Buscar
Coluna

Eleições nos EUA e os conflitos mundiais: o que muda com Trump ou Kamala?

Mitos e verdades sobre a atuação internacional de republicanos e democratas na visão de um especialista no tema

Coluna
2 de novembro de 2024
06:00

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a Newsletter da Pública, enviada sempre às sextas-feiras, 8h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui

Livre-docente em relações internacionais na PUC-SP, o professor Reginaldo Nasser recorre a fatos históricos e documentos para desfazer medos e esperanças sobre o futuro dos principais conflitos mundiais conforme o resultado das eleições nos Estados Unidos nesse próximo 5 de novembro. 

Para Nasser, que também é pesquisador dos conflitos do Oriente Médio e sobre os Estados Unidos, nem Donald Trump nem Kamala Harris vão atuar para que Israel cesse os bombardeios na Faixa de Gaza e no Líbano – que mataram mais de 40 mil civis em um ano. Nesse sentido, “a diferença entre os dois candidatos é zero”, segundo o professor, embora o resultado das eleições americanas tenha impacto significativo na guerra na Ucrânia. 

Nasser desmente teses bastante difundidas sobre a atuação internacional dos dois principais partidos dos Estados Unidos – e de seus candidatos nas atuais eleições –, como o suposto isolacionismo dos republicanos ou a força do lobby de Israel nos Estados Unidos como fator principal para que os democratas continuem apoiando Benjamin Netanyahu. “O lobby existe, claro, mas para os Estados Unidos Israel é um instrumento de seus interesses no Oriente Médio”, diz. “Nesse caso, republicanos e democratas mantêm o mesmo tom.”

Já a Ucrânia, de fato, será tratada de forma diferente por Trump e Kamala. Enquanto a democrata deve manter o apoio ao país, tal como vem fazendo o presidente Joe Biden, Trump provavelmente cortará a ajuda a Volodymyr Zelensky que já consumiu mais de 64 bilhões de dólares no governo Biden. Recursos que, segundo Trump, deveriam ser usados internamente, privilegiando o que ele chama de “interesses nacionais”. 

É por esses motivos, além da conhecida proximidade de Trump com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, que Nasser acredita que “é quase líquido e certo” que, se eleito, o republicano cortará o apoio ao país comandado por Volodymyr Zelensky, enquanto Kamala Harris deve continuar seguindo a linha da Otan.

Mas isso não se deve a um suposto isolacionismo dos republicanos, apontado pelos democratas e pela imprensa em geral, nem a um desvio de Donald Trump em relação ao comportamento dos líderes de seu partido, que desde a Guerra Fria evitam entrar nas áreas de influência da Rússia por considerar o risco grande demais para os americanos. Nesse sentido, “Trump não é um ponto fora da curva, embora ele mesmo goste de dizer que é diferente de todos”, diz o professor. 

“Os Estados Unidos vivem do comércio e das finanças internacionais. Como vão se isolar? Como um megaempresário corporativo como Trump pode ser isolacionista?”, questiona, citando exemplos de atuação internacional de Trump, como os acordos com a Coreia do Norte e com o Talibã, que deram início à retirada dos Estados Unidos do Afeganistão.

“Quando se fala em isolacionismo republicano e multilateralismo dos democratas, na verdade está se falando basicamente das relações com a Europa. Os Estados Unidos sempre se envolveram no mundo inteiro. Quando se fala em multilateralismo dos democratas, é com a Europa, no resto do mundo não tem nada de multilateralismo”, provoca. “Isso vem desde o final da Primeira Guerra e é por isso que os europeus ficam tão bravos quando um republicano assume a Casa Branca”, diz. 

Nasser reconhece que os democratas são os idealizadores dos fóruns mundiais, como a ONU, enquanto os republicanos, principalmente Donald Trump, desprezam esse tipo de organização. Uma diferença que, a depender do resultado das eleições na próxima semana, pode impactar questões importantes, como a emergência climática, mas que é mais retórica do que concreta quando se fala “no genocídio que Israel faz contra os palestinos”. Afinal, como ele diz, “Biden é o presidente dos Estados Unidos que mais mandou ajuda em armas e tropas para Israel”.

“A era dos acordos de paz, que no fundo obedeciam mais aos interesses americanos do que a qualquer outra coisa, já morreu. Obama até acenou com a possibilidade de retomar essas negociações, mas não conseguiu apoio nem no Congresso americano, mas Kamala é outra coisa”, acredita. “Obama era uma liderança muito maior do que Kamala e nunca se envolveu com os grupos pró-Israel. Já o marido de Kamala, Douglas Emhoff, participa ativamente desses grupos, tanto é que organizações pró-palestina retiraram formalmente o apoio a ela”, lembra, acrescentando que a postura de Trump não deve ser muito diferente em relação a Israel. 

Se há bons motivos para torcer pela derrota de Trump, como o tratamento desumano que dá aos imigrantes, o recuo em relação aos direitos das mulheres e o desprezo à democracia, depois de ouvir o professor Nasser fiquei bem menos esperançosa que uma eventual vitória de Kamala possa deter o massacre contra os palestinos que presenciamos impotentes. 

Para quem se preocupa com esse quadro de horror, o melhor é apostar no multilateralismo para valer, que ainda está por ser construído. Melhor a utopia do que a ilusão.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes