Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Antes que seja tarde, enviada às quintas-feiras, 12h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui.
Após um mês de tragédia climática em curso no Rio Grande do Sul, este Dia Internacional do Meio Ambiente, comemorado nesta quarta-feira, 5, veio com um gosto amargo. O governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente e pelas próprias falas do presidente Lula, buscou detalhar os avanços obtidos desde o início do ano passado principalmente no combate ao desmatamento e na retomada da política climática do país.
Mas o cenário de destruição ainda vigente nos municípios gaúchos não nos deixa esquecer que somos muito vulneráveis. Pode, e vai, acontecer de novo. A qualquer momento. E em qualquer lugar. Dados globais divulgados nesta semana alertam de modo assustador sobre como a humanidade está colocando o mundo em um caminho de mais desastres como esse.
Mais uma vez, como num Dia da Marmota que se repete mês a mês, o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da Comissão Europeia, informou que o mês passado foi o maio mais quente já registrado na história. A temperatura média global ficou 1,52ºC acima da média registrada para o mês entre 1850-1900 – designado como a referência do período pré-industrial.
Não só. Foi também o 12º mês consecutivo a bater recorde de temperatura para o respectivo mês (os oceanos seguem anormalmente quentes há 14 meses seguidos). A situação piora quando olhamos para o acumulado. A temperatura média global desses 12 meses, entre junho de 2023 e maio deste ano, é também a mais alta dos registros históricos: ficou 0,75°C acima da média registrada entre 1991-2020 e 1,63°C acima da média pré-industrial.
1,52ºC mais quente para maio. 1,63ºC mais quente para os 12 meses. O leitor mais atento já deve ter notado que são níveis acima do preconizado pela ciência – e pelo Acordo de Paris – como o limite máximo que deveríamos permitir de aquecimento, o famigerado 1,5ºC.
“O clima continua a nos alarmar. Os últimos 12 meses tiveram quebras de recorde como nunca antes, causadas principalmente pelas nossas emissões de gases de efeito de estufa e por um impulso adicional do El Niño no Pacífico tropical. Até zerarmos as emissões líquidas globais o clima vai continuar aquecendo, vai continuar quebrando recordes e vai continuar a produzir ainda mais eventos extremos”, resumiu Samantha Burgess, diretora do Copernicus.
“Se escolhermos continuar adicionando gases-estufa na atmosfera, logo o período de 2023/24 vai parecer fresco, assim como agora nos parece ter sido 2015/16”, disse, em referência aos dois últimos anos mais quentes do registro histórico.
Como um grilo falante na consciência dos líderes mundiais, o secretário-geral da ONU, António Guterres, em discurso sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente, não poupou palavras: “No ano passado, cada virada de página do calendário gerou um aumento de temperatura. Nosso planeta está tentando nos dizer algo. Mas parece que não estamos ouvindo”.
Guterres é particularmente hábil em colocar o dedo na ferida e nos deixar desconfortáveis: “A humanidade é apenas um pequeno pontinho no radar. Mas, assim como o meteoro que exterminou os dinossauros, estamos causando um impacto descomunal. No caso do clima, não somos os dinossauros. Nós somos o meteoro. Não estamos apenas em perigo. Nós somos o perigo”.
E continuou: “A verdade é que quase dez anos após a adoção do Acordo de Paris, a meta de limitar o aquecimento global de longo prazo a 1,5ºC está por um fio. A verdade é que o mundo está emitindo gases tão rapidamente que, até 2030, um aumento de temperatura muito maior seria praticamente garantido”.
Ultrapassar pontualmente o marco de 1,5ºC não significa que a meta já foi perdida, já que ela se refere a um novo patamar de temperatura em um planeta aquecido de modo mais constante, sustentado no longo prazo. De modo que os mais otimistas ainda dizem que dá tempo de evitar o pior. Não falta quem diga, porém, que já era.
Nesta quarta, pesquisadores da Universidade de Leeds, no Reino Unido, divulgaram uma nova estimativa de quanto falta para esse marco ser atingido. Trata-se do conceito conhecido como “orçamento de carbono”, que é quanto CO2 pode ser jogado na atmosfera até o aquecimento chegar a 1,5ºC. E a conclusão é que, como as emissões ainda não foram refreadas, esse número é baixíssimo.
Eles calcularam cerca de 200 bilhões de toneladas (ou gigatoneladas – Gt). Atualmente o mundo emite cerca de 40 Gts por ano. Ou seja, antes de 2030, esse orçamento estará esgotado. Veja que quando se fala em emissões de gases estamos falando de queima de combustíveis fósseis, de desmatamento, de queimadas. As emissões só vão cair se essas atividades humanas forem reduzidas. É matemática pura e simples.
Ultrapassar esse limite significa deixar todo mundo em risco. O que vimos no último mês no sul do Brasil é uma amostra caríssima do que podemos enfrentar cada vez mais. Estudo lançado no início da semana apontou que a tragédia foi duas vezes mais provável por causa do planeta mais quente.
Enquanto Porto Alegre e quase todas as cidades gaúchas ficaram debaixo d’água, ondas de calor estão atingindo brutalmente a Ásia. A Índia foi às urnas no fim-de-semana com temperaturas beirando os 50ºC. Na Alemanha, onde ocorre nesta semana uma reunião preparatória da Conferência do Clima da ONU, cidades estão alagadas.
“A mudança climática é a mãe de todos os impostos furtivos pagos por pessoas comuns e países e comunidades vulneráveis. Enquanto isso, os padrinhos do caos climático – o setor de combustíveis fósseis – obtêm lucros recordes e se banqueteiam com trilhões em subsídios financiados pelo contribuinte”, vaticinou Guterres.
É uma cobrança que vale absolutamente para todos os países, mas, claro, é direcionada especialmente para os maiores emissores: China, Estados Unidos, Rússia, União Europeia e, sim, o Brasil. Cada tonelada de CO2 conta. Por isso, enquanto é de se comemorar que o país anuncie quedas no desmatamento, não podemos fazer vistas grossas para os planos de aumentar a exploração de petróleo.
Choca, portanto, ver ninguém menos que a ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, isentar a relação entre o petróleo brasileiro e a tragédia no sul. Ela não nega a conexão com as mudanças climáticas, mas põe na conta das emissões dos países ricos.
“Porto Alegre não é por conta do petróleo, são causas diferentes. Pode ser por conta do que aconteceu na Europa, do que aconteceu nos Estados Unidos. Somos nós que sofremos mais – os países em desenvolvimento, os impactos daqueles que não cuidaram das suas florestas. Não é por conta do petróleo do Brasil”, disse a ministra no começo da semana durante a 1ª Conferência Internacional das Tecnologias das Energias Renováveis (CITER), realizada em Teresina (PI). Falou ainda que o Brasil tem autoridade para manter a exploração petrolífera, “já que a gente ainda tem muita gordura para queimar”.
No melhor estilo “como o 1º mundo destruiu e poluiu, agora é a nossa vez”, como frisou o pessoal do ClimaInfo, Santos parece não se dar conta que emissão é emissão. Não importa de onde sai, vai para a mesma atmosfera engrossar a camada de estufa que aquece o único planeta que habitamos.