplente, a Enermade, que consta na prestação de contas da campanha.

O senador Major Olímpio com seus suplentes, o empresário Alexandre Giordano e o agora ministro Marcos Pontes, no dia da diplomação da chapa eleita em 2018

“Eu moro e convivo na zona norte. E ali ele sempre gostou de política, era bastante ligado – anteriormente, com o próprio pessoal do PSDB, com o Bruno Covas, que é um cara amigo dele. Quando eu vim para o PSL, ele começou a me ajudar com a organização do partido. Não tem nenhuma ligação diferente disso”, diz Olimpio.

O senador declara não ter se importado com a instalação de uma subcomissão temporária no Senado para investigar um eventual favorecimento à Léros. “Eu achei ótimo, tudo o que tem que acontecer. Que se faça a apuração que tem que ser feita.” E nega que Giordano tenha se apresentado como senador ou que falava em nome da família Bolsonaro. “Dois absurdos, porque ele não tem contato nenhum. Nem com Bolsonaro nem com família Bolsonaro”, afirma o senador. Questionado pela reportagem, admite: “O Eduardo [Bolsonaro] ele conhece… Ele era vice-presidente do partido, junto comigo e com ele. E ocasionalmente [se encontravam] em um ou outro evento. Mas o Eduardo frequentava muito pouco ou quase nada a reunião da executiva do partido”, destaca.

A Pública procurou o deputado federal para questionar o auxílio de Giordano ao partido e o grau de relacionamento entre eles, mas a assessoria de imprensa de Bolsonaro não respondeu até a publicação deste texto.

Carreira pública

Antes de ter o amigo como suplente, em setembro de 2017, Olimpio já o havia nomeado secretário parlamentar na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), quando era deputado federal pelo partido Solidariedade (2015-2018). Mas uma portaria no Diário Oficial da União desfez sua nomeação um mês depois da primeira publicação, que o colocou no cargo.

Segundo o senador, Giordano não chegou a exercer o cargo comissionado porque, pelo regulamento da Casa, teria que se desfazer de suas empresas. “Eu quis levá-lo já para trabalhar comigo, mas aí acabou não dando certo porque ele teria que fazer a transferência de empresa do nome dele para isso. Ele não poderia estar como funcionário ali e estar oficialmente com cargo executivo.”

O major descreve o amigo como um “empresário bem-sucedido”, mas afirma não conhecer exatamente seu ramo de atividade. “Eu sei que ele trabalha fazendo estruturas metálicas para poste, com lixo e esses ‘trecos’ todos. Mas não sou sócio dos negócios dele e ele não é sócio do meu mandato. Ele só vai ser senador se eu morrer ou renunciar; e eu não estou pretendendo nenhuma das duas coisas”, diz o senador.

O senador Major Olimpio e seu suplente são amigos há pelo menos uma década

Na campanha de 2018, Giordano declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de R$1,5 milhão em bens, entre empresas e embarcações.

Para se defender das acusações de que teria se envolvido nas negociações de Itaipu como lobista da Léros, declarou à Época não ter “vocação nenhuma para ser funcionário”: “Nunca trabalhei para ninguém”. Uma rápida busca no Diário Oficial do Município de São Paulo, entretanto, expõe as fragilidades dessa narrativa: registros públicos indicam que, de fevereiro de 2011 a janeiro de 2013, ele atuou como assessor parlamentar na Câmara de Vereadores da capital paulista. Por dois anos, esteve vinculado ao gabinete do ex-parlamentar tucano Aníbal de Freitas, figura atuante na zona norte da cidade – foi subprefeito de Santana e Tucuruvi em 2005 e, logo após, assumiu a subprefeitura de Jaçanã e Tremembé, até maio de 2007. No cargo, Giordano recebia um salário bruto médio de R$ 6,3 mil, segundo dados obtidos via LAI. Por algumas gratificações, a remuneração poderia chegar a R$ 11 mil, como ocorreu em seu primeiro mês de atividade, em fevereiro de 2011.

Freitas, que hoje trabalha na Assembleia Legislativa de São Paulo, não estranha a sobreposição entre a carreira de empresário e o cargo de assessor parlamentar, segundo ele, algo comum “em tempos de crise”. “Eu também sou empresário, mas com essa economia que nós estamos… Percebe? Quantas pessoas têm firmas e não têm o que fazer… É uma dificuldade”, disse por telefone.

