Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a newsletter Brasília a quente, enviada às terças-feiras, 8h. Para receber as próximas edições por e-mail, inscreva-se aqui.
Quando Bruno Pereira e Dom Phillips foram brutalmente assassinados na manhã de 5 de junho de 2022 no Itaquaí, um dos principais rios do Vale do Javari, o indigenista licenciado da Funai trabalhava, com os indígenas, em um projeto de defesa do território. O projeto inclui o apoio às EVUs, equipes de vigilância da Univaja, a principal entidade representativa dos indígenas da região.
Bruno estava com viagem marcada ao Maranhão para um intercâmbio com o povo indígena Guajajara. Há cerca de oito anos, os Guajajara mantêm o programa Guardiões da Floresta.
As EVUs seguem essa experiência, a exemplo de outros grupos indígenas. Formadas por dezenas de indígenas, as equipes EVU têm como maior objetivo proteger o vasto patrimônio da Terra Indígena Vale do Javari, o segundo maior território indígena do país, quase com o tamanho de Portugal.
No quinto e último episódio do podcast da Agência Pública Morte e Vida Javari, que vai ao ar nesta quarta-feira (03), vamos mostrar como o assassinato de Bruno e Dom não levou ao encerramento das EVUs. Pelo contrário, elas ganharam ainda mais força e presença.
EP 5 Cerco e resistência: o caso Bruno e Dom
Ao longo do podcast, temos ressaltado como o Vale do Javari vive ciclos de destruição e reconstrução, de fim e de recomeço. Como ocorreu na ditadura militar, por exemplo, quando grupos indígenas quase foram extintos, mas se recuperaram depois. Como ocorreu nos ciclos de exploração de borracha e madeira que marcaram a região ao longo de todo o século passado.
O covarde ato de violência contra Bruno e Dom não constrangeu os indígenas a continuar no trabalho das EVUs. Muito menos os não indígenas que integram o mesmo projeto, como Orlando Possuelo, filho do sertanista Sydney Possuelo, que nos anos 1980 e 1990 trabalhou para a proteção e demarcação da terra indígena. Ou como Carlos Travassos, que foi coordenador do setor de indígenas isolados na Funai em Brasília.
Logo após o crime, as EVUs realizaram, com facões e motosserras ao longo de mais de 200 quilômetros na floresta, um exaustivo trabalho de limpeza e manutenção dos marcos demarcatórios da terra indígena. Os indígenas chegaram a pontos inóspitos do território, alguns localizados a dias de viagem de barco da cidade de Atalaia do Norte.
Nessas viagens, as EVUs detectaram que hoje uma das maiores preocupações sobre o futuro da terra indígena se concentra ao sul do território, conforme me contou Orlando Possuelo. As EVUs encontraram vários caminhos abertos por caçadores clandestinos. A isso se soma a presença de balsas de garimpeiros, em especial no rio Jutaí.
“Esses limites vão sendo ultrapassados, os fazendeiros vão chegando. […] Por exemplo, próximo de Eirunepé, que é habitada pelos isolados, […] é muito difícil da gente fazer, o controle tem que ser feito, né? Ostensivamente ali nos limites e pra proibir a entrada de caçadores e pescadores. E o garimpo também que vai chegando por aquela região. […] O [rio] Jutaí já é cheio de balsa. Agora eu fiz um sobrevoo lá e encontrei duas a mais ou menos 20 quilômetros de distância da entrada da terra indígena, duas balsas de garimpo.”
A Terra Indígena Vale do Javari é alvo frequente da cobiça e das pressões econômicas, hoje em dia vindas principalmente de pescadores clandestinos e de garimpeiros em balsas nos rios. O último episódio do podcast revela também um aspecto inédito da investigação sobre o assassinato de Bruno e Dom: um amigo de Bruno conta como ele e o indigenista foram alvos de um disparo de arma de fogo apenas um mês antes do assassinato.
Pescadores penetram a terra indígena como parte de um azeitado esquema de contrabando do material roubado. São vários grupos criminosos operando simultaneamente.
Eles se valem principalmente das más condições de emprego e renda no entorno da terra indígena na hora de arregimentar pessoal disposto a cometer os crimes ambientais. Como em outras partes da Amazônia, o crime associado ao narcotráfico avança a olhos vistos. Daí uma das minhas conclusões, após a longa pesquisa feita pelo podcast que começou ainda em 2022: o Estado brasileiro também precisa pensar na população do entorno da terra indígena para proteger o território.
É a mesma conclusão a que chegaram Bruno Pereira e Dom Phillips, que estava escrevendo um livro intitulado, justamente, Como salvar a Amazônia. Tanto ele quanto Bruno estavam interessados em conhecer e estimular projetos econômicos autossustentáveis na região.
Encontrar e desenvolver alternativas de emprego e renda para a população não indígena – alternativas, bem frisado, que não ofendam o meio ambiente nem agridam os direitos da população indígena – parece essencial para a preservação do Javari a médio e longo prazos.
Ao longo do podcast, temos falado sobre os ciclos que marcaram o Vale do Javari. Proteger o território e achar soluções econômicas para o futuro são duas medidas que correm em paralelo e lutam para que esse ciclo não se rompa.
Esta coluna fará uma pausa de duas semanas e volta a ser publicada no dia 24/7.