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Jack R. Williams afirma que análise da OEA ignorou fatores fundamentais e revela estar sofrendo perseguição política do órgão

Entrevista
12 de junho de 2020
11:30
Este artigo tem mais de 4 ano

O recente estudo estatístico realizado por pesquisadores da Universidade Tulane e da Universidade da Pensilvânia com dados obtidos pelo New York Times de autoridades eleitorais bolivianas revelou o que os pesquisadores Jack R. Williams e John Curiel, ambos do Laboratório de Ciência e Dados Eleitorais do consagrado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) já haviam revelado em um artigo publicado em fevereiro no Washington Post. O relatório final da Organização dos Estados Americanos (OEA), que afirmou ter havido fraude nas eleições bolivianas de 2019, tem falhas metodológicas que comprometem o seu resultado.

O argumento estatístico para a fraude foi o principal sustentado pela OEA nos primeiros meses desde a eleição. De acordo com o órgão, entre os 85% dos votos, apurados na noite da própria eleição, 20 de outubro, e a margem dos 95% dos votos apurados, contabilizados apenas no dia seguinte, devido a uma pausa comum por causa do horário das apurações, houve um crescimento duvidável da dianteira de Evo Morales. O relatório da OEA levou a um golpe militar na Bolívia, segundo os próprios pesquisadores estadunidenses, que teve como consequência o exílio do então presidente Evo Morales, candidato ao governo pelo quarto mandato seguido pelo partido MAS (Movimiento al Socialismo).

A pesquisa, desenvolvida de forma independente pelos cientistas do MIT por meio de contrato com o Centro para Pesquisa Econômica e Política (CEPR), porém, negou a evidência do órgão internacional. Conversamos com Jack R. Williams, que explicou que sua análise mostrando que a dianteira de Evo Morales permaneceu coerente com o contexto territorial e político do país latino-americano durante a apuração dos votos passou por mais de mil simulações. Segundo o pesquisador, a vantagem de Morales se manteve praticamente contínua durante a apuração de ambos os dias, tendo um crescimento em 21 de outubro que pode ser explicado pela apuração de colégios eleitorais em zonas que tradicionalmente o apoiam. 

Williams acredita que a OEA ignorou fatores essenciais para entender o resultado das apurações. “Não considerar informação geográfica é bem ruim. Se olharmos as tendências intermunicipais dos colégios eleitorais com o passar dos anos, elas são bem correlatas com as eleições de 2016”, explicou. 

Em março, semanas depois da publicação do artigo, Jack Williams disse ter sofrido uma perseguição política e pessoal da OEA e de membros do atual governo boliviano. O pesquisador chegou a ser atacado publicamente pelo embaixador da Bolívia na OEA, que questionou seu profissionalismo em uma série de tuítes. No entanto, o órgão não chegou a responder à análise dos pesquisadores em si, afirmando apenas que há uma série de outros indícios de fraude nas eleições bolivianas. 

“Desde que nossa pesquisa foi publicada, a OEA e o governo boliviano tiveram uma resposta muito estranha, consideraram nossa pesquisa não científica. Eles apenas focaram em nos atacar como pesquisadores, atacar o lugar para onde trabalhamos, em vez de responder a nossos argumentos. É estranho ver que pessoas tão respeitadas estavam escrevendo, no Twitter, que eu deveria ser demitido do meu emprego”, afirmou Williams. 

Evo Morales, primeiro presidente indígena da Bolívia.

Por que vocês decidiram iniciar essa pesquisa? Já suspeitavam que os dados da OEA estavam incorretos?

Originalmente eu já estava acompanhando as eleições bolivianas, por causa do meu interesse geral no tema. No dia 21 de outubro, inicialmente a OEA expressou preocupações com a eleição, fazendo uma reclamação sobre a pausa na apuração de votos, dizendo que havia uma tendência irregular na contagem de votos a favor de Morales, por conta desse período de tempo, durante a noite, em que as apurações foram pausadas. Na manhã seguinte, eles disseram que as tendências estavam irregulares.