Questionado sobre as atividades profissionais de Giordano em seu gabinete, o ex-vereador do PSDB disse que ele fazia a “comunicação com a comunidade” e a “interlocução de problemas”. Quando a reportagem pediu mais detalhes sobre as funções de seu ex-assessor na Câmara, ele respondeu, aparentemente irritado: “É o trabalho de assessor. Se você não sabe o que é, está mal informada, linda”.

Tempos depois de atuar no gabinete do vereador do PSDB, em outubro de 2016 o empresário paulistano decidiu se filiar à legenda – sua trajetória partidária havia começado alguns anos antes, em setembro de 2005, quando entrou para os quadros do PV. A breve carreira tucana foi marcada pela tentativa de cavar espaço no cenário político de Guarulhos, segunda cidade mais populosa do estado, localizada na região metropolitana de São Paulo.

Segundo a Pública apurou, no primeiro semestre de 2017, Giordano fez acordos e tentou assumir a presidência do diretório municipal do partido sem concorrer formalmente às eleições, marcadas para o início do ano seguinte. Membros do diretório conseguiram impedir que os planos do forasteiro se concretizassem. Ele, então, teria se afastado do PSDB guarulhense, cuja presidência acabou sendo definida mais adiante naquele ano – o empresário local Marco Ianoni assumiu o comando do diretório. Depois de frustrados seus movimentos, Giordano, no fim das contas, nem apareceu para concorrer ao cargo. Em 6 de abril de 2018, um dia antes de se encerrar o prazo para filiações partidárias antes das eleições, entrou para o PSL, sua atual sigla.

Do luxo ao lixo

Alexandre Giordano parece ter orgulho de sua trajetória profissional. Em entrevistas à imprensa, costuma dizer que começou a trabalhar ainda criança, vendendo hot- dogs com a mãe na região da rua 25 de março, no centro de São Paulo. Pai de três filhos – a mais velha tem 23 anos –, ele hoje comanda um bloco empresarial de atividades variadas, que vão desde coleta de resíduos industriais à montagem de estruturas de ferro.

A Empresa Brasileira de Bioenergia, a Enermade, é única do grupo com atividade principal relacionada ao setor alvo do escândalo de Itaipu. O CNPJ da empresa tem origem em 1996, quando o empresário abriu a Jungle’s Dance Bar, uma danceteria na serra da Cantareira, na divisa entre os municípios de São Paulo e Mairiporã. Segundo ex-sócios, o estabelecimento não tinha alvará definitivo e funcionou por poucos meses por causa de desentendimentos entre os proprietários.

Com a dissolução, o estabelecimento passou a se chamar Giordano Dances Bar e Restaurante. Quase duas décadas mais tarde, em abril do ano passado, a empresa se transformou na Enermade e foi transferida ao filho do meio, Lucca Pimenta Giordano, no período que antecedeu as eleições de 2018. A movimentação aconteceu três meses antes do jovem completar 18 anos.

Com poucas informações, o site da empresa se limita a informar que a companhia fornece “a solução mais econômica e apropriada ao resíduo de madeira e podas de árvore de seu município”.

Mesmo em nome do filho no papel, Giordano é quem de fato representa a empresa. No dia 28 de julho de 2018, por exemplo, ele foi recebido em uma reunião a portas fechadas no gabinete do prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), de quem o empresário é amigo. O encontro está na agenda oficial de Covas. A Pública entrou com um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) para obter a ata do encontro, mas a prefeitura informou que não há registros do que foi discutido na ocasião.

O prefeito Bruno Covas, junto com o secretário executivo do gabinete do prefeito, Fabio Lepique, em reunião com Giordano no dia 27 de julho de 2018; o empresário representava a Enermade no encontro

A lista de empresas ativas em nome de Giordano é composta por quatro companhias: a Indústria Brasileira de Estrutura Metálicas (Ibef) e a Família Giordano Indústria & Comércio, em São Paulo; e a Lobel Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Metais e a Multimineração, ambas com sedes registradas no Ceará.

