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Com o retorno do recesso esta semana, o Congresso deve voltar a discutir temas que podem mudar nosso futuro – entre elas, a aprovação do PL 2.630, o PL das Fake News, que visa regular as plataformas de redes sociais, buscas e serviços de mensageria. Quem acompanha a minha newsletter Xeque na Democracia sabe que eu virei até lobista pela aprovação do PL, discutindo em especial o pagamento à imprensa pelas Big Techs, quando fui presidente da Associação de Jornalismo Digital (Ajor). Deixei o cargo em junho, portanto agora sou apenas uma observadora que considera essa a discussão mais crucial da nossa geração. As Big Techs têm que ser reguladas, e de preferência no mundo todo.
Aqui no Brasil, ninguém sabe como será a legislação, afinal, e nem se ela vai passar. Vocês se lembram de que o Google fez uma chantagem em escala nacional ao usar sua homepage de buscas para tocar o terror nos usuários, afirmando que o PL iria “piorar a sua internet” ou “deixar mais difícil saber o que é verdade e o que é mentira”, além de ter sido apontado pelo Netlab da UFRJ como tendo manipulado suas buscas para favorecer os bolsonaristas, que chamavam o PL de “censura”? O Telegram apenas seguiu os passos do Google ao mandar mensagens para todos os usuários dizendo que o PL representava um “risco à democracia”.
O Google nega a manipulação e defende o uso de editorial na capa – embora negue ser um veículo de mídia. Recentemente, a empresa resolveu mais uma vez jogar pesado e contratou o cacique do MDB, Michel Temer (sim, o presidente mais impopular da história do Brasil), para ajudar a negociar a regulação junto aos seus coleguinhas do Congresso.
Lula e Arthur Lira querem a regulação. Os bolsonaristas e as Big Techs não.
Enquanto o Brasil deu uma pausa nessa discussão, as coisas avançaram no cenário mundial. Primeiro, o Congresso canadense aprovou no final de junho a lei Online News Act, que obriga as Big Techs a pagar compensação pelo uso de conteúdo noticioso. Em resposta, o Google e o Facebook decidiram retirar todas as notícias das suas plataformas; então, num retruco, o governo canadense resolveu cancelar todos os anúncios governamentais da plataforma. Na África do Sul, um acordo está sendo costurado entre as maiores redações e as plataformas, que se adiantaram para fechar resoluções e evitar uma regulação.
Outro país em que as conversas avançaram foi na Indonésia, onde o presidente afirmou que iria regular as plataformas via decreto, possivelmente até o final de agosto. Não é nem de longe o melhor modelo, mas grande parte dos jornais ficou satisfeita porque é uma maneira de eles serem recompensados pelo uso de seu conteúdo pelas plataformas – isso é indiferente se você está num país democrático ou não.
Segundo Agus Sudibyo, ex-presidente de relações institucionais do Indonesian Press Council, foi este conselho que teve a iniciativa de elaborar uma proposta de lei para o pagamento pelas plataformas. Mas foi surpreendido por um forte lobby. Segundo ele, assim como no Canadá e na Austrália, essas corporações ameaçaram retirar todo o conteúdo noticioso de suas plataformas. “E, assim como aconteceu no Canadá, eles fizeram lobby junto ao governo da Indonésia para fazer algumas mudanças na legislação e enfraquecer a posição da imprensa”, disse Sudibyo durante o congresso Big Tech and Journalism, que ocorreu no começo do mês na África do Sul. “Eles procuraram também alguns jornais locais e ofereceram várias formas de “cooperação”, uma compensação se eles rejeitassem a legislação”.
Ele diz que Google e Facebook controlam cerca de 80% da distribuição de notícias naquele país, assim como 70% de toda a verba de publicidade online.
Existem processos diferentes para cada país. Mas as empresas de tecnologia, por sua vez, utilizam o mesmo discurso em todo o mundo, acusando de “censura” ou “autoritarismo” quem quer que elas prestem contas e paguem pelo conteúdo que usam. É um discurso made in America, aquele país que acredita que o resto do mundo realmente acha a sua caótica democracia um modelo global. Não cola mais.
Prova é que a Unesco recomendou a regulação das plataformas e promoveu uma Conferência Global em fevereiro para discutir um esboço de diretrizes de regulamentação das plataformas digitais. O documento de 30 páginas sugere, por exemplo, que a regulação deva se concentrar nos sistemas e processos utilizados pelas plataformas, em vez de focar no julgamento dos conteúdos individuais. Além disso, propõe a implementação da corregulação, em que o Estado estabelece normas gerais de regulação, que coexistem em paralelo com as normas adotadas pelas próprias plataformas.
Agora, na última semana, houve outro avanço do debate mundial, quando um grupo de acadêmicos, jornalistas e diretores de mídia lançou um manifesto a favor da remuneração ao jornalismo por plataformas.
Entre os princípios defendidos pelos signatários – que incluem nomes como o economista Joseph Stiglitz e a professora de Columbia Anya Schiffrin, idealizadora da iniciativa –, estão a igualdade de critérios para todos os veículos, a transparência sobre os acordos e a necessidade de garantir pluralidade e apoio a veículos pequenos e médios.
O documento foi elaborado naquele mesmo congresso na África do Sul e conta com assinaturas de pessoas e instituições de dezenas de países – do Senegal à Nigéria, do Reino Unido ao Mali. Aqui no Brasil, ele é assinado por esta ex-lobista que vos escreve, além da própria Ajor e do Instituto Vladimir Herzog.
Alguns dos defensores mais aguerridos da proposta foram, para minha surpresa, aqueles que menos se beneficiarão: os pequenos veículos da Austrália, que já conseguiram não só passar a lei como assinar contratos de financiamento com as Big Techs. Nelson Yap, dono de um site sobre assuntos imobiliários, me contou como ele e outros diretores de pequenos veículos tiveram que formar uma associação para serem recebidos pelas plataformas. “Antes eles nem respondiam a nossos emails.” Mesmo assim, ele diz que a lei beneficiou, sim, os pequenos sites, ao contrário do que alegam as plataformas pelo mundo afora – inclusive aqui no Brasil. Por isso, tem viajado para congressos para combater o que ele chama de “fake news” da indústria tecnológica. Seu site, por exemplo, conseguiu aumentar a equipe de dois para seis funcionários.
“Não acredite neles”, disse. “Os veículos menores precisam se organizar para garantir que todos vão conseguir uma compensação justa.”