Eu como que ignorei isso na época, e então, no dia 10 de novembro, o Center for Economic Policies Research (CPR) soltou um documento sobre como na realidade não houve uma irregularidade, e sim que se conseguiria prever as margens do MAS a partir dos resultados já divulgados do dia 20. Nós lemos esse relatório e isso me deixou interessado. A partir de um terço do relatório da OEA já apareciam problemas gerais. Eles listaram algumas acusações sobre onde acreditariam que ocorreram fraudes e listaram alguns problemas com assinaturas, mas a reclamação central é uma série de irregularidades estatísticas na contagem de votos, que teria feito com que o MAS ganhasse. Eles focaram a denúncia na marca dos 95% dos votos contabilizados, argumentando que havia uma descontinuidade com o que havia sido contabilizado até então, e isso provaria que houve uma grande mudança nos resultados nesse ponto.

Eu não sei quando comecei a acreditar que os dados estavam incorretos, mas comecei a ficar mais preocupado com o fato de eles não terem compartilhado os dados. Eles não compartilharam nada da pesquisa deles, nem o código nem os dados. Nós tivemos acesso aos dados públicos e acessíveis, que agora foram tirados do ar. Mas não temos nenhuma ideia de onde os dados estão localizados e as pessoas com quem conversamos não têm acesso também. 

No último relatório, eles mudaram o discurso e apontaram isso como uma causa menor, mas o argumento já havia sido utilizado como evidência de algo muito preocupante. Uma coisa é dizer que uma fraude ocorreu em uma eleição, mas não haver uma consequência uniforme disso comprovada pelos dados. Outro argumento deles é que em algumas cédulas houve uma vantagem de 70% de votos para o MAS. Mas por isso apenas se descarta uma eleição? Há uma série de perguntas não respondidas. 

Mas acredito que, nesse caso, a pergunta principal é por que a OEA incluiu um argumento específico sobre os resultados não estarem corretos? Podem-se usar outros argumentos de fraude, dizer que algumas práticas não foram seguidas. Houve sérios problemas com a análise específica que escolheram usar e o quanto ela foi generalista. Se isso fosse aplicado para as eleições estadunidenses, geraria uma série de outros problemas.

Você diz que parte dos dados foi retirada do ar. Isso foi depois da sua pesquisa?

Eles não foram efetivamente retirados, mas há uma inconsistência estranha aqui. Essa denúncia dos penúltimos 5% dos votos estava muito contida até agora, e acabamos de ter uma resposta da OEA na qual eles voltam a destacar esse argumento da irregularidade na marca dos 95%. Todas as vezes que tentamos replicar essa suposta inconsistência, o resultado da OEA é totalmente impossível. E pedimos que outros pesquisadores fizessem exatamente a mesma coisa, e o resultado é o mesmo que o nosso.

Eles devem estar usando um conjunto de verificação de dados separado ou estão fazendo algo estranho com os dados, o que não conseguimos comprovar porque eles não nos dão o código, os dados.

O que aconteceu foi que nas eleições bolivianas o departamento responsável parou de contabilizar os resultados dos votos quando cerca de 91% e 92% já estavam apurados. Mas na análise da OEA eles publicaram resultados dizendo que a contagem já estava nos últimos 5% e havia uma grande margem de diferença entre Morales e o CC [Comunidade Cidadã]. Isso é ridículo. Mas o que é mais ridículo é que havia uma tendência generalizada para o MAS durante toda essa apuração de votos, e o fato de eles ficarem indo e vindo nesse argumento.

Se se critica algo, como fizemos, tendo uma crítica bem específica, eles voltam atrás e dizem que nem precisam desse argumento estatístico para provar a fraude. Esse foi o único argumento inicial deles e, depois, se tornou o principal no dia 10 de novembro; em seguida tentaram diminuir esse argumento somente porque é uma análise problemática.

Vocês previram que a reação da OEA seria deslegitimar sua análise como não científica?

