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Nesta semana, a Justiça deu um espetáculo de fazer corar até a Câmara dos Deputados, o que não é pouco. Enquanto o Conselho de Ética da Câmara recomendou a cassação do mandato de Chiquinho Brazão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou na quarta-feira (28) o pedido de impeachment de seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão.
Os irmãos Brazão são réus nos homicídios de Marielle Franco e de Anderson Gomes e estão presos por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) desde março deste ano. O pedido de impeachment no STF foi protocolado em março deste ano por deputados e vereadores do PSOL do Rio de Janeiro, entre eles a vereadora Monica Benício, viúva de Marielle.
Com a decisão do STJ, o preso Domingos Brazão continua sendo conselheiro (ele está apenas afastado) com salário de cerca de R$ 40 mil pagos mensalmente pelo estado do Rio de Janeiro. Ou seja, com prejuízo para a população.
Tanto o deputado Chiquinho como o conselheiro Domingos mantiveram cargos públicos e remuneração mesmo depois de acusados pelo Ministério Público e Polícia Federal de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle e seu motorista Anderson.
Mas, enquanto Chiquinho perderá mandato e salário em uma possível cassação, o que agora só depende do decoro do plenário da Câmara (são necessários 257 votos para que isso ocorra), seu irmão e cúmplice deve continuar a usufruir dos cofres públicos até uma eventual condenação pelo STF. Isso se a perda de cargo e salário se concretizar, como efeito acessório da pena.
O TCE-RJ está em fase inicial de um procedimento administrativo (PAD) contra Domingos Brazão, mas, como ocorre com juízes e desembargadores, a penalidade máxima deve ser a aposentadoria compulsória – quase um prêmio, já que o servidor ganha sem trabalhar.
O acolhimento do pedido de impeachment, além de ser um reconhecimento do crime de responsabilidade cometido por Brazão, também implicaria a perda do cargo e do salário do conselheiro do TCE-RJ.
A negativa do STJ é ainda mais nebulosa porque todo o trâmite foi colocado em sigilo desde o início, embora o processo penal no STF, que fundamenta o pedido de impeachment, tenha sido aberto na íntegra pelo ministro Alexandre de Moraes.
Mais grave: de acordo com Breno Zanotelli, um dos advogados dos parlamentares do PSOL, nem os autores do pedido tiveram acesso aos autos.
“Não entendemos o motivo desse sigilo, já que a ação do STF é a base probatória de nosso pedido de impeachment, e menos ainda por que nós só tivemos acesso ao processo ontem [quarta-feira], depois de insistentes ligações”, diz Zanotelli. Agora eles aguardam o acesso ao voto do relator, o desembargador Raul Araújo, para decidir os próximos passos.
Sem isso, fica difícil até imaginar os motivos do STJ para manter em alto cargo público um réu por homicídio. “Entendemos a dificuldade do STJ pelo ineditismo do pedido de impeachment contra um conselheiro do TCE, mas estamos falando do maior caso de violência política com uso do aparato estatal depois da redemocratização, e o fato é que o impeachment para os ocupantes desse cargo está previsto na Constituição”, explica o advogado.
Curiosamente, enquanto o pedido de impeachment contra um réu preso pelo homicídio de uma vereadora é negado, os golpistas organizam um ato “incendiário” no 7 de Setembro para pedir o impeachment de um ministro do STF e anistia para seus próprios crimes. Aliás, essa mesma turma fez da difamação de Marielle, vítima de assassinato político, uma bandeira ideológica.
Atitudes como a opaca decisão do STJ não contribuem para a credibilidade da Justiça nem para a proteção da nossa já fragilizada democracia.