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Forças Armadas foram caras e ineficientes no combate ao desmatamento

Estudo da UFMG revela que despesas triplicam e efetividade cai em operações militares contra desmatamento

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2 de fevereiro de 2024
06:00
Ouça Giovana Girardi

Giovana Girardi

2 de fevereiro de 2024 · Estudo da UFMG revela que despesas triplicam e efetividade cai em operações militares contra desmatamento

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As Forças Armadas costumam ser tema das colunas do meu colega Rubens Valente aqui na Agência Pública, mas hoje vou pedir licença a ele para entrar nessa seara porque críticas à inação de militares na Amazônia não estão restritas à crise Yanomami.

(Sobre isso, aliás, o material do Rubens é farto. Dá uma olhada nos cinco momentos de sabotagem às operações.)

Mas quero falar da relação ineficaz diante de outro crime ambiental – o desmatamento – há pouco tempo, no início da gestão de Jair Bolsonaro. No primeiro ano do governo, quando as taxas de desmatamento começaram a disparar em meio ao início do processo de desmonte das políticas ambientais, e as pressões internas e externas começaram a ganhar força, Bolsonaro resolveu mudar a estrutura de combate ao problema. 

O controle das operações de campo saiu do Ministério do Meio Ambiente, então comandado por Ricardo Salles, e passou ao ex-presidente Hamilton Mourão, que passou a presidir o Conselho Nacional da Amazônia. Foi decretada uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na região e os militares assumiram tarefas que, até então, ficavam na alçada do Ibama.

Um estudo publicado na semana passada por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na revista Scientific Reports revelou que o resultado dessa mudança foi muito gasto e praticamente nenhuma efetividade. Nem o corte raso da floresta nem as queimadas diminuíram durante as operações Verde Brasil e Verde Brasil 2, entre 2019 e 2020. Pelo contrário. 

Enquanto as despesas médias anuais mais que triplicaram nesse período (de US$ 21,1 milhões para US$ 67,4 milhões), a taxa de desmatamento cresceu 62% na comparação com a média anual observada entre 2009 e 2018, apontam os autores, liderados pelo pesquisador Felipe Nunes, do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG.

Olhando as taxas ano a ano, os alertas de desmatamento subiram 113%, em 2019, e 60%, em 2020, durante as operações Verde Brasil e Verde Brasil 2, do Exército, aponta o estudo. 

A extensão da área queimada em 2020 foi equivalente à de 2010, um ano de seca extrema, ao mesmo tempo que as operações de fiscalização chegaram aos mais baixos níveis históricos. Os autos de infração por crimes contra a flora (categoria em que se enquadra o desmatamento) caíram 65% em 2020, na comparação com a média do período de 2004 a 2018, o confisco e a destruição de equipamentos diminuíram 83% e os embargos, 87%.

Na comparação com os custos que eram empenhados pelo Ibama, a divergência fica ainda mais aparente. Entre 2004 e 2020, o total gasto com fiscalização do Ibama no Brasil foi de US$ 338 milhões. Já os custos das duas operações Verde Brasil totalizaram, em apenas dois anos, US$ 90,3 milhões – ou seja, os militares gastaram em dois anos cerca de um terço do valor total despendido pelo Ibama em 16 anos. “Tudo isto implica uma queda maciça na eficiência operacional da aplicação da lei sob a liderança militar”, escrevem os pesquisadores.

“Inegavelmente, as Forças Armadas podem desempenhar um papel importante na oferta de segurança e apoio logístico aos fiscais do Ibama e do ICMBio. No entanto, os nossos resultados indicam que a mudança na liderança operacional de agências ambientais especializadas para o pessoal militar não só não conseguiu atingir os seus objetivos, como também desperdiçou fundos públicos escassos”, ressalta o grupo.

O objetivo do trabalho era analisar as dinâmicas do combate ao desmatamento no Brasil ao longo de 20 anos e tentar entender o que fez uma política que foi bem-sucedida (a taxa havia caído 84% entre 2004 e 2012) ser revertida em poucos anos (subiu 60% entre 2019 e 2023) e o que precisa ser feito para combater o problema de modo definitivo.

Os resultados vêm a calhar em um momento em que o governo voltou a atuar no combate ao desmatamento – conseguindo uma queda de 50% nos alertas ao longo do ano passado, com a retomada da política ambiental no Brasil. Mas problemas históricos na estrutura da carreira dos servidores ambientais federais que vieram à tona recentemente revelam as dificuldades em manter essas atividades.

Desde o início do ano, funcionários do Ibama, do ICMBio, do Serviço Florestal e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima entraram em uma espécie de “operação padrão”. As ações de campo foram paralisadas, e eles estão apenas desempenhando atividades burocráticas, de escritório. Como resultado, as multas por desmatamento na Amazônia caíram 90% em janeiro, como mostramos em reportagem publicada nesta quarta-feira (31).

Para fazer essa apuração, minha colega Anna Beatriz Anjos e eu ouvimos diversos fiscais do Ibama a fim de entender o que está em jogo. Uma declaração dada pelo fiscal Roberto Cabral Borges, que durante os anos Bolsonaro, contra sua vontade, chegou a ser removido da Coordenação de Orientação e Fiscalização do Ibama, resume o imbróglio:

“O que percebemos é que não vamos conseguir cumprir nossa função com base no idealismo. A proteção contra o crime ambiental não pode depender disso. É preciso ter mais pessoas e que elas sejam remuneradas de forma adequada e queiram trabalhar porque têm as condições adequadas para isso. A gente não vai vencer a guerra só com ideologia. Se as pessoas não forem pagas e motivadas de forma adequada, não vamos ter uma proteção mais efetiva e perene do meio ambiente”, disse Cabral.

E não vão ser as Forças Armadas que vão resolver a questão.

É um desafio que terá de ser visto como prioridade se for a sério o plano não só de zerar o desmatamento no Brasil como de tornar o país resiliente às mudanças climáticas.

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