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Líderes de Iniciativas cívicas de números sobre o coronavírus falam sobre tentativa do governo federal de “maquiar os dados” de vítimas

Reportagem
9 de junho de 2020
14:00
Este artigo tem mais de 4 ano

Na última sexta-feira (5/6), o portal do Ministério da Saúde (MS) com dados sobre a pandemia de coronavírus no país ficou fora do ar. O site voltou a funcionar só no dia seguinte, mostrando apenas os casos registrados no dia – ficaram de fora o número total de mortos e contaminados pela doença e o histórico dos dados. Nesta segunda-feira, o órgão anunciou que vai voltar a publicar as informações retiradas do ar, mas continuará dando destaque aos números das últimas 24h.

Em resposta, se intensificaram iniciativas da sociedade civil para divulgação dos dados omitidos pelo governo: repositório de dados, boletins e painéis com os números da doença. Até mesmo grandes veículos de imprensa anunciaram uma parceria para divulgação de números completos sobre o novo coronavírus no Brasil.

O Brasil IO, repositório de dados públicos fundado em 2018, disponibiliza uma série histórica de casos e óbitos confirmados por município desde o início da pandemia, em março. Depois que o Ministério da Saúde deixou de publicar os dados completos, eles fizeram também – com uma equipe de 40 voluntários – um boletim diário de casos da doença. Álvaro Justen, fundador do site, conta que percebeu ainda em março que “não dava para contar com o Ministério da Saúde”. Na época, no início da pandemia, o site do órgão ficou fora do ar por uma semana.

“O MS tinha informação agregada por estado, mas não por município. Mais ainda, a informação por estado era defasada em relação às secretarias de saúde de alguns estados”, reclama o jornalista Marcelo Soares, fundador da Lagom Data – empresa que presta serviços de coleta e análise de dados. Por isso, ainda em março, ele decidiu montar uma metodologia de atualização de números de casos de coronavírus conforme os dados das secretarias estaduais.

Outra iniciativa é o “Monitor da Covid-19”, que concentra em um só portal notícias sobre a situação da pandemia no país, com foco nas informações regionais. “Eu queria encontrar em um só lugar as informações mais segmentadas e confiáveis, que são dos governos estaduais e secretarias de saúde”, conta o fundador, Fábio Rehm. “A nível federal eu não vejo muita coisa acontecendo quanto a pandemia. Tem sempre alguma outra coisa desviando o foco”, critica.

Tatiana Portella, do Observatório da Covid19 — iniciativa independente de pesquisadores — conta que além dos dados incompletos e da instabilidade do site do Ministério da Saúde, o grupo encontra “inconsistências nos dados das bases nacionais” que estão sendo investigadas. O projeto realiza projeções matemáticas sobre a evolução da pandemia com base em dados coletados das secretarias estaduais de saúde.

Organizações se unem para divulgar informações sobre a Covid-19 no Brasil

“Sabemos que negar os fatos e ocultar os dados é um modus operandi”

Para os especialistas, as mudanças de agora revelam de maneira mais clara a intenção deliberada do governo federal de ocultar dados. “Todos os indícios mostram que os dados foram retirados porque alguém não quis colocar os dados completos”, defende Justen.

Ele explica que o site sofreu alterações apenas na interface – ou seja, na parte que aparece para o usuário – mas e continua a coletar os dados completos. “Claramente foi uma forma de tirar as informações para as pessoas leigas não possam ler.”

Para Fernanda Campagnucci, diretora da Open Knowledge Brasil, organização que promove a transparência e o conhecimento livre, o governo federal está ocultando os dados para evitar críticas. “É uma forma de maquiar mesmo a situação para parecer que ela é menos grave do que é.”

Desde o início da pandemia a organização monitora a transparência de dados a respeito do coronavírus. O projeto avalia semanalmente, segundo critérios pré-estabelecidos, as informações disponibilizadas por secretarias estaduais e pelo governo federal e dá uma nota para cada uma delas. “Sabemos que negar os fatos e ocultar os dados é um modus operandi”, diz Campagnucci.

Segundo a iniciativa, o governo federal começou com uma avaliação muito ruim da transparência – apenas 36 pontos de 100 – e chegou a ampliar sua nota até 90, com uma evolução “mais lenta do que deveria”, na visão de Campagnucci. Porém, com as mudanças do final de semana, a tendência é que a nota de transparência do governo despenque para um patamar ainda menor do que quando a avaliação começou.

