O Fundo Amazônia deve ser retomado já em janeiro tendo como prioridade a redução imediata do desmatamento, segundo fontes ouvidas pela Agência Pública. Criado em 2009 para recompensar o Brasil por resultados positivos na redução de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa, o fundo foi paralisado em junho de 2019 depois que o Ministério do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) e tem doações que somam R$ 3,4 bilhões feitas pela Noruega e Alemanha.
As verbas não podem ser investidas em novos projetos até que a atuação do comitê seja restabelecida. Os dois países também suspenderam novos repasses.
Mais de 60% das verbas do fundo utilizadas até agora foram destinados a instituições do governo. Com a paralisação, órgãos importantes ficaram com o orçamento comprometido, caso do Ibama, que já se organiza para captar novos recursos.
Em 2018, por exemplo, o fundo aprovou um projeto de R$ 140 milhões para ajudar o órgão a custear ações de fiscalização na Amazônia Legal. O valor foi destinado, principalmente, ao aluguel de veículos especiais, como picapes e helicópteros, usados em operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia.
Um projeto similar, aprovado em 2016, cedeu R$ 56 milhões do fundo para o Ibama. Entre 2016 e 2018, mais de 460 ações de fiscalização do órgão foram bancadas com esse dinheiro, e resultaram em R$ 2,5 bilhões em multas ambientais aplicadas.
O orçamento para bancar essas despesas, no passado, vinha do próprio Ibama, mas com a adoção do teto de gastos durante a gestão de Michel Temer, a entidade passou a depender das verbas do fundo.
“Historicamente, o Ibama dispunha desses meios e executava suas ações fiscalizatórias com considerável sucesso. No entanto, nos últimos anos, o orçamento desse órgão ambiental vem sendo contingenciado, em decorrência da situação fiscal do país”, destacou o Ibama, na descrição dos dois projetos.
Na prática, o Ibama não deixou de receber recursos do fundo para esses fins durante o período de paralisação, porque o seu último projeto, aprovado em 2018, teve verbas repassadas até setembro deste ano. A paralisia do fundo, no entanto, impediu novos projetos de serem contratados e contribuiu com a fragilização do órgão durante o governo Bolsonaro. Questionado pela reportagem, o Ibama não retornou até a publicação da reportagem.
“Entre 2016 e 2018 a atividade de fiscalização do Ibama e o programa de combate a queimadas, o Prevfogo, eram praticamente 100% custeados com recursos do Fundo Amazônia. Isso custeava desde combustível até o aluguel de helicóptero para fazer o combate ao fogo. Então quando você suspende os novos repasses, e essa suspensão foi abrupta e foi uma decisão de governo, você cria o que houve durante o governo Bolsonaro, que foi a fragilização deste órgão”, explica Eugênio Pantoja, diretor de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que participou de avaliações periódicas do fundo.
Atualmente, 93,8% da verba do fundo vem da Noruega. Outros 5,7% foram doados pela Alemanha e 0,5% são provenientes de recursos da Petrobras. As verbas são destinadas a financiar projetos para preservar a floresta e garantir seu desenvolvimento sustentável, e os projetos são contratados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Recriação do Cofa é prioridade
Desde sua eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem falando que a retomada do Fundo Amazônia é uma prioridade de seu governo. A reativação do fundo também foi determinada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no início de novembro: o plenário da corte deu um prazo de 60 dias para que o governo federal recrie as estruturas que possibilitam seu funcionamento. Como o prazo termina em 2 de janeiro, após o fim do mandato de Bolsonaro, na prática as negociações estão sendo conduzidas pela equipe de transição de Lula.
Segundo fontes envolvidas nas negociações, em um primeiro momento o fundo deve focar em projetos que têm impacto direto na redução do desmatamento na Amazônia Legal. A maior urgência é a recriação do Cofa, com a mesma composição do passado – representantes da sociedade civil, de órgãos do governo federal e de governos dos estados da Amazônia Legal –, o que pode ser feito por meio de decreto.
Somente após o restabelecimento do comitê é que novos países poderiam se juntar, oficialmente, ao Fundo Amazônia. Políticos da equipe de transição têm conversado com representantes de países europeus, como a Suíça e o Reino Unido, desde a 27ª Conferência do Clima da ONU, a COP27, realizada em novembro no Egito.
À Pública, o Departamento Federal dos Negócios Estrangeiros da Suíça confirmou em primeira mão que o país está considerando iniciar contribuições no futuro. “A Suíça tem discutido o Fundo Amazônia em suas trocas informais com as autoridades brasileiras de transição. Uma contribuição para o Fundo está sendo considerada. A Suíça atribui grande importância ao papel positivo das florestas na luta contra as mudanças climáticas, tanto na adaptação quanto na mitigação”, disse o porta-voz.
