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O secretário de Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas, Guilherme Derrite, chamou de “narrativas” as denúncias de execução e violência policial feitas por moradores atingidos pela operação vingança no Guarujá – depois estendida para a Baixada Santista e o litoral norte do estado.
Foi essa sua resposta à deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), precedida de um preâmbulo revelador: “Achei que a senhora, como mulher, ia defender a policial que tomou tiros de fuzil pelas costas do crime organizado”, disse a Sâmia, que o inquiria como parlamentar.
Guilherme Derrite, um ex-PM que chegou a ser afastado da Rota – a mais violenta força policial do estado – por excesso de homicídios, deixou evidente a motivação vingativa da Operação Escudo, que até o momento já matou 16 pessoas sob dois pretextos: o primeiro, “investigar” e “prender” os responsáveis pela morte de um policial, também da Rota; o segundo, convenientemente adicionado depois, combater o crime organizado. Cobrar o comportamento legal de agentes do Estado, pagos para exercer suas funções como funcionários públicos, e não para também agir como bandidos, não tem nada a ver com ser homem ou mulher.
Mas, na cartilha de Derrite, o papel da polícia é “tocar o terror”, prática conhecida por pretos pobres do Rio, da Bahia, de São Paulo e de onde mais houver favelas e o jogo de arreglos e acertos entre policiais e facções. Quando se reúnem mais de 600 homens armados para supostamente encontrar o assassino de um policial, não há como esperar inteligência ou eficácia. A chacina era o resultado esperado da operação planejada, patrocinada e aplaudida pelo governo Tarcísio de Freitas.
Os PMs chegaram à favela prometendo matar 60 moradores, invadindo casas de família com homens encapuzados de fuzis na mão, xingando, espancando, arrastando gente de dentro de casa para ser morta ou torturada. Gente como Felipe do Nascimento, 22 anos, garçom na praia, funcionário pontual e responsável, segundo os patrões, que foi assassinado pela polícia quando saía de casa para fazer compras. A mulher ouviu os tiros que mataram o marido quando ela estava ao lado dos filhos pequenos.
Qualquer tipo de tolerância com o uso de uma força policial do Estado para vingar a morte de um homem significa abraçar a barbárie. Travestir a chacina de combate ao crime organizado é tarefa das “narrativas” do capitão Derrite e do governador Tarcísio, que conseguiu a proeza de ser retratado como “moderado” pela imprensa que conhece sua adesão ao projeto de extrema direita do ex-presidente Jair Bolsonaro. É hora de rasgar a fantasia, sob risco de mais uma vez ser complacente com assassinatos e vendetas. A chacina do Guarujá tem nome, sobrenome e antecedentes: Guilherme Derrite e Tarcísio de Freitas são os responsáveis.
Aliás, não vamos esquecer que o machismo de homens como Derrite também mata. O mesmo estado de São Paulo que elegeu Tarcísio é campeão em número feminicídios segundo a 17a edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Foram 195 casos em 2022, alta de 43,3% em relação a 2021, comparada a uma alta nacional de 6,6%. Não é à toa que mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) teve que rejeitar a validade da tese da legítima defesa da honra – a desculpa número 1 dos feminicidas. Que o mesmo seja feito em relação aos excludentes de ilicitude, sejam eles oficiais ou forjados.
Quem mata merece julgamento legal e cadeia. É o que diz a lei.