Na última terça-feira (22/6), o senador Marcos Rogério (DEM-RO) chegou aos Trending Topics – assuntos mais comentados – do Twitter no Brasil após mostrar vídeo descontextualizado do médico Drauzio Varella durante sessão da CPI da Pandemia, cuja intenção é apurar “as ações e omissões do Governo Federal” no enfrentamento à Covid-19.
“O Brasil está vendo a narrativa que a oposição tenta construir. Pegam vídeos antigos de Osmar Terra para desmoralizá-lo. Mas quando exibo vídeo da mesma época de Drauzio Varella minimizando a Covid, voltam à cantilena: é vídeo antigo. É A HIPOCRISIA REVELADA!”, tuitou o senador. A publicação foi a mais popular da tarde entre os políticos brasileiros, segundo levantamento do Monitor Nuclear, iniciativa de monitoramento de Twitter do site Núcleo Jornalismo.
Mas essa não foi a primeira vez que o senador virou assunto nas redes sociais por sua participação na CPI. Marcos Rogério é o senador governista que mais cresceu nas redes sociais desde sua instalação, em 27 de abril. Apenas em maio, o parlamentar recebeu 316% mais reações e comentários em sua página no Facebook quando comparado ao mês anterior. Seu número de seguidores na rede mais que dobrou, deixando de ser o integrante menos seguido da comissão para ocupar o 14º lugar no ranking.
Isso é resultado de uma estratégia pensada, conforme apurou a Agência Pública. No Twitter, o rondoniense aumentou a frequência de publicações, as interações recebidas, o número de curtidas e retuítes, de acordo com Monitor Nuclear, do Núcleo Jornalismo. Em todo o mês de março, Marcos Rogério fez apenas 15 publicações, recebendo um total de 122 curtidas e retuítes, em uma média de 8 interações por tuíte. Já em abril – mês no qual ele foi designado para compor a CPI e foram iniciadas as sessões – ele tuitou 83 vezes, com uma média de 188 curtidas ou retuítes por publicação. No mês seguinte fez 248 tuítes, e a taxa subiu mais ainda, chegando a mais de 4 mil interações por postagem – aumento de 2131%.
De todas essas publicações, pelo menos 98 falavam diretamente sobre a CPI ou sobre a pandemia. A Pública apurou que Marcos Rogério foi o quarto senador que mais publicou sobre os temas em maio, precedido por Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com 129; Rogério Carvalho (PT-SE), 122; e Humberto Costa (PT-PE), 110. No entanto, a frequência de publicações dos três primeiros já era alta antes do início das investigações, de forma que foi Rogério quem mais cresceu.
O senador se destaca também por ser o único governista entre os mais ativos na rede – Rodrigues, Carvalho e Costa são todos oposicionistas.
“A gente passou a usar realmente o Twitter de forma mais significativa com o início da CPI”, afirmou à Pública Ludmila Tavares, auxiliar parlamentar plena e uma das responsáveis pela comunicação do senador. Ela explica que a rede é importante “para comunicar mais de forma mais rápida”, já que “todo mundo está acompanhando [a CPI], e o Marcos é muito atuante”.
O canal de YouTube do senador, que antes publicava em média um vídeo a cada dois meses, passou a ser alimentado diariamente com conteúdos majoritariamente ligados à CPI. O número de visualizações também cresceu: até dois meses atrás, os vídeos do canal dificilmente ultrapassavam cem views. Hoje, o vídeo mais visto de Marcos Rogério no YouTube, que mostra trecho de uma entrevista do senador para o jornalista Luís Ernesto Lacombe sobre a CPI, soma mais de 92 mil visualizações. O vídeo foi também divulgado no Twitter do parlamentar.
“O Marcos Rogério tem publicado mais, tem ampliado o seu número de interação com as pessoas. Quando ele aparece na CPI defendendo o governo, ele passa a ser alguém que é então defendido pelos bolsonaristas da rede”, avalia Felipe Nunes, cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor de estudo sobre a relação entre voto e comportamento digital. As polêmicas compensam, explica o professor. “Qualquer ataque e qualquer crítica [a ele] têm gerado um certo contra-ataque. Isso força que ele poste demais, força com que ele interaja mais com a sua rede, e isso é óbvio que é positivo pra ele”.
