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Os limites da vida privada dos homens públicos

A conduta de um político fala por si só; por isso, a tentativa de calar a imprensa quando fatos negativos vêm à tona

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23 de setembro de 2023
06:00

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Uma das alegações mais usadas por políticos, empresários e poderosos em geral para silenciar notícias negativas é dizer que elas se referem à sua vida pessoal ou atingem sua honra. Sob essa justificativa, há documentos sobre a ditadura em sigilo até hoje – e, mais recentemente, sobre a família Bolsonaro –, valendo-se de uma das exceções da Lei de Acesso à Informação (LAI). O mesmo argumento é utilizado em ações judiciais contra jornalistas e veículos de imprensa, mesmo quando os fatos investigados têm interesse para o conjunto da sociedade. 

Não que autoridades não mereçam privacidade nem possam se defender se se sentem injustiçadas pela imprensa, que tem a responsabilidade de se guiar pelo interesse público,  apurar criteriosamente os fatos, incluir as informações que o favorecem e, claro, tentar ouvir o alvo das denúncias. Mas, se um político se comporta de forma racista, ainda que privadamente, ou comete atos de violência contra familiares, é evidente que isso se reflete na vida pública. 

Se determinado político diz que “defende a família”, que “combate a corrupção” e respeita os preceitos éticos e legais, como é o seu dever, e a imprensa tem acesso a informações, documentos ou relatos de acusações de racismo, agressão e abandono de familiares ou desvio de verbas, é não apenas direito mas dever da imprensa investigar rigorosamente as denúncias e publicá-las. Atos privados de violência praticados por homens públicos têm grande impacto para a sociedade. 

Claro que a autoridade em questão tem todo direito a recorrer à Justiça. O que não pode é pleitear censura à imprensa, tentando impedir que a informação circule, exigindo que reportagens não sejam publicadas ou sejam retiradas do ar, mesmo quando realizadas com critério técnico e ética profissional, sem outra intenção que não o interesse público. 

Nesta semana, pela primeira vez em 12 anos de história, a Agência Pública foi obrigada a retirar do ar uma reportagem publicada. Também foi impedida de retomar o tema em novas publicações, pelo menos até nova decisão judicial; por isso, esta newsletter é mais curta do que de costume. A censura foi imposta por um desembargador em resposta a um pedido do deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, a uma reportagem que trazia novas denúncias de sua ex-mulher sobre violências sofridas em sua casa.

Uma decisão que vai contra a liberdade de imprensa e o direito à informação, repudiada por organizações de jornalismo e direitos humanos. A Pública recebeu o apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), da Federação Nacional de Jornalismo (Fenaj) e de mais seis entidades. Também vai, obviamente, recorrer contra da decisão; o próprio desembargador que acatou o pedido de Lira reconheceu que a violência doméstica no Brasil é grave e que a imprensa tem o dever de informar a população. 

Não podemos ser punidas pelo exercício criterioso de nosso dever profissional nem aceitar censura em um país que acaba de derrotar um golpe contra a democracia, como reforça a delação do tenente-coronel Mauro Cid, também divulgada nesta semana. 

Vamos lutar até o fim pelo nosso direito de informar e pelo direito de a sociedade saber como agem os homens públicos que comandam o país.

Precisamos te contar uma coisa: Investigar uma reportagem como essa dá muito trabalho e custa caro. Temos que contratar repórteres, editores, fotógrafos, ilustradores, profissionais de redes sociais, advogados… e muitas vezes nossa equipe passa meses mergulhada em uma mesma história para documentar crimes ou abusos de poder e te informar sobre eles. 

Agora, pense bem: quanto vale saber as coisas que a Pública revela? Alguma reportagem nossa já te revoltou? É fundamental que a gente continue denunciando o que está errado em nosso país? 

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