Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, enviada às quintas-feiras, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
Sob o risco de parecer um pouco monotemática, peço licença ao caro leitor, mas preciso retomar o tema da semana passada por motivos de: agora é oficial, julho deve se encerrar como o mês mais quente de todo o registro histórico.
Na última newsletter comentei como as medições indicavam que as temperaturas desde o dia 3 estavam muito acima do já observado até então. Os dias que se seguiram mantiveram a mesma tendência e nesta quinta-feira, 27, tanto a Organização Meteorológica Mundial (OMM, ligada à ONU) quanto o serviço de mudanças climáticas Copernicus, da União Europeia, confirmaram que o mês caminha não apenas para ser o julho mais quente, como o mês em que o planeta atingiu a maior temperatura de todo o registro histórico.
As duas organizações confirmam que em 6 de julho a temperatura média global do ar na superfície do planeta ultrapassou o recorde estabelecido em agosto de 2016, tornando-se o dia mais quente já registrado. Mas não parou ali. As três primeiras semanas de julho foram o período de três semanas mais quente já registrado.
Já nos oceanos, desde maio a temperatura da superfície do mar está bem acima da observada anteriormente para esta época do ano. De fato, cada dia aparece um relato diferente sobre isso. Nesta terça-feira ganhou as redes sociais e os sites de notícias a informação de que o mar na Flórida passou de 38 ºC – praticamente uma banheira de hidromassagem.
A OMM e o Copernicus apontam ainda que a temperatura média do planeta já excedeu em julho, ao menos temporariamente, o limiar de 1,5 °C acima dos níveis antes da Revolução Industrial (média do período entre 1850 e 1900). Ou seja, na média, o aquecimento global, mesmo que só por alguns dias, já superou o limite estabelecido como o mais seguro pela ciência para a humanidade.
Caso o leitor não se lembre, reforço aqui. Essa é a meta desejada do Acordo de Paris como o limite de aquecimento global que deveria ser almejado por todos os países. Em 2015, quase 200 países decidiram em Paris trabalhar para conter o aquecimento bem abaixo de 2 ºC, com esforços para ficar em 1,5 ºC, em relação à temperatura do período pré-industrial.
Para isso, as nações concordaram em agir para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa – gases como o CO2, que aprisionam o calor na Terra e fazem com que ela aqueça –, de modo a conter esse aumento. Hoje se considera que o planeta já é cerca de 1,1 ºC mais quente do que era antes da Revolução Industrial.
O último relatório do painel científico da ONU, o IPCC, estimou que o 1,5 ºC já pode ser atingido na próxima década. Ou seja, ter passado por alguns dias desse limiar agora em julho não significa que ele foi permanentemente excedido, mas traz um alerta de que estamos andando rápido nessa direção, visto que as emissões globais continuam em alta.
No comunicado divulgado à imprensa, Carlo Buontempo, diretor do Copernicus, disse que é muito improvável que o recorde de julho seja algo isolado neste ano. Já se estima que 2023 também pode ser o mais quente, superando 2016.
“O clima extremo que afetou milhões de pessoas em julho é, infelizmente, a dura realidade da mudança climática e uma amostra do futuro”, complementou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas. “A necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa é mais urgente do que nunca. A ação climática não é um luxo, mas uma obrigação”, disse.
Na terça-feira, um outro estudo confirmou que as ondas de calor que vêm sendo sentidas no hemisfério norte neste mês, com temperaturas passando dos 40 ºC facilmente, seriam “virtualmente impossíveis sem a mudança climática”. A análise é do grupo WWA (World Weather Attribution), que investiga justamente quanto um determinado evento climático é só parte da variação natural do clima ou culpa das mudanças climáticas.
Resolvi voltar a este tema hoje não só por conta da divulgação dos dados, mas por uma inquietação que me acompanha há alguns dias. Na semana passada, quando compartilhamos a coluna no Instagram, uma leitora questionou o fato de eu dizer que esse é um assunto que deveria nos preocupar.
“Desculpe, mas eu me preocupar não faz a menor diferença sobre aqueles que produzem os efeitos negativos em larga escala contra o meio ambiente”, ponderou Patricia Bandeira de Melo. “Sinto que este tipo de postagem produz culpa em quem menos pode mudar as coisas. Saber o que acontece já sabemos: é hora de apontar responsáveis, responsabilizá-los e cobrar medidas globais de controle. São os grandes negócios de produção de carne, os grandes empreendimentos poluidores”, continuou.
Ela ainda disse que já fazia sua parte com o “saquinho de lixo” que carrega sempre para a reciclagem. “Meu filho cresceu com medo do que iria acontecer à natureza e isso não é justo com o cidadão médio comum. É preciso falar de quem gera isso em escala industrial, no capitalismo e propor mudanças neste campo. Como cidadão, só sofrer e ter pânico só nos adoece.”
Entendo e acolho o que a leitora diz. Não são poucos os relatos mundo afora de jovens sofrendo com as informações sobre o futuro que os aguarda. Isso ganhou até um nome: “ansiedade climática”. E concordo que a mudança não vai vir de ações individuais em pequena escala, mas de mudanças setoriais, estruturais, que virão do mercado e, muito provavelmente, da imposição de governos.
Também reconheço que o medo pode, por um lado, ser paralisante. E que as más notícias podem gerar um sentimento de que não há nada mais a ser feito. Tipo: já era, bora dar as mãos e irmos juntos para o fim do mundo. Há toda uma discussão entre jornalistas e comunicadores de clima sobre qual é a melhor estratégia para mobilizar. Há uma compreensão de que só fazer o alarme é pouco efetivo e que é preciso trazer as soluções, mostrar que ainda é possível agir. Concordo com tudo isso.
Mas tendo a pensar no outro lado do medo, no lado que impulsiona a lutar. Não acho, sinceramente, que somos os que “menos podem mudar as coisas”, como disse Patricia. Isso vai ser verdade se acreditarmos nisso. Não quero soar muito poliana aqui, mas, na real, quem tem mais poder, em última instância, do que o eleitor? Do que o consumidor? As decisões terão de vir de cima, mas a pressão está nas mãos de todos nós.