Em nota à imprensa, o empresário diz que a “tradição empreendedora” de sua família vem de décadas. A empresa mais antiga é a Família Giordano, que surgiu em 1992 com outro nome, Giordano Consultoria & Assessoria. Com modesto capital de R$ 92 mil, a empresa tem uma grande e diversa lista de atividades secundárias no cadastro da Receita Federal, como montagem e desmontagem de andaimes; obras de terraplenagem; comércio atacadista de sorvetes; e consultoria em tecnologia da informação. Entre elas, também está a previsão para a geração, transmissão, comércio atacadista e distribuição de energia elétrica; além da construção de barragens e represas e outras atividades de infraestrutura e manutenção do setor de energia.

As empresas cearenses são as que têm maior valor de mercado. Na Multimineração, a participação societária de Giordano alcança R$ 570 mil; na Lobel, R$ 247 mil. Ambas têm o mesmo nome social, Grupo Multi e Multi Resíduos, e se dedicam à “coleta de resíduos perigosos”, entre outras atividades.

No estado de São Paulo, embora seja lembrado por amigos e conhecidos como “empresário do ramo do lixo”, sua principal empresa em atividade é a Ibef, criada em 1998 e estimada em R$ 10 mil. A fábrica projeta e comercializa pavilhões industriais, pontes, torres e outras estruturas de ferro. Segundo a própria empresa, sua capacidade é de aproximadamente 600 toneladas por mês.

A Ibef tem outro CNPJ, cujo proprietário é Itamar Pereira dos Santos e o capital, R$ 20 mil. Giordano deixou a empresa homônima em 2013, no auge de uma ação que buscava penhorar bens de seus sócios por uma dívida de R$ 16 mil. Sua defesa reclama que as siglas idênticas são companhias distintas – ainda que uma decisão do Tribunal Regional Trabalho, que busca indenização trabalhista no valor de R$ 12 mil em outra ação, tenha reconhecido que ambas pertencem ao mesmo grupo econômico.

Além das empresas, outra frente de atuação de Giordano é a Associação Brasileira das Empresas de Coleta, Transporte, Reciclagem e Tratamento de Resíduos (Abratres), no momento, considerada inapta por não ter entregue declarações à Receita Federal.

No site da Abratres, não há registros de quais empresas integram a associação nem quem faz parte da direção da entidade. Mas, por meio dela, Giordano tentou influenciar a regulamentação da sua área econômica. Em dezembro de 2016, por exemplo, ele participou, como representante da associação, de uma audiência com o então secretário de Meio Ambiente do estado, o atual ministro Ricardo Salles, para pleitear uma nova política pública para a destinação de resíduos sólidos da construção civil.

Além do filho, a esposa e a mãe do empresário também têm empresas no mesmo ramo das atividades de Giordano. Em 2015, um verão após o fim da febre paulistana das “paleterias mexicanas”, uma fábrica de sorvetes foi aberta em nome da filha de Giordano e, depois, passou para Juliana Mecenero, companheira do empresário. A marca Gio Gelato ainda está em atividade nas redes sociais. Mas, em junho deste ano, com o nome Midas Marketing e Eventos, mudou a atividade econômica de “comércio atacadista de sorvetes” para “consultoria em publicidade, atividade paisagística, serviço de poda de árvores, serviço de pulverização e controle de pragas e impressão de jornais”.

Na ficha cadastral da Receita Federal, as atividades da ex-sorveteria englobam outras operações, envolvendo, por exemplo, a geração, transmissão, comércio atacadista e distribuição de energia elétrica.

Juliana Mecenero é proprietária, ainda, da Multiresíduos Gerenciamento de Resíduos Industriais, que tem a mesma localização das empresas do marido no Ceará.

Já Maria Pereira Giordano, mãe do empresário, é proprietária da CLI – Condomínios Logísticos e Industriais, empresa de incorporação de empreendimentos imobiliários, cujo endereço coincide com o das principais empresas de Giordano na zona norte.

Todas as ligações feitas às empresas paulistas, incluindo a de sorveteria da esposa e a empresa de energia do filho, são encaminhadas a uma mesma linha telefônica, cuja recepcionista atende em nome do Grupo Giordano, uma holding de instituições não financeiras no nome do filho Lucca Pimenta.