“Atendimento” precoce
Em seus discursos e posts, Marcos Rogério afirma não ver indícios de omissão do governo federal no enfrentamento da Covid e considera que a investigação de Jair Bolsonaro é fruto da intenção política de “perseguir” o presidente. Para defender seu argumento, o senador busca responsabilizar prefeitos e governadores.
Ele também defende aqueles que foram à CPI para propagandear o tratamento precoce e a cloroquina – medicamento sem eficácia comprovada contra a Covid-19, conforme a OMS.
No dia 20 de maio, Marcos Rogério levou à sessão um vídeo no qual governadores defendiam o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. “A verdade incomoda muito! A exibição de um vídeo na CPI da Pandemia deixou bem clara a hipocrisia da oposição, que persegue o presidente Bolsonaro por apoiar a cloroquina, mas isenta os governadores que não só apoiam, mas compraram e distribuíram”, publicou em seu Twitter.
O vídeo, no entanto, era de falas proferidas em abril de 2020 – antes de a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertar contra o uso do medicamento. Governadores desmentiram as acusações do senador, mas elas já tinham caído na rede: foram replicadas por sites investigados por desinformação como o Terça Livre – no Twitter a postagem recebeu mais de 2,5 mil retuítes – e por parlamentares bolsonaristas, como Carla Zambelli (PSL-SP). “O Senador @MarcosRogerio não só arrasou esta semana ao mostrar aquele vídeo espetacular no meio da sessão da CPI, como vai DOBRAR A META semana que vem”, tuitou a deputada. A publicação recebeu 1,9 mil retuítes e 7,6 mil curtidas.
O senador também editou as falas da infectologista Luana Araújo. Em suas redes sociais, ele publicou um vídeo com cortes da fala da médica nas quais ela afirma ter usado medicamentos corticoides no tratamento de pacientes em quadro avançado da infecção por coronavírus”. “Infectologista defende uso de corticóides em tratamento para covid-19″, dizia o título do vídeo. Na legenda, o senador questiona: “Qual o protocolo certo? O que oferece tratamento precoce, para evitar o agravamento? O tratamento tardio; quando já começa a faltar oxigênio para o paciente?”.
O próprio senador chegou a defender medicamentos sem eficácia comprovada em discursos. Em vídeo, ele sugere que o agravamento da pandemia nos estados se deve à falta de “atendimento precoce” – expressão usada até mesmo pelo governo para mascarar a defesa de “tratamento precoce” sem comprovação científica. “O que salvou mais: o atendimento precoce dos pacientes ou o ‘fica em casa’ porque não tem medicamento com prescrição na bula?”, questiona Rogério, acusando a oposição de colocar a “cloroquina como vilã”.
O rondoniense foi o quinto integrante da CPI mais citado nos grupos públicos de política no WhatsApp analisados pelo Monitor do projeto Eleições sem Fake, da UFMG: apareceu 264 vezes. De acordo com relatório feito a pedido da Pública, 119 integrantes em cinco grupos nomearam o senador, que ficou atrás de Renan Calheiros (MDB-AL) – que lidera, com mais de 2 mil citações –, Omar Aziz (PSD-AM), Humberto Costa e Otto Alencar (PSD-BA), respectivamente.
“O Marcos Rogério é um ótimo exemplo de como as redes funcionam. Ele era um senador menor, menos expressivo nas redes, mas ele se transformou no grande guardião do bolsonarismo na CPI”, analisa o cientista político Felipe Nunes.
As viralizações de Marcos Rogério
Assim que o seu partido, DEM, deu sinais de que ele seria nomeado para a CPI da Pandemia, Marcos Rogério começou a se movimentar nas redes sociais. No dia 6 de abril, criou um canal no Telegram – aplicativo de mensagens que tem atraído bolsonaristas e disseminadores de desinformação, conforme mostrou reportagem da Pública no início deste ano.
Os conteúdos postados ainda não tratavam da pandemia, até que em 14 de abril saiu a nomeação oficial dos parlamentares que iriam compor a CPI. “Marcos Rogério é o único rondoniense a compor a CPI-COVID”, comemorou sua assessoria no Telegram. Desde então, as postagens na rede se tornaram mais frequentes e mais voltadas para a temática da Covid.
