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Nesta semana tive a oportunidade de participar de dois debates incríveis sobre os desafios impostos pela crise climática e ideias para sair dela. No primeiro, fiz parte da bancada do programa Roda Viva, da TV Cultura, que entrevistou o físico Marcelo Gleiser. O segundo foi a mesa “Colapso climático e o Antropoceno” (parte do evento de comemoração dos 13 anos da Agência Pública), em que mediei um bate-papo com o escritor Ailton Krenak, o climatologista Carlos Nobre e a jornalista de meio ambiente Daniela Chiaretti.
Foi nesta mesa que ouvi a frase da qual peguei emprestado o título para esta coluna. Em um alerta sobre as perigosas mudanças que a humanidade está promovendo no planeta, Krenak vaticinou: “Daqui a uns 20, 30 anos, as pessoas vão derreter feito lesma na calçada. O calor vai estar tão chapante que um cara sai de casa e derrete na calçada”.
A plateia que estava presente riu meio nervosa. Alguns minutos antes, já tinha ouvido algumas previsões ainda mais dramáticas. Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do Brasil em mudanças climáticas e nos impactos do desmatamento na Amazônia, explicava que, se mantivermos o ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa, poderemos chegar ao fim do século com uma temperatura média 4 ºC acima do período pré-industrial.
Lembra? No ano passado, quando o planeta bateu recorde de calor, a temperatura média ficou em 1,48 ºC acima dessa marca, e já vimos o perereco que foi. Agora imagina mais que o dobro disso.
Nobre ajudou a gente a imaginar. Se a temperatura passar de 4 graus, disse ele, praticamente todo o mundo tropical se torna inabitável. “[Isso] Significa que a temperatura e a umidade atingem um nível que o nosso corpo não perde mais calor. É estresse térmico. Um bebê e uma pessoa idosa sobrevivem meia hora no estresse térmico. Uma pessoa saudável, adulta, duas horas. Se nós chegarmos a 4 graus, só haverá habitabilidade no topo dos Andes, dos Alpes, na Antártica e no Ártico.”
Ele continuou com as projeções assustadoras provenientes de relatórios científicos robustos, como os do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC): “Se chegarmos a 4 graus no século que vem, nós vamos causar a sexta maior extinção [de espécies]. A quinta foi 62 milhões de anos atrás, [quando] caiu aquele superasteróide no golfo do México. Mas quanto tempo levou para a extinção dos dinossauros? Dois a três milhões de anos. O processo de causar a quinta extinção foi de milhões de anos. Nós vamos causar a sexta maior extinção em 100 anos. No meio do século 22, nesse caso, a temperatura já terá passado muito de 4 graus”.
Minha sensação foi que as pessoas na plateia nem piscavam, segurando a respiração enquanto ele descrevia o quadro futuro que vamos enfrentar (se não nós, diretamente, mas com certeza as próximas gerações) caso não mudemos a forma como estamos tratando o planeta.
Acho que o veterano pesquisador também percebeu. E, ao final do nosso debate, fez questão de dizer que, apesar de tudo o que tinha dito, ele é um otimista. Que ele aprendeu a ser assim depois dos 65 anos (hoje ele tem 72) e que ele tem se empenhado em apontar soluções a fim de combater o problema. “Porque a gente não sabe quanto tempo nós vamos viver. Não vamos cometer um ecossuicídio!”, disse.
Então ele contou dos esforços que está fazendo para promover projetos de restauração da Amazônia e disse que planeja fazer um estudo para propor o que o Brasil precisa fazer para zerar suas emissões até 2040. Na sequência, convocou a plateia: “Queria muito que os jovens comprassem essas ideias. Vamos tornar o nosso país o primeiro país a zerar as emissões”.
Para Nobre, um caminho para isso é as pessoas se engajarem em mudar seus hábitos de consumo. “Se nós todos, quem come carne – eu não como carne há muito tempo –, mas se nós todos, na hora de ir no supermercado, no frigorífico, no açougue, exigirmos que só compraremos carne bovina de pecuária regenerativa, o Brasil reduziria em 50% as emissões.”
A premissa do pesquisador é que o consumidor tem o poder de mudar os negócios. Que essa pressão poderia “induzir a agricultura e pecuária brasileira para um caminho sustentável”.
