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Em ano de COP e crise climática, Alcolumbre e Motta nada têm a dizer sobre meio ambiente

Presidentes do Senado e da Câmara tomam posse após o ano mais quente da história, mas ignoram emergência climática

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5 de fevereiro de 2025
06:00

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Eram três os candidatos à presidência da Câmara dos Deputados no último final de semana: Hugo Motta (Republicanos-PB), Marcel van Hattem (Novo-RS) e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ). Em seus discursos ainda como candidatos na tribuna da Casa, apenas o nome da esquerda falou sobre meio ambiente: “Defendo uma Câmara dos Deputados que reconheça e enfrente a crise climática, que aprove projetos de proteção da biodiversidade e defesa dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos”. Ele foi o menos votado, com 22 sufrágios. É ou não é uma Câmara antiambiental e anti-indígena?

No Senado foi um pouco diferente, quer dizer, foi pior ainda. Os três candidatos, todos da direita, também fugiram do tema ambiental em seus discursos. Davi Alcolumbre (União-AP), Marcos Pontes (PL-SP) e Eduardo Girão (Novo-CE) jogaram para escanteio um dos assuntos mais determinantes para o futuro do país e do planeta, a emergência climática mundial.

Claro que, do ponto de vista da política doméstica, eles não precisam ficar preocupados com isso: nem seus colegas nem a imprensa os cobraram sobre o completo descolamento do tema da preservação ambiental. Motta recebeu impressionantes 444 votos de um total de 513. Alcolumbre, 73 votos de 81 possíveis.

São votações bastante expressivas. No Congresso Nacional, a minoria da minoria de fato se importa, ou pelo menos diz se importar, com o futuro da Amazônia, do Cerrado, do Pantanal, em suma, o que será deste país. Mas a ampla maioria que elegeu a dupla Alcolumbre-Motta afirma ser fervorosamente cristã e patriota. Daqueles que vibram com a eleição de Donald Trump, que deporta brasileiros algemados e ameaça uma guerra fiscal contra o Brasil.

Presidente do Senado, Davi Alcolumbre e presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
Presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Hugo Motta

(Na semana passada, aliás, revelou-se que, já sob Trump, o Ministério da Agricultura norte-americano determinou aos seus funcionários que excluam, em sites do órgão, páginas que discutem as mudanças climáticas e documentem referência sobre o tema para análise posterior. De acordo com o site Politico, essas diretrizes poderão afetar informações “em dezenas de programas, incluindo iniciativas de agricultura inteligente para o clima, centros climáticos e informações do Serviço Florestal sobre incêndios florestais”.)

Alcolumbre e Motta, os novos presidentes do Senado e da Câmara, são um verdadeiro desastre ambiental quando se considera um recorte independente sobre seu desempenho no assunto. O “Farol Verde”, uma iniciativa da Virada Parlamentar Sustentável da qual já tratei aqui, considerou o desempenho dos dois parlamentares na atual legislatura como “péssimo”.

Alcolumbre recebeu 0% no Índice de Convergência Ambiental Total (Icat), calculado a partir da participação do senador em cinco matérias fundamentais na atual legislatura. Motta recebeu 8% de Icat.

No sábado (1), em seu discurso de vitória de 21 minutos, Motta prometeu defender a democracia e atuar pela estabilidade econômica, pela pacificação política e pela transparência das contas públicas. Ele estava emocionado. “Eu sou a flecha que um dia você lançou”, disse Motta ao mencionar sua avó, Francisca.

Motta certamente sabe que os povos indígenas, os “antigos donos das flechas”, conforme cantava Mercedes Sosa, foram escorraçados pelo seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), com apoio dos seus aliados, a exemplo de Motta, de todas as discussões na Câmara que levaram à aprovação de uma lei, em afronta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a tese jurídica do “marco temporal”.

A flecha do Centrão e da direita mais atrasada e empedernida bateu direto no coração dos indígenas. A médio e longo prazos, significa menos terras indígenas demarcadas, ou seja, mais terra disponível para a destruição ambiental. Onde estava Motta nesse momento? Votou a favor do “marco”, claro.

Alcolumbre falou por 14 minutos em seu discurso de vitória. Disse que vai “promover a geração de emprego, o crescimento econômico, o desenvolvimento social, proteger a saúde pública, dar uma educação de qualidade aos brasileiros”. Um pouco antes, no discurso ainda como candidato, ele disse que “temos apenas um único objetivo comum, o desenvolvimento do Brasil”.

O senador é um grande defensor da exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial, que se estende do seu estado, o Amapá, até o Rio Grande do Norte. Em novembro de 2024, ele acusou o Ibama de fazer um “claro boicote ao Brasil” . O órgão ambiental é o responsável pela análise do processo de licença iniciado pela Petrobras para exploração dos blocos. Assim, o “boicote” relatado pelo senador é na verdade apenas o exercício de uma das atividades desenvolvidas pelo Ibama desde que foi criado, em 1989, o licenciamento ambiental.

Gente graúda está ao lado de Alcolumbre, como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), e nomes vinculados à esquerda, como o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). A pressão é tremenda sobre a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, que voltou a dizer, na semana passada, que “não é possível prever prazo para análise da Margem Equatorial”.

Em um texto baseado em fontes em “off” nesta segunda-feira (3), o jornal “O Globo” anunciou em manchete no seu site que Lula teria dito a Alcolumbre que irá “destravar” a autorização para as pesquisas da Petrobras.

As falas de Alcolumbre e Motta no pós-eleição sugerem uma continuidade das gestões de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e de Arthur Lira no tema ambiental, ou seja, apagamento da crise climática. Na atual conjuntura, isso significa retrocesso e obscurantismo.

O fato de o Brasil sediar neste ano, em Belém (PA), a 30a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas também não tirou a dupla Alcolumbre-Motta do seu silêncio constrangedor. Medo de constranger a bancada ruralista e seu irmão siamês, o bolsonarismo? É bastante provável.

Em maio de 2024, o líder maior da extrema direita, Jair Bolsonaro, exibiu todo o seu negacionismo desvairado ao dizer no ex-Twitter que “a problematização do clima” é uma “desinformação como meio para atingir um fim”. Segundo ele, “tudo orquestrado pelos gigantes que exigem dos outros o que não cumprem. Ou seja, inviabilizam o desenvolvimento de países com potencial”. O bolsonarismo quer licença para desmatar e poluir, e as lideranças políticas que se calam sobre isso se tornam cúmplices da destruição.

No ano passado, coalhado de incêndios, enchentes e tempestades, o planeta bateu recordes de altas temperaturas. A Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou 2024 “como o ano mais quente já registrado, com cerca de 1,55 °C dos níveis pré-industriais”. Os últimos dez anos, segundo a ONU, “estiveram todos entre os dez mais quentes em uma série extraordinária de temperaturas recordes”.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse para a agência de notícias da organização que “ainda há tempo para evitar o pior da catástrofe climática. Mas as lideranças políticas devem agir – agora”. Lamentamos informar, senhor Guterres, que duas das principais lideranças políticas do Brasil não têm nada a dizer sobre a escalada de destruição do planeta, que dirá agir.

Pedro França/Agência Senado - Saulo Cruz/Agência Senado

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