Ainda em abril, o senador fez duas publicações patrocinadas em seu Facebook sobre a CPI. Uma delas custou entre R$ 1 mil e R$ 1.500 mil, segundo a plataforma, e foi vista por mais de 250 mil usuários. Trata-se de um vídeo intitulado “Por que o medo senador?”, no qual Marcos Rogério questiona o relator, Renan Calheiros, sobre a convocação de governadores para depor na CPI.
Ludmila Tavares disse que criou o canal no Telegram porque “as pessoas começaram a aderir”. “Não tem uma relação direta com CPI, é mais uma questão do mandato.” Ela afirmou também que não houve mudança de estratégia na administração das redes sociais com a entrada na comissão e que o aumento na frequência de postagens foi uma consequência do aumento da atividade e popularidade de Marcos Rogério.
Com a aproximação do início da CPI, Marcos Rogério voltou a postar vídeos no YouTube, depois de ficar mais de seis meses sem publicar. “Todos os dias a gente tenta fazer um vídeo e mostra as falas do senador, principalmente. É uma coisa que a gente tem trabalhado”, explica Ludmila Tavares.
Os requerimentos do parlamentar na CPI também deram o que falar. Seguindo o conselho do senador Flávio Bolsonaro, Marcos Rogério apresentou, em 20 de maio, requerimento de convite à CPI para o pastor Silas Malafaia. “Se querem ouvir quem dá opinião e aconselha o presidente @jairbolsonaro, propus a convocação de Silas Malafaia”, escreveu no Twitter. A ideia foi reforçada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em uma de suas lives: “Por que vocês não convocam o Malafaia? Estão com medo do Malafaia? É uma das pessoas que eu mais converso”.
Apesar da pressão, o presidente da CPI, senador Omar Aziz, não apreciou o requerimento. Assim, no dia 27 do mesmo mês, a hashtag #OmarAzizArregao foi levantada por bolsonaristas no Twitter.
Foi também Marcos Rogério que apresentou, ainda no final de abril, o requerimento de convocação da médica Nise Yamaguchi à CPI – que foi aprovado como convite. No Twitter, definiu a médica como “referência no tratamento da Covid-19, sobretudo no tratamento precoce”. A médica compareceu à comissão em 1º de junho, em uma participação conturbada que causou tumulto no Senado e nas redes sociais.
Durante seu depoimento, ela defendeu o tratamento precoce sem apresentar evidências científicas e disseminou desinformação sobre lockdown e vacinação. Yamaguchi também afirmou nunca ter se encontrado com o presidente, mas checagens de veículos de imprensa mostram o contrário.
“Eu peço que desconsiderem as questões que ela diz aqui em relação à vacina, ela não está certa”, advertiu Omar Aziz ao público que assistia à CPI no dia. “A sua forma de falar convence as pessoas como se a senhora tivesse falando a verdade. Infelizmente, doutora Nise, a senhora está omitindo aqui muita coisa.”
A rejeição às falas da depoente pelo presidente da comissão gerou revolta nas redes sociais – principalmente de bolsonaristas e defensores do tratamento precoce sem comprovação. Deputados governistas e o movimento Médicos Pela Vida — que também tem ligações com o governo — fizeram circular notas de repúdio ao tratamento recebido pela médica na CPI. Marcos Rogério também se manifestou em defesa da médica. “Nenhum dos argumentos levantados pela oposição se manteve em pé diante do depoimento da dra Nise Yamaguchi”, tuitou após o depoimento.
Para o cientista político e professor da Escola de Relações Públicas e Internacionais da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, Miguel Lago, ao trazer médicos defensores do tratamento precoce para depor na CPI, os bolsonaristas jogam com o que ele chama de “falsas equivalências”, que depois viralizam nas redes de apoio ao presidente. “Você pauta o debate com temas ridículos que não tem nenhuma relevância e não se discute as coisas realmente importantes”, explica.
Marcos Rogério insiste também na convocação de governadores e prefeitos, estratégia utilizada pelos governistas para tirar o foco das investigações do governo federal – em 21 de junho, a convocação foi suspensa pela ministra Rosa Weber, em decisão monocrática.
Outra narrativa disseminada pelo senador é a afirmação, sem provas, de que a CPI já está com seu relatório final pronto, antes mesmo de terminar as investigações, inferindo que a atuação é parcial. “Não resta dúvidas de que o relator já possui um relatório pronto debaixo do braço!”, tuitou em 18 de junho. A publicação recebeu mais de 16 mil curtidas.
