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Zerar desmatamento, sim, mas desistir de petróleo, aí não

Com desmatamento em queda, Lula quer na Cúpula da Amazônia meta para todos os países, mas ainda sonha em explorar óleo

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3 de agosto de 2023
14:00

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Na véspera do início da Cúpula da Amazônia, que será realizada a partir desta sexta-feira, em Belém, o governo brasileiro enviou na manhã desta quinta-feira, 3, sinais trocados em relação aos esforços do país no combate às mudanças climáticas. Por um lado, o Ministério do Meio Ambiente anunciou uma queda impressionante no desmatamento da Amazônia nos primeiros sete meses do ano. Por outro, o presidente Lula indicou que ainda não desistiu de explorar petróleo na Foz do Amazonas.

É no desmatamento da Amazônia em que se origina a maior parte das emissões brasileiras de gases de efeito estufa – os responsáveis pelo aquecimento global. Mas é na queima de combustíveis fósseis, como o petróleo, que está a maior fatia das emissões mundiais. De fato, a maior contribuição que o Brasil tem a dar hoje para ajudar a conter o problema é zerar o desmatamento. Mas extrair mais petróleo pode, no mínimo, azedar o impacto desses esforços.

O Ministério do Meio Ambiente anunciou no fim da manhã os dados dos alertas de desmatamento detectados pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em julho na Amazônia. O mês marca o fim do calendário de desmatamento anual da região – sempre contabilizado de 1º de agosto de um ano a 31 de julho do ano seguinte. 

O dado oficial de quanto foi desmatado no período só será fornecido no fim do ano por outro sistema do Inpe, o Prodes, mas o Deter, que fornece alertas quase em tempo real para orientar a fiscalização em campo, já dá uma boa ideia do que está acontecendo. E observar o consolidado anual ajuda a entender, mês a mês, a diferença entre os governos Bolsonaro e Lula.

Na somatória desses 12 meses (7.952 km2), a queda foi de 7,42% na comparação com o mesmo período anterior (de agosto de 2021 e julho de 2022). É uma perda ainda acima da média observada pelo Deter entre 2016 e 2022, que foi de 6.860 km2, mas uma inversão da curva em relação ao que vinha sendo observado desde 2019.

E isso só aconteceu porque virou a chavinha em 1º de janeiro. Enquanto nos últimos meses do ano passado, entre agosto e dezembro, houve um aumento de 54% nos alertas registrados pelo Deter, entre janeiro e julho, a queda foi de 42,5%. 

Os alertas dos primeiros sete meses do ano somaram 3.149 km2, a quantidade mais baixa desde 2018. Ou seja, o desmatamento, ao menos nesse começo do 3º mandato de Lula, retoma para valores pré-Bolsonaro. 

Apenas o mês de julho teve uma redução de 66% em relação a julho de 2022, um recorde de queda, de acordo com o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. Foi o segundo menor valor da série histórica do sistema Deter, do Inpe, iniciada em 2015. 

“Porque esse dado é absolutamente importante? Porque julho é o pior mês na Amazônia em termos de desmatamento. Julho é o mês da seca mais intensa, mais propício para as atividades de exploração. Toda operação de campo é favorecida pelo clima sem chuva. E sempre esse número é maior”, disse Capobianco durante entrevista coletiva para divulgação dos dados.

Para comparação, no primeiro julho sob Bolsonaro, em 2019, os alertas bateram 2.255 km2, o maior valor do registro histórico. Nos três anos seguintes, ficaram acima de 1.400 km2. No mês passado, os alertas atingiram uma área de 500 km2. A queda é prova não só da efetividade das ações de campo do Ibama, como da importância para a região dos sinais que vêm do governo federal. 

Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, resumiu bem. “A Amazônia vive de expectativa. Quando você tinha o governo federal defendendo grileiro, chamando madeireiro ilegal de cidadão de bem e atacando indígena, o sinal da ponta era de que toda a destruição seria premiada. Agora o crime entendeu que o cenário mudou e que infratores serão apanhados e punidos. Isso impacta diretamente o desmatamento”, disse em nota à imprensa.

