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Faz duas semanas que eu me habituei a diariamente checar os gráficos do Climate Reanalyzer, uma plataforma do Instituto de Mudanças Climáticas da Universidade do Maine (EUA) que traz estimativas diárias da temperatura média do planeta e da temperatura da superfície do mar. Abro as páginas e encaro a curva de 2023, muito acima das curvas dos anos anteriores, com um misto de desespero e incredulidade – como a humanidade não está se rebelando contra isso?
Foi esse pessoal que soou o alerta de que, no começo de julho, foram quebrados três recordes consecutivos de dia mais quente do ano desde o início dos registros, como comentei aqui há duas semanas. Mas não parou aí. Desde o dia 3 de julho, todos os dias ficaram entre os mais quentes desde o início das medições. TODOS. Já são 17 dias seguidos em que o planeta vive sem trégua um calor jamais visto.
Essas medidas não são oficiais, mas indicam que 2023 pode bater o recorde de ano mais quente do registro histórico, como resultado de uma combinação preocupante de mudanças climáticas com o fenômeno El Niño – que aquece as águas do Pacífico, mas traz reflexos em todos os oceanos, que estão também muito mais quentes que o registrado nas últimas décadas. É uma alta sem precedentes desde meados de março.
Cientistas não têm poupado adjetivos para descrever a situação. Estamos entrando em um “território desconhecido”, como alertou há alguns dias Christopher Hewitt, diretor da Organização Meteorológica Mundial.
Aqui estamos falando de temperatura média global. O dia mais quente foi 6 de julho, com 17,23 ºC, ou 1,02 ºC acima da média observada entre 1979 e 2000. Dezessete graus parece pouco, não? No Rio de Janeiro, se sai de casa de cachecol quando os termômetros marcam algo parecido. Mas, veja, estamos falando de um valor médio para o planeta inteiro, que tem calotas polares congeladas fazendo a compensação (e, bem… elas também estão mais quentes).
Para a Terra ficar acima dos 17 ºC, alguns lugares estão com temperaturas superiores a 40 ºC, 50 ºC, como ocorreu com China e Califórnia. O verão no hemisfério norte este ano está inclemente, com ondas de calor nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, incêndios, pessoas morrendo pela falta de ar condicionado. Nesta quarta-feira, a Organização Mundial da Saúde alertou para o estresse dos sistemas de saúde, diante da piora que o calor causa em condições preexistentes, como doenças cardiovasculares, diabetes e asma.
Ainda não há estatísticas sobre quantas pessoas podem estar morrendo por causa das ondas de calor atuais, mas o retrospecto de outros momentos parecidos não é animador. Um estudo publicado há dez dias na revista Nature Medicine estimou que o intenso verão de 2022 na Europa, até então o mais quente do registro histórico, pode ter causado mais de 61 mil mortes.
Em 2003, até então o verão europeu mais letal quantificado pela ciência, foram mais de 70 mil mortes. Por causa disso, algumas medidas de adaptação foram tomadas nos últimos anos para tentar proteger populações mais vulneráveis ao clima extremo – claramente insuficientes, como indicam os pesquisadores europeus. “Nossos resultados pedem uma reavaliação e um fortalecimento das plataformas existentes de vigilância de calor, dos planos de prevenção e das estratégias de adaptação de longo prazo”, alertam.
Além de impactos claros à saúde, as altas temperaturas, seguidas de seca e fogo ou muita chuva, dependendo da região do planeta, podem ter reflexos em breve sobre os cultivos agrícolas, perdas de safra, aumento do preço dos alimentos, fome.
São sinais alarmantes, mas não deveriam, em hipótese alguma, ser paralisantes. Assim como os sistemas de saúde precisam se adaptar, as casas, os prédios comerciais e os sistemas de transporte precisam ser mais bem planejados para prover conforto térmico. Sistemas de trabalho terão de mudar. É preciso agir e se adaptar.
Assim como é preciso diminuir urgentemente as emissões de gases de efeito estufa, os responsáveis por aumentar a temperatura do planeta. O próximo sábado está sendo chamado de Dia da Emergência Climática. Ele representa um outro marco simbólico. A partir deste dia 22, serão menos de seis anos para o planeta esgotar o chamado “orçamento de carbono” – o limite tolerável de carbono que ainda podemos jogar na atmosfera sem comprometer demais o futuro da humanidade.
É um conceito não muito simples, mas que em linhas gerais considera o seguinte cálculo. Em 2021, o IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, publicou um relatório estimando que, a partir de 2020, os seres humanos poderiam liberar só mais 400 gigatoneladas (Gt) de carbono na atmosfera para ter uma chance de 67% de limitar o aquecimento a 1,5 °C.
Essas 400 Gt são o nosso “orçamento de carbono”. Só poderia emitir isso. Qualquer coisa a mais significa aumentar mais a temperatura. E cada meio grau a mais significa mais problemas. Já aquecemos cerca de 1 ºC, e olha tudo o que está acontecendo.
Um grupo internacional de cientistas e ativistas criou então o Relógio do Clima, ou Climate Clock, que conta quanto está sendo emitido por ano e quanto falta para chegar nas tais 400 Gt. Bom, a conta é que, no ritmo em que está, esse orçamento se esgota em seis anos. A partir deste sábado, esse prazo começa a diminuir.
Haverá ações em todo o mundo para alertar para essa corrida contra o tempo da humanidade. No Brasil, haverá uma projeção do Relógio do Clima no Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, entre 17h e 21h. “Queremos chamar atenção para o prazo que resta para nos manter a salvo de cenários climáticos catastróficos”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, responsável pela ação do Climate Clock no Brasil.
“Se as taxas de emissões globais continuarem a aumentar, nosso orçamento de carbono se esgotará ainda mais rápido. Se reduzirmos a taxa de emissões globais de carbono, o tempo no relógio teoricamente começaria a aumentar”, explica a especialista em políticas públicas climáticas. Está escrito, desenhado, projetado no Cristo Redentor o que precisa ser feito. Tic-tac, tic-tac, tic-tac.