A ideia foi replicada por outros bolsonaristas, que apelidaram a investigação de “circo” e “farsa”.
A assessoria de imprensa do senador rebate as acusações de fake news dizendo que “todas as vezes em que ele [Marcos Rogério] faz uma fala ele está embasado com documentos”.
Abraçado pelos bolsonaristas
Apesar de ser vice-líder do governo no Senado, Marcos Rogério não era tão próximo dos parlamentares bolsonaristas mais conhecidos. Depois que se tornou parte da CPI, passou a ser citado com constância em postagens nas redes sociais de parlamentares do núcleo mais radical do governo, como os deputados Carla Zambelli, Bia Kicis, Flávio Bolsonaro e Carlos Jordy. No último mês, seu nome apareceu em 11 dos 84 posts com mais curtidas e comentários da deputada Carla Zambelli no Facebook em maio; juntos, somam mais de 988 mil interações.
“Ele foi abraçado pelos bolsonaristas e passou a ser defendido por eles. Conseguiu gerar engajamento e mobilização num grupo que é importante”, explica Felipe Nunes.
Os eleitores fizeram coro: “Essa CPI fez uma coisa de bom: apresentou o Senador Marcos Rogério ao Brasil. Para combater a hipocrisia é preciso ter coragem!”, publicou uma usuária em tuíte que teve mais de 18.500 curtidas e 2.100 retuítes.
“Na medida em que ele passa a falar mais do presidente, eu acho que é automático que pessoas que estão em torno do presidente comecem a divulgar mais”, explica a assessora Ludmila Tavares.
CPI como espetáculo
Assim como Marcos Rogério, outros parlamentares se aproveitam da visibilidade da CPI e do senador para se projetar em ano pré-eleitoral.
Em 25 de maio, dia em que a médica Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina” compareceu à CPI, as deputadas Carla Zambelli, Bia Kicis (PSL-DF), Aline Sleutjes (PSL-PR), Alê Silva (PSL-MG) e Paula Belmonte (Cidadania-DF) entraram na sessão sem autorização – de acordo com as regras, o acesso ao plenário é restrito a senadores e outros assistentes – e aproveitaram para gravar e publicar vídeos em suas redes sociais.
No dia, a deputada Carla Zambelli, maior responsável pela circulação de posts sobre a CPI no Facebook, fez sete publicações que somaram 427.053 interações, com vídeos e fotos do plenário, e comentaristas analisando os acontecimentos do dia na perspectiva bolsonarista. Ao todo, os posts da deputada sobre o tema ultrapassaram 6 milhões e 200 mil curtidas e comentários, quase 10% do total. Já Jair Bolsonaro foi responsável por cerca de 2 milhões e 410 interações.
Os debates sobre a CPI dominaram os Trending Topics do Twitter, apareceram frequentemente entre os assuntos mais pesquisados no Google, e já geraram mais de 77 milhões de interações no Facebook desde abril.
A Pública analisou os perfis dos 18 senadores integrantes (11 titulares e seis suplentes) nas redes sociais e concluiu que 14 deles registraram crescimento no número de interações em seus perfis do Facebook na comparação entre abril e maio. Destes, somente Omar Aziz, presidente da CPI, ultrapassou o crescimento registrado por Marcos Rogério: apresentou aumento de 524,4% em suas interações.
O médico Otto Alencar também se destacou. No WhatsApp, foi citado 274 vezes por 180 usuários diferentes em 87 grupos monitorados pelo projeto Eleições sem Fake, da UFMG. O nome do senador apareceu também duas vezes entre os termos mais buscados no Google: em 19 de maio, dia do depoimento de Pazuello, seu nome foi buscado mais de 50 mil vezes; já em 1º de junho, quando Nise Yamaguchi compareceu à CPI, o nome do senador foi pesquisado mais de 200 mil vezes.
Na oposição, só Humberto Costa teria perdido alcance e influência digital, de acordo com Nunes. Os dados do Facebook confirmam a avaliação: o senador perdeu 11% de suas interações em maio. “O próprio Humberto Costa apareceu muitas vezes na CPI, mas sem conseguir uma lacrada, sem conseguir um desempenho viral”, explica Felipe Nunes.