Coleção de processos na Justiça

Uma rápida pesquisa por processos contra Alexandre Giordano e suas empresas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) resulta em uma dezena de histórias de dívidas, seja com bancos ou pessoas físicas.

As disputas judiciais contra o empresário envolvem até um pedreiro que realizou uma obra no valor de R$ 11 mil em uma de suas empresas. Giordano é réu em um processo por não pagar o profissional que ergueu um muro na Ibef. Nos autos, ele afirma que jamais contratou o serviço; por outro lado, testemunhas e a própria perícia judicial garantem que a obra do pedreiro foi executada.

Em outro processo contra Giordano, a Justiça decidiu leiloar seu sítio de 42 mil m² em Mairiporã, município da zona metropolitana de São Paulo, para obrigar o empresário a honrar uma dívida contraída com a compra de outro terreno. Em 2010, ele comprou um imóvel à beira da Rodovia Fernão Dias, em São Paulo (SP), no valor de R$ 340 mil, mas não terminou de pagar a dívida.

O terreno objeto do processo contra Giordano já não está em seu nome: foi vendido a uma corretora de imóveis por R$ 400 mil — valor acima da dívida com os antigos proprietários. Hoje, a área está em processo de desapropriação pelas obras da construção do Rodoanel Mário Covas, no trecho norte do anel rodoviário que circunda a região central da Grande São Paulo. O valor de indenização à imobiliária ultrapassa R$ 1 milhão.

Por duas vezes, Giordano foi alvo de uma ação de reintegração de posse por ocupar indevidamente um terreno vizinho ao galpão da Ibef, localizado às margens da Rodovia Fernão Dias, na zona norte de São Paulo. Na área que não lhe pertencia, ele construiu um estacionamento, uma edificação de pequeno porte e um heliponto.

Segundo informações que constam no processo judicial, Giordano invadiu parte do terreno em uma manhã de novembro de 2003, com máquinas de terraplenagem e derrubando árvores nativas. A situação o tornou alvo de um inquérito por crime contra a flora e de uma multa da Polícia Ambiental.

Os proprietários da área entraram com uma ação, e a liminar de despejo foi concedida pela Justiça em março de 2004. No entanto, em junho de 2009, Giordano voltou a invadir a propriedade, como aponta o juiz da 5ª Vara Cível do Foro de Santana, Maurício Campos da Silva Velho: “O réu continuou na área como se nada tivesse acontecido, sequer tendo o cuidado de inteirar-se, neste Fórum, acerca dos termos deste processo, o que demonstra evidente má-fé processual”, proferiu em uma decisão de janeiro de 2011.

Na mesma liminar, o magistrado entendeu que as melhorias feitas por Giordano no local haviam sido motivadas por “má-fé” e, por isso, não lhe deu direito a indenização. Por causa dessa ação, o empresário foi processado também por crime de desobediência, por ter desacatado a ordem judicial.

A defesa de Giordano alegou que ele teria recebido o terreno como herança. Mas o registro do imóvel não trazia o nome de nenhuma das três pessoas mencionadas por ele como antigos donos; pelo contrário, confirmava a propriedade a outra pessoa que não tinha relação com o empresário: José Vicente de Freitas Marcondes, já falecido.

O tradutor aposentado Nelson Marcondes, de 77 anos, é filho de José Vicente. Ele explica que sua família decidiu processar Giordano por medo que ele invadisse áreas vizinhas. “Na época, ele colocou pessoas armadas guardando uma cerca que ele tinha colocado lá. E disse que a terra era dele”, relatou.

O novo pedido de reintegração de posse foi julgado procedente em agosto de 2014. Mas o processo deixou de tramitar quando a família de Marcondes decidiu vender o terreno. “Nosso advogado nos apresentou um comprador que concordou em adquirir o terreno com a ação em andamento, e ele se responsabilizaria pelo processo”, explica Nelson. O novo proprietário decidiu não levar adiante o caso e a ação foi arquivada em setembro de 2014.

A área invadida pelo empresário fica às margens das obras do trecho norte do rodoanel. No processo de desapropriação da propriedade ao lado da empresa de Giordano, entre as benfeitorias do terreno está “um heliponto abandonado” — cujas coordenadas ainda estão disponíveis no site da Ibef.