A falta de transparência da OEA, a resposta deles, tudo é muito esquisito. Não achei que a repercussão seria tão grande. Achei que seria algo que publicaríamos e teríamos uma resposta da OEA justificando, com dados, a nossa pesquisa, dados que mostram que estamos errados. Que eles defenderiam os próprios métodos.

Mas, desde que nossa pesquisa foi publicada, a OEA e o governo boliviano tiveram uma resposta muito estranha: consideraram nossa pesquisa não científica. Eles apenas focaram em nos atacar como pesquisadores, atacar o lugar para o qual trabalhamos, em vez de atacar nossos argumentos, afirmando que há algo específico na forma como olhamos para isso, que está errada. 

Até agora não tivemos resposta às nossas críticas, o que é estranho, porque nós fizemos essa análise e o problema ainda é real. Se eles usarem esse método em outros lugares, podem ter os mesmos resultados com dados que são inteiramente não fraudados. É uma análise ruim. Eu também não sabia disso antes, mas estão se aproximando as eleições internas da OEA, então talvez isso seja uma questão política para eles.

Parece que eles não ligam para nossa pesquisa. Eles ligam para o fato de o nosso argumento ter sido publicado, mas não ligam para a relação deles com os pesquisadores, não ligam em compartilhar ou ser transparente com a análise deles. A única forma pela qual defenderam sua análise é dizendo que são uma instituição confiável no acompanhamento de eleições, que não ligam para o lugar onde trabalhamos. Focaram no status institucional deles em vez de responder ao argumento. Então eles querem que confiemos neles porque sim, porque são essa instituição, ao mesmo tempo que querem dizer para não confiarem em nós porque não fizemos a pesquisa para o MIT. 

Mas então a reação da OEA foi uma perseguição pessoal contra você e os outros pesquisadores?

Sim, eu acho que eles sabem que o artigo tem sido compartilhado e critica um argumento muito forte da análise deles, mas eles definitivamente nos atacaram pessoalmente. O embaixador boliviano da OEA [Jaime Aparicio Otero] escreveu uma carta para o MIT com o objetivo de esclarecer nossa relação com a universidade. O MIT respondeu que nós fizemos a pesquisa de forma independente. Apesar de trabalharmos no laboratório de eleições do MIT, somos pesquisadores, é isso que fazemos. Daí eles vazaram essa resposta para a imprensa na linha: “Oh, meu deus, o MIT não fez isso oficialmente”. Pesquisadores fazem isso o tempo todo, somos contratados por organizações independentes em paralelo e publicamos os resultados em jornais o tempo todo. Nós nos focamos nas eleições dos Estados Unidos pelo laboratório, então esse tema também fugiu um pouco da alçada do MIT. Então é estranho ver que pessoas tão respeitadas estavam escrevendo, no Twitter, que eu deveria ser demitido do meu emprego. É muito estranho. Ele [Otero] começou a me seguir no Twitter e logo depois começou a postar coisas estranhas.

A pesquisa de vocês mostra que antes da pausa na contagem de votos os distritos que mais apoiavam o partido CC tiveram, na média, 41% mais votos contabilizados do que os distritos historicamente favoráveis a Morales e que, depois da pausa, esse últimos distritos tiveram 7% mais votos contabilizados. Você acredita que esse fator geográfico, tendo em conta as preferências de partidos dos distritos, é essencial para refutar a análise da OEA? O órgão apenas ignorou esse fator?

É interessante observar o que a OEA disse no dia da eleição, o que disse no dia 10 de novembro e o que finalmente disseram em dezembro quando publicaram o relatório final. Se antes o argumento estatístico era tão importante para eles, por que excluíram o olhar sobre a geografia? É muito estranho. Olhando outros casos em que a OEA atuou, como a eleição de Honduras em 2017, foi levada em conta a geografia, a ideia de que potencialmente, em diferentes áreas, haveria diferentes votos. 

