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Desinformação econômica é puxada por redes como TikTok e pelo interesse por conteúdos com orientações financeiras

Entrevista
17 de janeiro de 2025
15:35

As notícias falsas sobre uma suposta taxação do Pix tomou proporções alarmantes nas últimas semanas, obrigando o governo federal a recuar de medidas voltadas ao monitoramento de transações financeiras. Desde 2003, todas as movimentações a partir de R$ 2 mil são enviadas pelos bancos para a Receita Federal. Com a mudança, esse valor passaria para R$ 5 mil, com adição das movimentações do Pix e dos bancos digitais, mas sem taxação. Mas a onda de boatos amplificada pelas redes sociais gerou pânico e desconfiança na população, mesmo após tentativas de esclarecimento oficial. 

De difícil compreensão para leigos, a portaria da Receita Federal foi explicada pelo governo inicialmente de um modo burocrático, se tornando um prato cheio para que fosse atrelada à desinformação. É tudo o que as pessoas mal intencionadas precisam para distorcer um assunto: algo difícil de explicar, cheio de regras, e que está relacionado a um aspecto muito corriqueiro e de interesse da vida cotidiana.

De acordo com o pesquisador Fabio Malini, professor do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, esse fenômeno é alimentado pela lógica das plataformas digitais, que priorizam o conteúdo com maior engajamento nos algoritmos. Redes como TikTok e Instagram, com suas funções “Para Você” e Reels, oferecem um ambiente ideal para que temas polêmicos, ainda que imprecisos, ganhem relevância e viralizem rapidamente. No caso do Pix, as mentiras sobre uma possível taxação escalonaram rapidamente porque uma grande maioria de brasileiros usa a ferramenta para fazer transações diariamente.

Em entrevista à Agência Pública, Malini aponta que os brasileiros, especialmente pequenos empresários e trabalhadores autônomos, estão cada vez mais atentos às questões financeiras — que devem ser a tônica das eleições de 2026. Diante da crise de comunicação gerada pela desinformação, o governo enfrenta o desafio de adotar estratégias mais eficazes para se conectar com a população. Malini aponta para a necessidade de uma presença digital consistente e assertiva, capaz de competir com o fluxo de informações moldado pelos algoritmos das redes sociais. 

Informações falsas como a da taxação do Pix tomam uma proporção gigantesca muito rápido. Nesse caso, a desinformação foi tão violenta que mesmo o governo tentar desmentir não foi suficiente, e decidiu recuar da decisão de monitorar melhor essas transações financeiras. Por que a desinformação econômica tem toda essa força?

Para entender isso, é importante entender a transição da primeira para a segunda geração de plataformas de redes sociais. A primeira plataforma de redes sociais era alicerçada na lógica do perfil e na maneira em que esse perfil segue e é seguido. A dieta de informação, no chamado feed, era seu principal traço característico. Por feed a gente entendia aquele conteúdo que chegava nos nossos celulares ou computadores pela produção de conteúdo das pessoas que nós seguimos. Foi um período de forte crescimento dos chamados influenciadores ou micro-influenciadores. O que importava era o que eu decidia seguir para ter acesso ao conteúdo dessas pessoas que considero relevante para mim. Essa foi a geração do Facebook, Orkut, Twitter, etc. 

​​A segunda geração emergiu sobretudo por conta do TikTok. O TikTok trouxe uma configuração nova, que é a não mais o feed, mas o For You (Para Você), ou seja, os conteúdos que a própria plataforma decide ser relevante para o interesse de cada um dos usuários. Mas essa decisão não é baseada em qualquer coisa, ela é baseada no tempo que o usuário gasta em assistir determinado vídeo. Então, se o usuário assiste muitos vídeos de memes, ou se ele assiste muitos vídeos de coach, de direito tributário, de empreendedorismo, esses interesses passam a ser objeto de algoritmos que empurram mais conteúdo do tipo no For You. 

O que tem acontecido agora é que o sucesso dessa dinâmica de produção de audiência algorítmica, cujo modelo é o TikTok, adentrou em diferentes plataformas de primeira geração. Por exemplo, no Instagram, já tem lá o Reels, que é semelhante ao For You, e tem sessões no estilo “para você” no Threads, no Twitter (X). Você vê que essa maneira de navegação está ganhando mais força. As pessoas, de certa forma, se saturaram do conteúdo das pessoas que elas seguem. Esse nível de saturação, digamos, chatice, leva as pessoas ao campo do For You, em que tudo pode ser interessante.

O caso do Pix é o mesmo fenômeno que aconteceu com a escala 6×1. Ambos são temas que ganham tração e relevância dentro da dimensão do Reels do Intagram, do For You no TikTok, do Pra Você do Twitter, em que quanto mais as pessoas têm interesse naquele tema, mais elas alimentam o algoritmo. E, alimentando o algoritmo, mais rápido aquele tema fica popular, ele viraliza. Essa concatenação de interesses de usuários faz com que um determinado assunto cresça paulatinamente.

Temos mais tendência a acreditar em uma notícia falsa travestida de economês? Por que?

Não acredito que a gente tenha essa tendência. Temos uma tendência a acreditar mais na informação inacurada, imprecisa, quando existe um vácuo de segurança sobre o que está acontecendo. Quando tem uma falta de coesão em torno de determinados fatos, ou porque não estão apurados, ou porque são imprecisos, isso acaba gerando um certo vácuo, que produz uma situação de insegurança, e aí o rumor toma conta de um determinado grupo social. 

