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Escrevo esta newsletter diretamente de Dubai, onde ocorre desde a semana passada a 28ª Conferência do Clima, a COP28. Minha colega Anna Beatriz Anjos já vinha acompanhando a cúpula in loco desde o primeiro dia, e agora eu vim reforçar a cobertura para a segunda semana de negociações, quando os diplomatas precisam acertar os ponteiros, resolver diferenças e começar a chegar a consensos.
Logo de cara, duas coisas chamam atenção. Nos Emirados Árabes, petróleo é mais barato que água. 1 litro de combustível custa em torno de 2,5 dirhams, a moeda local. Meio litro de água pode sair por até 10 dirhams, contou um guia turístico com quem conversei.
A cidade tem uma espécie de névoa, uma camada de poluição resultante do chamado flaring, que é a queima de gases residuais durante a perfuração de petróleo, o que torna o ar superpoluído e perigoso. O elefante na sala se faz gritante.
Um dos focos principais da etapa final da COP é fechar o chamado Global Stocktake (GST). O GST é o balanço global dos avanços que foram feitos (ou não) desde que o mundo, em 2015, se comprometeu, pelo Acordo de Paris, a fazer esforços para conter o aquecimento global. Como você já viu aqui na Agência Pública, os progressos foram poucos e as condições climáticas só pioraram nesses últimos oito anos.
Agora, além de identificar o que ficou faltando nesse período, os países precisam apontar os caminhos para preencher essas lacunas e colocar o mundo nos trilhos para evitar que a temperatura do planeta suba mais de 1,5 ºC na comparação com o período pré-industrial. E um elemento-chave para isso – uma sinalização para o abandono dos combustíveis fósseis – deve ser um dos debates mais quentes, com o perdão do trocadilho, para esta semana.
Um rascunho do GST foi divulgado na terça-feira (5), trazendo algumas propostas para a eliminação dos fósseis, mas com as mais amplas variações de teor e de ousadia. Com certeza haverá um intenso debate nos próximos dias sobre qual versão – se é que alguma – vai de fato ser adotada no texto final. A Arábia Saudita já disse que não vai aceitar nenhum tipo de menção ao abandono dos combustíveis fósseis.
É difícil, porém, imaginar como isso pode evoluir, neste momento, tendo em vista alguns sinais desse início da que foi apelidada como COP do petróleo. Como já dissemos aqui, e não custa reforçar, estamos nos Emirados Árabes, um dos maiores produtores de óleo do mundo. O presidente da COP, Sultan al-Jaber, é CEO da Adnoc, a maior companhia petrolífera do país.
Logo no começo da semana, veio à tona uma declaração que ele deu em novembro. Na sua opinião, “não há ciência” que indique que seja necessária uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis para restringir o aquecimento global a 1,5 ºC, como revelado pelo jornal The Guardian. Ele disse também que a mudança não levaria a um desenvolvimento sustentável, “a não ser que se queira levar o mundo de volta para as cavernas”.
A frase – assim como a revelação da BBC, na semana anterior, de que Al-Jaber queria aproveitar a COP para fazer negócios de óleo e gás – caiu muito mal na conferência, que tem como um dos seus pilares se basear no melhor que a ciência já demonstrou sobre as mudanças climáticas para tomar suas decisões.
Uma das conclusões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, que é o principal corpo científico a se debruçar sobre o tema, é que o mundo só vai ter alguma chance de manter o aumento da temperatura em 1,5 ºC se as emissões de gases de efeito estufa caírem 43% até o fim desta década, sendo neutralizadas na metade do século. Considerando que a queima dos combustíveis fósseis é a principal fonte de emissões, a ciência é bem clara, sr. Al Jaber.
Ato contínuo à divulgação da fala dele, foi divulgado um relatório que, assinado por mais de 200 cientistas, frisou que a humanidade está em uma “trajetória desastrosa”. “O documento destaca que a urgente eliminação do uso de combustíveis fósseis e a correspondente adoção de soluções capazes de zerar o balanço de carbono de origem antrópica são cruciais para o futuro de bilhões de pessoas”, escreveu o colega José Tadeu Arantes, para a Agência Fapesp, sobre o estudo.