Acho que a razão de eles terem se limitado ao marco dos penúltimos 5% dos votos especificamente é porque essa porção tinha uma tendência forte ao Morales. Mas os 5% anteriores tinham um apoio ainda maior a Morales, então eles deveriam questionar os últimos 10% das apurações se quisessem ter um ponto sobre essa descontinuidade. Ao se limitarem especificamente aos 5%, queriam afirmar que não deveria haver uma diferença geográfica tão grande entre eles e os 5% anteriores. Mas isso não é verdade. Não temos acesso a esses 5% que estão usando. Nós pedimos os dados, mas eles não estão muito motivados a nos responder. 

Mas, se olharmos as tendências intermunicipais dos colégios eleitorais com o passar dos anos, elas são bem correlatas com as eleições de 2016, quando o Morales perdeu [o plebiscito sobre seu projeto de reforma constitucional, no qual um quarto mandato se tornaria legal], mas teve 48%. Nesse caso, ele venceu as eleições com 46%. Então há uma grande correlação na margem de quem votou “sim” no plebiscito e quem votou por Morales agora. Na minha análise, essas margens dos colégios são correlatas. Não se vê uma mudança radical na margem, trocas de votos, que é um dos argumentos deles. Não considerar informação geográfica é bem ruim.

Nós, especificamente ao fazermos a simulação, antes e depois da pausa dos 84% dos votos contabilizados, vimos que, pela tendência geográfica dos votos, no mínimo a margem de Morales sobre [Carlos] Mesa já seria 10%. Então, antes ou depois disso, é muito provável que ele se mantivesse nessa margem. 

Na eleição de Honduras, se teve que explicar por que havia uma descontinuidade tão grande em 47% dos votos; nesse caso, eles querem explicar que isso aconteceu em 5% dos votos, e querem estabelecer um ponto de diferença na margem de votos. É algo muito rigoroso, mas a análise deles não é rigorosa o suficiente para descrever isso. 

Não há como excluir a geografia. Antes e depois da pausa, os colégios eleitorais contabilizados também foram incrivelmente diferentes; antes havia grandes colégios com uma quantidade muito maior de votos com margem menor em apoio ao CC. Depois da pausa, contabilizaram colégios menores, com uma margem de tendência em votar em Morales muito maior.

Você poderia dar um exemplo sobre a importância de considerar o horário e a localização territorial dos colégios eleitorais na descontinuidade do resultado durante a apuração dos votos?

Nos Estados Unidos há diferenças muito significativas. Aqui ainda há uma grande diferença entre o sul e o norte. As pessoas costumam achar que há uma diferença entre o leste e o oeste, mas ela é mais difícil de medir. Na verdade, o que temos é uma diferença grande também entre urbano e rural. Isso é mais ou menos semelhante entre América Latina e EUA: aqui a tendência são áreas mais urbanas preferindo candidatos democratas e áreas mais rurais preferindo republicanos. 

Meu interesse aqui é a diferença nos recursos. Nos EUA há comunidades rurais muito mais pobres e condados, no subúrbio e fora das cidades, que têm recursos para lidar com as eleições. Na eleição mais recente, nas primárias democratas em Washington e no Texas vimos universidades com filas muito longas e muitos eleitores ainda nas filas depois que as pesquisas fecharam. Então não vão conseguir ter uma boca de urna que faça sentido até que todas as pessoas terminem de votar. Isso demora.

Tivemos também outro caso nos EUA, em que certas práticas administrativas têm como consequência que esses votos sejam contados por último. Essencialmente temos algo chamado “blue shift” [mudança azul], documentada por pesquisadores aqui, que mostra que, essencialmente na noite da eleição nacional, se tem os resultados chegando e o início das apurações, mas boa parte dos votos ainda não foi contabilizada. Então a porcentagem muda de acordo com os condados, com as raças. A preocupação das pessoas é que no dia seguinte os votos tendem a estar altamente a favor dos candidatos democratas, o que muda a tendência de estados como Flórida e Carolina do Norte e a realidade de uma eleição de um dia para o outro. Isso não pode deslegitimar uma eleição. Eles não tentam responder e explicar esse fator, e essa informação ruim da OEA foi disponibilizada em um período muito instável e incerto. 

