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Ações judiciais apontam que políticos são um em cada cinco desinformadores

Reportagem
8 de agosto de 2023
04:00
Este artigo tem mais de 1 ano

A cada cinco propagadores de notícias falsas no Brasil, um pertence à classe política. O PL, partido ao qual o ex-presidente Jair Bolsonaro é filiado, abriga quase metade dos políticos identificados. 

É o que aponta um levantamento exclusivo feito pelo UOL nos últimos cinco meses a partir de decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do relatório final da CPI da Covid, enviado à Suprema Corte contemplando o período de janeiro de 2020 a janeiro de 2023. Foram listados, ao menos, 480 ações e inquéritos. 

A pesquisa foi realizada no âmbito da investigação “Mercenários Digitais” – que busca rastrear o negócio da desinformação na América Latina. O projeto é feito em uma aliança entre o UOL, a Agência Pública, outros 21 veículos latino-americanos e quatro organizações especializadas em investigação digital, sob a liderança do Centro Latinoamericano de Investigação Jornalística (Clip).

Foram contabilizados 314 disseminadores de desinformação, sendo 270 pessoas físicas e 44 pessoas jurídicas e órgãos do governo. Nessas decisões, constam sanções que incluem cassação de mandato, ordem de busca e apreensão, retirada de conteúdo falso das redes sociais, bloqueio de contas bancárias e de perfis, além de desmonetização de canais no YouTube e multas.

A lista tem 70 políticos, 37 empresas privadas, 32 empresários, 21 integrantes ou que fizeram parte da administração pública, oito empresas públicas ou órgãos do governo, dois partidos e dois movimentos políticos. Há ainda 142 pessoas, que vão desde juízes a influenciadores digitais e jornalistas como Alexandre Garcia, Alessandro Loiola, Rodrigo Constantino e Guilherme Fiúza. 

A conta pode ser muito maior: o STF já aceitou denúncia contra 1.051 pessoas acusadas de autoria intelectual dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, o que inclui instigá-los por meio das redes sociais. O inquérito corre em sigilo e, portanto, não é possível identificar os motivos pelos quais cada um está sendo investigado.

49% dos políticos são do PL

O Partido Liberal, que incorporou grande parte dos congressistas ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, é a sigla com mais políticos alvejados e investigados pelas duas Cortes. Tem 34 dos 70 que fazem parte do levantamento. 

Bolsonaro, por exemplo, recebeu multas no valor de R$ 30 mil e R$ 5.000 por espalhar notícias falsas na internet, como a que ligava o presidente Lula ao PCC (Primeiro Comando da Capital) ou a que afirmava que o chefe dessa facção criminosa, Marcos Willians Camacho, o Marcola, votaria no petista

Jair Bolsonaro também foi punido pelo TSE, em junho de 2023, por questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas e se tornou inelegível por oito anos. O processo foi iniciado por uma reunião com embaixadores no Palácio do Planalto onde ele questionou a credibilidade do sistema eleitoral sem provas. Além disso, ele também é investigado por ataques aos ministros do STF.

Já os filhos dele, Carlos, Eduardo e Flávio, também tiveram conteúdo removido. Carlos e Flávio Bolsonaro compartilharam postagens que afirmavam que Lula bebia álcool antes de atos de campanha, por exemplo, sem provas. Flávio e Eduardo também foram multados em R$ 30 mil por compartilhar conteúdo que associava o presidente a drogas e ao aborto

Além do clã Bolsonaro, ex-integrantes do governo anterior que usaram a popularidade do cargo para se eleger ao Congresso pelo PL também figuram na lista, como a senadora e ex-ministra Damares Alves, o ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem, além de outros ex-ministros como Mário Frias, Ricardo Salles e Eduardo Pazuello. Há também antigos aliados do ex-presidente: Carla Zambelli, Bia Kicis, Carlos Jordy e Filipe Barros. 

Os outros políticos penalizados fazem parte do Republicanos (6), PTB (5), PT (4), União Brasil (4), Podemos (3), MDB (3), Progressistas (2), Democracia Cristã (2). Avante, Novo, PCdoB, PSB, PSD e PSC aparecem com um nome cada um.

Lula é o principal alvo de desinformação na internet

Nos últimos quatro anos, o presidente Lula foi o maior foco de desinformação nas redes sociais. O petista foi atacado por 112 pessoas e empresas, de acordo com levantamento exclusivo do UOL, que considerou decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do relatório final da CPI da Covid (2021). 

O presidente recebeu ataques de páginas como Brasil Paralelo, Jovem Pan e Folha Política, além de famosos como Milton Neves e Latino. 

O cantor Latino, por exemplo, compartilhou um vídeo manipulado em que Lula teria dito que pessoas presentes em ato do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) seriam “vagabundos e traficantes”. Latino também publicou nas redes sociais a informação falsa de que Lula defendia a instalação de banheiros unissex nas escolas como proposta de seu governo. As postagens foram derrubadas pelo TSE. 

O STF e seus ministros também estiveram na mira dos propagadores de fake news. Ao todo, 46 pessoas foram penalizadas ou são investigadas por atacar a Corte. Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Edson Fachin foram vítimas citadas nominalmente.

Um dos punidos é Roberto Jefferson, preso por divulgar notícias falsas sobre as eleições e contra a ministra Cármen Lúcia, além de atirar em policiais federais que cumpriram mandado de busca e apreensão na casa do político.

Jair Bolsonaro também foi alvo de 14 pessoas. A lista de punidos por desinformação contra o ex-presidente inclui Lula, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, o deputado federal André Janones (Avante-MG) e o PT. Tebet, por exemplo, foi obrigada pelo TSE a retirar uma publicação em que afirmava que Jair Bolsonaro cometeu crime de pedofilia quando ele disse que “pintou um clima” com meninas venezuelanas. Já Janones teve de remover postagem em que culpava falsamente o PL pela suspensão do piso salarial nacional dos enfermeiros.

Em uma das postagens retiradas do ar, Lula afirmava que Jair Bolsonaro reduziria o salário mínimo caso fosse reeleito. O presidente chegou a chamar a proposta de “irresponsabilidade”. No dia 19 de outubro, a Folha de São Paulo apurou que a equipe do ex-ministro Paulo Guedes estudava a desindexação do salário mínimo. A correção pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior garante, ao menos, a reposição da perda pelo aumento de preços entre famílias com renda de até cinco salários mínimos. 

O trecho da proposta estudada pela equipe econômica de Guedes, obtido pela Folha, afirmava que “o salário mínimo deixa de ser vinculado à inflação passada” e abria a possibilidade de uma correção abaixo da inflação. Após repercussão negativa, o ministro negou mudar a correção e classificou o caso como “fake news” e “manipulação política”.

Esta reportagem pertence ao Especial Mercenários Digitais, que revela empresas de marketing político ligadas à extrema direita. Mercenários Digitais é uma colaboração transnacional que reúne vários veículos da América Latina liderados pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP).

*Naomi Matsui e Gabriela Varella (colaboração para o UOL)

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