“A estrutura do Ibama não mudou, a legislação não mudou, ninguém inventou nenhuma ferramenta nova. A única coisa que mudou foi a determinação de cumprir a lei”, complementou.

Todos esses números positivos devem ser levados por Lula para a Cúpula da Amazônia, que vai reunir nos dias 8 e 9 presidentes de todos os países também cobertos pelo bioma, durante encontro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). 

O presidente já sinalizou que gostaria de chegar a uma meta conjunta entre os nove países para todos zerarem o desmatamento da floresta até 2030. Há uma expectativa de que o documento final do encontro venha com algum compromisso nesse sentido, assim como deve trazer esforços conjuntos para o combate a outros crimes transfronteiriços, como o narcotráfico. 

Lula quer, com isso, ganhar uma força de bloco para levar às negociações climáticas globais que acontecerão no fim do ano nos Emirados Árabes. Espera mostrar uma liderança no combate ao aquecimento global.

Mas ele não parece estar levando muito em conta a parcela energética do problema. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, propôs que na cúpula todos também se comprometessem a não levar adiante novos projetos de exploração de petróleo na Amazônia. O tema ainda estará sendo discutido durante o encontro, mas não há grandes expectativas de que esse seja um resultado da cúpula. Lula desconversou sobre isso quando foi instado por Petro em reunião em Letícia, na Colômbia, no início de julho.

Nesta quinta, em entrevista a jornalistas dos Estados amazônicos, Lula sinalizou que ainda gostaria, sim, de explorar petróleo na Foz do Amazonas. Ao ser questionado por um jornalista do Amapá se o Estado ainda poderia “continuar sonhando com o petróleo, jorrando progresso”, Lula respondeu: “Vocês podem continuar sonhando e eu também quero continuar sonhando.”

Em maio, o Ibama negou o pedido de licença da Petrobras para fazer pesquisas exploratórias na Foz do Amazonas, por concluir que havia uma série de inconsistências técnicas no processo. A empresa recorreu, e vem ocorrendo uma forte pressão do setor energético do país e de políticos, principalmente do Amapá e do Pará, para que a decisão seja revertida.

Lula acenou para a plateia. “Houve um estudo do Ibama que disse que não era possível, mas não é definitivo. Porque eles apontam falhas técnicas que a Petrobras tem o direito de corrigir. Nós estamos discutindo isso. Primeiro nós temos que pesquisar, nós temos que saber se tem aquilo que a gente pensa que tem [petróleo na região]. E quando a gente achar, a gente vai tomar uma decisão do estado brasileiro: o que a gente vai fazer, como é que a gente pode explorar, como é que a gente vai evitar que um desastre qualquer possa prejudicar a nossa querida margem, sabe?”

Lula disse ainda que, se houver a exploração, vai ser feita com “todo o cuidado”. Ele se referia a possíveis danos ambientais e sociais da operação. Mas não falou nada sobre as emissões de gases de efeito estufa que virão ao colocar mais petróleo para ser queimado no mundo.

Curiosamente, na terça-feira, 1, o Itamaraty também concedeu uma entrevista coletiva para falar sobre como deve ser a cúpula e sobre as intersecções dela com a Conferência do Clima da ONU. Em um dado momento, o embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente, frisou qual é o papel do Brasil nesse jogo geopolítico. 

“A questão de florestas é extraordinariamente importante para os nossos países [os membros da OTCA]. No caso do Brasil, as emissões de desmatamento são as piores que nós temos sobre todos os pontos de vista e nós temos que mostrar para o mundo que nós temos plena consciência do quanto nós temos que combater esse enorme problema”, disse. 

“Mas também lembrar que no contexto da mudança do clima como um todo, florestas não são a questão chave. Em mudança do clima, questão chave é energia, energia, energia e energia”, complementou. Pois é.

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