Além da Suíça, o governo do Reino Unido também já confirmou que estuda a possibilidade de se juntar ao grupo. “Nossos ministros receberam o pedido para que o Reino Unido se junte ao Fundo Amazônia de diversos representantes do governo de transição no Egito, durante a COP27, e estamos avaliando as possibilidades”, disse, em nota, a Embaixada do Reino Unido no Brasil.
54 projetos parados
Segundo um relatório de avaliação do fundo publicado pela Controladoria-Geral da União (CGU) em junho deste ano, o valor atualmente disponível para novos projetos, incluindo rendimentos em aplicações financeiras, é de R$ 3,2 bilhões. Somente os projetos que já estavam sendo analisados pelo BNDES antes da paralisação, porém, consumiriam R$ 2,2 bilhões deste total.
Após o restabelecimento do Cofa, uma das primeiras ações do fundo deve ser uma revisão desses projetos. Ao todo, 54 projetos já haviam sido submetidos para análise em 2019, mas ainda não tinham sido contratados quando o comitê foi paralisado.
No entanto, como a inflação no período foi de 23%, segundo o IPCA, e o desmatamento também voltou a crescer desde que o fundo foi paralisado, muitos desses projetos vão precisar ser revisados – tanto em termos financeiros como em seus objetivos.
Uma outra fonte próxima às negociações afirma que essa revisão já está acontecendo, e que devem ter prioridade as propostas que têm como objetivo principal a redução do desmatamento em determinadas regiões. “O BNDES já está reavaliando esses projetos para que sejam contratados imediatamente. Vai ter que ter uma reavaliação de valor, de ação, então os proponentes estão revisando os que estão dentro da estratégia de redução de desmatamento. Eu calculo que sejam de 10 a 15 propostas”, afirma.
Questionado se os autores dos projetos já estão sendo procurados para atualizar suas propostas, o BNDES respondeu que, para “os projetos protocolados ainda não analisados, informa-se que a situação permanece inalterada até que as negociações entre os países sejam finalizadas”.
Em nota, o BNDES também disse que “o Fundo Amazônia não está parado” e justificou que, em 2021, “foram desembolsados R$ 117 milhões em 2021 para projetos já contratados, em prol de ações de combate ao desmatamento, da promoção da conservação ambiental e do desenvolvimento sustentável”.
Os próprios relatórios do Fundo Amazônia, no entanto, reconhecem que a análise de novas propostas está paralisada, e os desembolsos caíram significativamente por conta disso: em 2017, por exemplo, os repasses chegaram a R$ 224 milhões, quase o dobro do que foi desembolsado em 2021.
Embora o balcão para a recepção de novas propostas possa ser reaberto assim que os comitês do Fundo Amazônia forem restabelecidos, os repasses para os novos projetos devem demorar uma vez que as etapas de aprovação junto ao BNDES costumam levar vários meses.
Paralisação e pente fino
Apesar de contar com dinheiro doado por governos de outros países, a gestão dos recursos do Fundo Amazônia é feita pelo BNDES, seguindo as diretrizes aprovadas pelo Cofa e sob o acompanhamento do Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA).
Na prática, isso significa que os países doadores não têm interferência sobre o tipo de projeto financiado com as doações. Da mesma forma, os governos da Noruega e da Alemanha também não puderam interferir nas decisões do governo Bolsonaro que inviabilizaram o funcionamento do fundo desde 2019.
Na época, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que tinha “suspeitas” nos contratos aprovados pelo fundo, e que eles seriam submetidos a um “pente fino”. Essa revisão de contratos, no entanto, não encontrou nenhuma irregularidade. Diante das mudanças na governança do fundo, os governos da Noruega e da Alemanha congelaram novas doações e repasses.
Desde sua criação, o Fundo Amazônia já financiou 102 projetos e desembolsou, até o final de 2021, R$ 1,49 bilhões. De acordo com relatórios do próprio fundo, 207 mil pessoas – a maioria delas moradores da Amazônia legal – foram impactadas por ações bancadas pelo instrumento. As propostas já renderam R$ 254 milhões em receitas obtidas com a comercialização de produtos em projetos de desenvolvimento sustentável da floresta.
Procurados pela reportagem, os governos da Alemanha e da Noruega não deram detalhes sobre as negociações para a retomada do fundo. Em nota, o Ministério da Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha disse apenas que “está confiante de que novos projetos podem ser iniciados no início de 2023”.
“A Alemanha está preparada para uma participação renovada no Fundo assim que as estruturas de governança forem restabelecidas e o Fundo estiver operacional novamente. O diálogo sobre os próximos passos e o processo de reativação já foi iniciado e será intensificado com o novo governo eleito”, disse um porta-voz da pasta.
Já o governo da Noruega disse apenas que atualmente está “em diálogo com as partes interessadas relevantes sobre os próximos passos do Fundo Amazônia”.