Se o argumento estatístico que provaria a fraude cai por terra, os outros perderiam a força também por não terem levado a nenhum resultado fraudulento?

Sim, o problema com os outros argumentos, também, é que a OEA usa uma linguagem muito poderosa no seu relatório. Um deles é sobre as 4 mil folhas de registro de voto que eles levam em conta na amostra da análise, mas só utilizam uma amostragem pró-MAS. Quando se estuda fraude, se deve olhar para uma amostragem pró-oposição e pró-posição nos colégios eleitorais, considerando que, se houve fraude, pode ter havido dos dois lados. 

Além disso, nesse argumento eles encontraram 200 folhas de registro questionáveis, porque foram preenchidas pela mesma pessoa. Mas isso não significa que foram assinadas pela mesma pessoa. Há diferentes níveis de alfabetização, especialmente quando a língua materna dos eleitores não é espanhol; então há motivos para que a mesma pessoa preencha para outras pessoas. Mas eles querem usar isso como exemplo para deslegitimar todos os colégios eleitorais pró-MAS. 

Isso acontece também nas eleições estadunidenses. Não é a coisa mais comum, mas acontece: alguns colégios têm mais de 95% dos votos para o mesmo partido. Então é ridículo levar isso em conta como evidência de fraude. Então, se se remove o argumento estatístico, só se diz que uma fraude aconteceu, mas não diz quanta fraude. Descarta-se uma eleição por um voto fraudado? Quanta fraude é necessária para descartar uma eleição? É preciso ter uma ideia de como essa fraude influenciou o resultado. Nesse caso, eles dependem desse argumento estatístico, mas daí o deixaram de lado. 

Você poderia comentar mais sobre essa falta de transparência da OEA nesse caso, em comparação com o comportamento deles em outras eleições?

Uma coisa estranha é que houve um tratamento diferencial aqui. Não se via essa quantidade de agressividade na linguagem de outras eleições. Eu não sei se outras pessoas já chegaram a questionar dados da OEA antes, mas há outros pesquisadores interessados nesse caso que também não conseguiram os dados da OEA. 

Um pesquisador da Universidade de Michigan ficou muito interessado nos dados; também não conseguiu e foi questionado publicamente por isso. Nós temos métodos de requisitar dados de instituições nos EUA, e elas tentam tornar tudo o mais transparente possível. Mas nesse caso parece que não foi uma preocupação deles. A preocupação é com a legitimidade da instituição deles, como se, quando dissessem algo, essa fosse a palavra final. Estou muito preocupado com a forma como tudo isso aconteceu. Eles não mostraram nada do trabalho deles, apenas dizem que essas coisas são verdade e esperam que se acredite nisso. 

Algumas pessoas já não viam a OEA como um observador neutro também em outros casos. Na eleição de Honduras, provavelmente deveria ter tido uma intervenção mais agressiva da OEA, mas se viram diferentes reações da comunidade internacional e diferentes níveis de apoio. O chefe da equipe que investigou as eleições pela OEA pediu demissão porque disse que não houve apoio do órgão. 

Muitos casos não são muito publicizados, não há um longo relatório publicado por eles. Nas eleições de 2014 na Bolívia e no plebiscito de 2017, por exemplo, não houve nada disso, eles não questionaram toda e eleição. Dessa vez, esse evento já era muito politizado, as pessoas já questionavam a própria candidatura de Morales. Então já era uma situação tensa para um corpo internacional se envolver, e não houve nenhum cuidado. A reação deles não acalmou de forma nenhuma esse processo político. Eles não foram neutros na análise. 

Vocês iniciaram o artigo no Washington Post listando algumas consequências do relatório da OEA. Na sua opinião nós podemos entender que o principal efeito do relatório foi uma perseguição política?