No evento de lançamento em Dubai, o pesquisador sueco Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre Impacto Climático e um dos autores do relatório, fez questão de reforçar: “Em última análise, não existe outro caminho senão a eliminação total de todos os combustíveis fósseis”.
Rockström conversou com meu colega Gabriel Gama há alguns meses e já tinha dado o tom da encrenca: “Estamos batendo muito forte no planeta com as mudanças climáticas, a queima de combustíveis fósseis e o aquecimento global. Se ele não estiver saudável, vai colapsar. Infelizmente, por estarmos quebrando os limites planetários, a Terra está muito fraca ao receber essas pancadas”. Recomendo muito a leitura.
Mas, enquanto os cientistas quase se descabelavam diante da declaração do presidente da COP, era revelado que estão circulando nos corredores da conferência, tentando influenciar as negociações, a bagatela de pelo menos 2.456 lobistas dos combustíveis fósseis.
O levantamento foi feito por uma coalizão de organizações chamada Kick Big Polluters Out, que aponta que neste ano há quase quatro vezes mais lobistas do que os que estavam presentes na COP do ano passado, em Sharm el-Sheikh, no Egito. Não estão, obviamente, a passeio, visto que é o negócio deles que está na linha de fogo. Perdão, de novo, pelo trocadilho. O fuso horário está aqui destruindo o meu raciocínio menos engraçadinho.
Agora, é claro que essa pressão não é exclusividade dos países árabes. O Brasil foi também protagonista dessas contradições já no início da COP.
Um dia antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar, diante de outros chefes de Estado e de governo, que “é hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, comunicava que o país estava se unindo ao grupo Opep+, uma extensão da Opep, o cartel dos maiores produtores de petróleo no mundo.
O fato foi confirmado depois por Lula, o que motivou um grupo de ONGs a conceder o nada honroso prêmio de “Fóssil do Dia” ao Brasil. Silveira não se fez de rogado e disse à Deutsche Welle que o anúncio da entrada do Brasil à Opep+ não causou mal-estar nenhum nas negociações e que o petróleo deve ser fonte de riqueza.
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que também está na COP, fez questão de repetir que acredita que a empresa será uma das últimas do mundo a deixar de explorar petróleo, como nos contou Anna Beatriz Anjos.
É o samba da transição energética doida. A noção do que ela significa parece estar meio confusa para esse pessoal. Um dia antes de conversar com a Pública, Prates compartilhou em sua conta no X/Twitter um vídeo do secretário-geral da ONU, António Guterres, cobrando, no plenário da COP, as empresas de combustíveis fósseis:
“A indústria de óleo e gás responde por apenas 1% dos investimentos em energia limpa. Então permitam-me enviar uma mensagem para os líderes das empresas de combustíveis fósseis: Seu antigo papel está rapidamente envelhecendo. Não dupliquem um modelo de negócios obsoleto. Liderem a transição para as energias renováveis usando os recursos que vocês têm disponíveis. Não se enganem. O caminho para a sustentabilidade climática também é o único caminho viável para uma sustentabilidade econômica das suas empresas no futuro”, afirmou o português.
Junto ao vídeo, Prates comentou: “E é esse processo que estamos liderando em nossa @Petrobras. Do Brasil para o mundo”.
É mesmo, sr. Prates?
Ah, sim, antes que eu me esqueça. Um dia depois do término da COP, vai ser realizado no Brasil um novo leilão oferecendo 603 novos blocos de exploração de petróleo e gás, o que foi classificado pelo Instituto Internacional Arayara como uma “bomba” de emissão de gases de efeito estufa. O potencial de emissões é da ordem de 1 bilhão de toneladas, conforme eles calcularam.
Aqui na Pública também fizemos um cálculo, com a ajuda do pessoal do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), que mostrou que, se for explorado todo o petróleo estimado na chamada Margem Equatorial (faixa litorânea que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte) – desejo de Prates, Silveira e companhia –, as emissões vão anular os ganhos obtidos com a redução do desmatamento da Amazônia.