Na hora em que ele falou isso, eu viajei de volta ao Roda Viva. Marcelo Gleiser está lançando no Brasil seu novo livro – O despertar do universo consciente –, no qual propõe que a Terra é rara, mágica, uma vez que é a única onde até hoje sabemos existir vida como a conhecemos. E que por isso a gente deveria se esforçar fortemente para preservar essa vida, o que significa lutar para evitar o pior das mudanças climáticas.
O físico propõe um “manifesto para o futuro da humanidade”, segundo o qual “todo indivíduo tem um papel a cumprir”. Para ele, não são necessários os “sacrifícios de uma revolução sangrenta”, mas adotar ações dentro de três princípios:
- Menos para garantir a sustentabilidade;
- Mais para nos reaproximar do mundo natural;
- Consciência na compra e no consumo de produtos e bens.
Gleiser defende que nós todos deveríamos comer menos carne, consumir menos energia e menos água, produzir menos lixo, nos “engajar mais com a natureza” e pressionar empresas a adotar práticas mais sustentáveis. No livro ele ainda escreve, em negrito: “Consumidores do mundo: unidos vencemos nós e a natureza”.
Durante o programa, eu o questionei sobre a proposta. Para mim, ela talvez soe um pouco ingênua, por colocar um peso tão grande nas ações individuais. Para realmente ter impacto, é algo que teria de ser adotado realmente por muita gente. Sendo que estamos falando de desafios muito profundos e sistêmicos.
Para derrubar as emissões de gases de efeito estufa no tempo necessário para evitar o caos na Terra, são necessárias mudanças estruturais. O IPCC estima que para conter o aquecimento global no máximo até 1,5 ºC teríamos de reduzir as emissões em 43% até 2030 e chegar a emissões líquidas zero (compensando o que não for possível deixar de emitir) até 2050.
Confesso que tenho certa dificuldade de ver essa redução brutal acontecendo a partir de ações individuais – sem que venham junto medidas governamentais que, por exemplo, determinem que os frigoríficos exponham a origem da carne em seus rótulos para que as pessoas possam escolher; sem que haja algum tipo de taxação para o carbono; sem que deixem de ser concedidos incentivos para os combustíveis fósseis.
Gleiser não curtiu muito a minha pergunta. “A gente está sempre acostumado a ter o paizão que diz o que a gente tem que fazer, aquela coisa do controle do Estado, da religião etc. E eu acho que aqui, nesse momento, a gente tem que começar a pensar como indivíduos, porque o que o governo faz ou não faz com relação ao planeta vai afetar todo mundo da mesma forma”, respondeu.
“A técnica do medo distópico também não está dando certo, de que, ah, o mundo vai terminar, aquela coisa. Essas campanhas de medo funcionam a curto prazo, mas não quando o teu problema tem décadas, que é o problema do clima. Então, é muito difícil convencer as pessoas a mudarem os hábitos, a menos que você pegue no coração das pessoas. Tem duas maneiras de mudar a ideologia das pessoas. Uma é no coração e a outra na carteira. Na carteira, obviamente, quando as coisas ficarem mais baratas, as energias alternativas ficarem mais baratas, já estão ficando. E no coração é você contar uma história em que cada um de nós tem um papel de guerreiro nessa revolução, que é salvar o nosso projeto de civilização”, complementou o físico.
Achei inspirador, de verdade, assim como a fala do Nobre, mas meu lado cético não me deixa exatamente à vontade. Minha dificuldade, talvez acima de tudo, seja imaginar como uma humanidade tão arraigada a péssimos hábitos de consumo possa mudar a ponto de mobilizar milhões de pessoas que juntas pressionariam por essas mudanças. Pense na loucura do brasileiro com picanha. Na loucura do norte-americano com seus SUVs. Isso só para começar. Mas, beleza, a água tá subindo, batendo no traseiro e talvez a humanidade, sim, vire a chavinha. Agora essa união consegue ser mais forte que os lobbies de quem está ganhando enquanto o circo pega fogo?
Deixo aqui a minha inquietação e minhas dúvidas com o caro leitor. Gostaria muito de ouvi-los.