Para Portella, as mudanças no portal do Ministério da Saúde geram insegurança. “A gente não sabe se os dados vão continuar vindo e como vão vir.”

“Existe uma tradição do Estado brasileiro de ampliar a transparência, mas o que a gente está vendo deste governo é um caminho contrário”, diz Fernanda. Levantamento da Agência Pública corrobora com essa hipótese, mostrando que a quantidade de pedidos de acesso à informação negados quintuplicou em 2019 em relação ao ano anterior.

Campagnucci acusa o governo Bolsonaro de fazer “ameaças constantes de deixar de produzir informação sempre que essa informação desagrada ao invés de criar política pública para atacar o problema.”

O fundador do Lagom Dados previu esse “apagão de dados” antes mesmo de Bolsonaro assumir a presidência. “Quando saiu o resultado das eleições eu comprei um HD só para fazer backup de dados públicos. Conhecendo a atuação do então deputado eu imaginava que haveria a tentativa de cercear o acesso aos dados. Eles só gostam da informação que os enaltece”, diz. Ele reafirma, contudo, que enquanto os estados disponibilizarem os dados ele vai continuar publicando “mesmo que o inquilino do alvorada consiga castrar as informações”.

As iniciativas de compilação de dados reivindicam que seja publicado também a somatória de casos total, por município e por região, além do histórico completo. “Não adianta só uma foto de hoje. Tem que ter os dados todos para conseguir fazer uma análise e tomar ações”, afirma Justen. “A soma dos casos é importante para se ter uma ideia de como o vírus circula pela população”, explica Soares.

Para Rehm, “a transparência é extremamente importante para o pessoal poder se planejar e tomar decisões bem informadas. Dificultar o acesso não contribui com nada.”

Além disso, da maneira que estão expostos, os dados podem levar à interpretações erradas sobre a pandemia. No domingo, 7, foram registradas 525 novas mortes por coronavírus segundo os dados atualizados do Ministério da Saúde. O órgão omite que, com esses novos casos, o Brasil totaliza 36.498 óbitos pela doença. “Dá a impressão de que está diminuindo [os números de casos]. Enquanto não é isso que está acontecendo”, explica Justen.

“É muita vontade de dar uma boa notícia, mas sem fundamento”, avalia Soares. “É uma forma de maquiar para uma pessoa que tem um olhar menos crítico”, Portella concorda.

De acordo com pesquisadores ouvidos pela Pública, há uma tentativa do governo federal de ocultar os dados da pandemia

Secretarias também falham na transparência

Segundo a Pública apurou, veículos de imprensa e pesquisadores estão tendo dificuldades também em obter dados da pandemia com as secretarias estaduais de saúde. “Algumas secretarias proativamente disponibilizam mais dados, utilizam mais sistemas, painéis, para que as pessoas tenham acesso à informação. Já outras só fazem quando a gente pressiona”, revela o criador do Brasil IO.

Os entrevistados contam que o trabalho de compilação é dificultado porque cada órgão tem sua metodologia de contagem e publicação dos números. “Existem 27 estados diferentes publicando os dados em modelos diferentes, a gente não tem uma busca unificada para todos”, reclama Soares.

Justen cita o exemplo de Minas Gerais, que subtrai o número de mortos dos casos confirmados. Também reclama que algumas secretarias não disponibilizam relatórios com a frequência e a velocidade esperadas. “A gente está em uma pandemia. Não dá para simplesmente não dar boletim por que é domingo.”

Segundo o monitoramento da Open Knowledge, São Paulo e Rio de Janeiro, dois estados com grande número de caso, estão entre os com menor transparência. Os dois piores são Amazonas e Mato Grosso, que marcam 45 dos 100 pontos.

A diretora da Open Knowledge reconhece que a questão técnica pode prejudicar a transparência, mas pontua que “existe um teor de vontade política grande para fazer isso acontecer”. “Posicionamentos contrários à transparência não são técnicos, são políticos”, defende.

Por outro lado, o fundador do Lagom Data aponta possíveis interesses por trás de algumas secretarias em não expor os dados. Ele cita o Rio Grande do Sul, que ficou dias sem atualizar os casos de coronavírus na capital, Porto Alegre, e relaciona a falta de transparência com a campanha do governador, que, segundo ele, “gosta de afirmar que está vencendo a pandemia”. “Em ano eleitoral, todo mundo quer vencer o maior desafio sanitário do planeta, aí alguns governadores pensam que é só não chamar de Covid que tudo bem.”

Secom
Marcos Corrêa/PR

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