Outro lado

Sobre os processos aos quais Giordano e suas empresas respondem, Major Olimpio se esquiva: “Não posso dizer que imóvel ele comprou ou que ele não comprou. Ele nunca me chamou para nenhum bom negócio nem nenhum mau negócio”, diz rindo. “Eu não consigo nem comentar qual o bom negócio que ele fez ou deixou de assumir. “Se ele cometer alguma irregularidade ou crime, eu não sou sócio dele nem responsável pelos crimes que ele praticar. [Somos] absolutamente independentes nisso”, afirma.

Por mais de uma semana, a Pública tentou contato com Alexandre Giordano por diferentes canais. Telefonamos em todas as empresas de seu grupo e fomos orientados a encaminhar e-mails ao suplente. Também ligamos em seu celular pessoal, mas o empresário bloqueou o número da redação após enviarmos uma terceira mensagem de texto por meio do aplicativo.

A reportagem tentou garantir o espaço de manifestação do empresário ao entrar em contato com dois escritórios de advocacia em São Paulo dos quais ele é cliente. Em uma das últimas tentativas, o advogado Cyro Lage — que esteve no Paraguai com o empresário — afirmou que seu cliente não concederia a entrevista.

Negócios binacionais

Em 2023, quando a hidrelétrica de Itaipu completa 50 anos, a dívida contraída pelo Brasil e Paraguai para sua construção estará quitada. Por isso, os dois países que administram o empreendimento negociam um novo tratado, para atualizar o texto assinado em 1973.

Durante as negociações deste acordo, feitas entre Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, o governo brasileiro pressionou o país vizinho a renunciar aos benefícios que mantém desde 2009. Há dez anos, um acordo triplicou o valor que o Brasil paga ao Paraguai pela compra da chamada “energia adicional” de Itaipu. Os países dividem a potência da usina pela metade, mas, como consome mais, o Brasil compra a potência que o vizinho não utilizou.

No dia 24 de maio, os chanceleres brasileiro e paraguaio assinaram uma ata diplomática que previa essa renúncia. Isso aumentaria em US$ 200 milhões os custos de energia para a estatal paraguaia. Além disso, o texto retirava o chamado “ponto 6”, cláusula que permitiria a negociação da energia adicional com o livre mercado, uma reivindicação dos paraguaios.

O acordo foi revelado quando o ex-presidente da Administração Nacional de Eletricidade (Ande), empresa estatal de energia paraguaia, Pedro Ferreira se demitiu. Nesse contexto, foram vazadas conversas de WhatsApp que confirmam o interesse da Léros.

Uma das viagens sigilosas de Giordano que chamou atenção da imprensa aconteceu no dia 11 de abril, em paralelo à negociação do novo acordo entre os países. Nesse dia, se reuniram em Ciudad del Este, além do empresário, representantes do grupo brasileiro Léros; dirigentes da Ande; e o advogado José Rodríguez González, que estaria representando o vice-presidente do Paraguai, Hugo Velázquez.

A negociação teve grande repercussão porque apenas a Ande e a Eletrobras, as estatais dos dois países que administram a usina de Itaipu, podem comprar diretamente a energia excedente – como é chamada a energia produzida além da expectativa da hidrelétrica, por causa de chuvas.

Segundo González, o advogado de 27 anos que estava na reunião representando o vice-presidente do Paraguai, os brasileiros disseram “estar a mando da família presidencial” e garantiram que tinham apoio do governo de Jair Bolsonaro para obter a autorização para importar energia.

Além disso, os veículos paraguaios revelaram que a Léros queria negociar exclusividade nessa compra. Após as reuniões no Paraguai, a geradora formalizou, no dia 27 de julho, uma proposta de compra da energia de Itaipu: compraria por US$ 31,50/MWh. A empresa nega lobby e afirma ter participado de um chamamento público à negociação.

Por meio de nota à imprensa, Giordano confirmou que esteve duas vezes no Paraguai, na condição de empresário, para tratar da comercialização da energia de Itaipu. “A reunião durou cerca de 15 minutos, sendo bem objetiva e técnica, por fim o presidente da Ande informou que poderia comercializar energia com empresas brasileiras”, afirma o suplente.

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