Intervenções militares não costumam ser boas para democracias. É difícil, a atual presidência não foi colocada no poder por um processo democrático. Não houve envolvimento cidadão, mesmo que existissem protestos. Então já estamos preocupados com o resultado das próximas eleições. Há acusações de violência política, vemos mudanças radicais, agora os colégios eleitorais indígenas estão voltando para o CC. Dependendo da linguagem usada na política, as coisas mudam muito. O relatório da OEA não ajuda, com argumentos problemáticos. Olha o efeito que teve. 

Talvez seja uma coincidência que a OEA tenha finalizado sua análise das eleições naquela data específica, mesmo que Morales tenha dito que respeitaria o resultado. Ele acabou sendo removido do poder. Houve um processo político complexo, mas, se eu tivesse de fazer uma escolha como a que a OEA fez naquele momento, teria mais cuidado em revelar informações que depois removeram do relatório, informações que eles próprios não estão suficientemente confortáveis em compartilhar com pesquisadores. Não é algo bom, especialmente quando os resultados de um suposto arbítrio neutro influencia dessa forma. 

O que você acredita que deveria ser feito e o que seria mais democrático a OEA fazer agora?

Eu espero que haja um árbitro neutro, mas não sabemos o que vai acontecer na Bolívia. Sabemos quando as eleições serão e já vemos uma mudança significativa nas intenções de voto. Se, por exemplo, algum partido que não costumava ter popularidade na política boliviana virar o partido mais popular, eu ficaria preocupado. Mas precisamos olhar o que os dados vão dizer, se haverá grandes mudanças ou segundo turno. Acho que muito da mudança de voto será a partir da violência política. As pessoas estão com medo de votar por causa dessa violência. 

Acho que ainda temos o mesmo problema que tivemos na eleição anterior, mas agora temos tanto o MAS quanto o CC dizendo que a atual administração pode cometer fraude nas eleições. Isso é algo que preocupa, especialmente quando a atual governante não foi designada pela população, e sim por políticos, porque a maior parte dos políticos foi excluída desse processo, inclusive o presidente na época, então não haveria nem o quórum.

Vocês continuarão a seguir os próximos passos desse processo? Podemos esperar outra análise?

Eu tenho conversado com outras pessoas que fazem observações mais informais das eleições da Bolívia. Agora não temos a possibilidade de ir lá pessoalmente, tanto por causa da reação de parte do governo à nossa pesquisa como também do coronavírus. Há outra crise agora. Como isso afetará a habilidade de as pessoas observarem essa eleição? 

Eles estão inaugurando outro sistema de relatório de votos preliminares. Não sei o que isso significa, se há outro contratante, mas precisaremos ver o que vai acontecer, especialmente porque há poucos dados nesse processo político, se compararmos com os dados dos EUA. 

Mas posso dizer com confiança que teremos resultados incomuns por causa de todas essas análises de mudanças de votos nos colégios eleitorais. Então talvez cheguemos ao mesmo resultado, que ainda não explica o ponto principal, que é: não há evidência de fraude. Mas vamos continuar seguindo, sim. 

Você teve uma resposta do Morales e do MAS?

Eu não sei se o MAS respondeu à nossa pesquisa, mas Evo Morales tuitou sobre ela. De novo, eu não esperava que esse tipo de pesquisa ganhasse tanto foco, que vários líderes ficassem tuitando sobre isso. Mas o meu foco é nessa análise problemática que muitas pessoas sabiam que existia. Muita gente sabia que existia algo errado, mas talvez não tivesse as ferramentas certas para comprovar. As pessoas liam o relatório da OEA e percebiam que algo estava errado, mas não conseguiam medir. Então era realmente importante que isso ganhasse visibilidade. 

Atualização (15/06/2020 às 10h12): No trecho da entrevista “se olharmos as tendências intermunicipais dos colégios eleitorais com o passar dos anos, elas são bem correlatas com as eleições de 2016”, anteriormente estava escrito 2017 e não 2016. O ano foi corrigido.

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