A gente tem que fazer uma separação do que é o rumor e a desinformação. O rumor é aquele fato ainda não apurado, que nos coloca em dúvida. Já a desinformação é uma produção de informação sem base consensuada. A indefinição acaba sendo um terreno fértil para as teorias conspiratórias e para os achismos. Então, acho que eu vejo muito mais como o mundo. Então o que gera a produção do rumor, e que pode levar a um processo de desinformação, é a indefinição em relação a determinado fato.

Falando de modo prático, poderia dar exemplos de como notícias falsas podem impactar a economia (considerando decisões de governo, posicionamento do mercado etc)? E como essas questões impactam a vida das pessoas?

Há um conjunto de usuários ligado a temas como empreendedorismo, pequenos negócios, MEI, dinheiro. As pessoas têm interesse nos seus próprios negócios, é algo que afeta o dia a dia delas. Então esses influenciadores sabem que produzir trends no TikTok ou no Instagram é relevante para manter a atenção das pessoas no conteúdo deles. Hoje é muito mais difícil prender a atenção da audiência, porque a audiência é menos conectada aos influenciadores. 

A audiência algorítmica da plataforma tira o poder dos influenciadores e bota para si a capacidade de empurrar um conteúdo. Então, quando você começa a ter uma concatenação de pessoas que ficam orientando, sugerindo, recomendando conteúdo ligado a pequenos negócios, microeconomia, e isso passa a ser relevante, isso muito rapidamente começa a ser objeto de atenção. Isso ganhou uma atração independente do campo político. O campo político não observou isso, nem à direita, nem à esquerda. E aí, rapidamente, tiktokers ou instagramers da área de humor começaram a satirizar também a situação. E o assunto foi ganhando mais e mais força. Então, quando a gente vai ver tanto processo de informação ou desinformação hoje, elas circulam rapidamente em formato dessa lógica. Essa é a nova lógica.

Isso demonstra também, tanto a escala 6×1, ou agora a tema do Pix, que o ecossistema de consultores digitais da área da microeconomia ganhou muita força, porque você tem um processo de financeirização forte das pessoas. Elas são bancarizadas, elas fazem pequenos investimentos, elas querem prosperar, elas têm aspirações de melhor vida econômica. Esse campo cresceu bastante e também é agressivo numa lógica de venda, ou seja, as técnicas de venda da informação e a disputa também por trazer algum tipo de conteúdo que teoricamente vai encurtar o caminho para você obter dinheiro. E isso também caminhou para o campo político. Acho que o Pablo Marçal é um dos principais exemplos.

O Banco Central publicou, em janeiro do ano passado, um estudo sobre o espaço ocupado pela economia – e mais especificamente pela inflação – no universo das fake news, entre 2019 e 2023. Eles concluem que o tema Economia teve crescimento significativo dentre os relatos de desinformação entre os anos de 2022 e 2023, ou seja, o começo do governo Lula. As fake news econômicas são, na sua percepção, o calcanhar de Aquiles do governo Lula?

É interessante esses temas ganharem força porque a agenda do governo Lula é muito alicerçada na discussão de impostos e escala de trabalho. Não é um calcanhar de Aquiles, mas a principal agenda do governo é muito econômica. Nesse sentido, um ecossistema que coloca em prática essas decisões vai ganhar também mais fôlego. 

Estamos vendo uma transição do ponto de vista digital que passa das discussões sobre democracia, sobre comportamentos, para o crescimento do ecossistema financeiro, empreendedor, econômico. Isso é uma nova agenda digital do Brasil. É algo que não foi percebido nem pelo governo e nem pela oposição, que continua se pautando em questões de comportamentos, de valores sociais.

O vídeo do Nicholas [deputado federal Nicholas Ferreira que postou um vídeo em seu Instagram com informações enganosas] foi muito compartilhado, mas foi muito compartilhado junto com os outros, o próprio vídeo do Lula. O Nicholas foi porta-voz de uma dinâmica que já vinha rolando, a desconfiança sobre um processo de taxação mais agressivo pela Receita Federal. Essa desconfiança só aconteceu porque aquela portaria tornava a informação ambígua. Estamos na antessala do que vai ser a grande questão de 2026, em que as temáticas econômicas serão o principal eixo das eleições.

Como você avalia a resposta do Banco Central, que usou memes com memes para rebater as fake news nesse caso do PIX? 

A memetização é um clássico, mas eu não acredito que seja o melhor dos caminhos tornar engraçado para tornar mais palatável um determinado assunto. Acho que atinge muito as novas gerações, mas não atinge esse conjunto de trabalhadores autônomos, microempresários. 

A gente está vendo que os políticos vão ter que se tornar atores mais ou menos especializados e mais agressivos em termos de comunicação digital. Eles precisam estar na tela das pessoas diariamente. O que as pessoas chamam de crise de comunicação do governo Lula, que leva a um distanciamento da vida das pessoas. 

Publicação do Banco Central sobre o caso Pix em rede social

Também temos que olhar como um fenômeno de dificuldade da própria imprensa, que foi atropelada por essa dinâmica mediada pelas plataformas. São elementos da sociedade que ganharam força, a da escala 6 por 1, de reorganizar o modelo de trabalho, e a do Pix, que desconfia de uma certa sanha controladora do tributarismo brasileiro. Como vamos responsabilizar as plataformas no manejo deste tipo de lógica, que não é mais o que quero assistir, mas o que tenho interesse de assistir? A agenda das redes atropela a agenda da política, atos normativos, aqui e em outros países. É um debate que se impõe. Sobre o recuo do governo, o governo acabou se antecipando, muito por conta do vídeo do Nicholas Ferreira, em vez de esperar o resultado das redes, porque tem que esperar o conteúdo ganhar tração.

Edição:
LabHacker/Flickr/Divulgação
Marcello Casal jr/Agência Brasil
Ricardo Stuckert/PR

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