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À Pública, embaixador André Corrêa do Lago diz que COP no Brasil tem desafio de fortalecer multilateralismo contra crise

Entrevista
31 de março de 2025
12:40

Na semana que passou, começaram os primeiros movimentos políticos internacionais que devem definir como vai se desenrolar a 30ª Conferência do Clima das Nações Unidas (a COP30), que será realizada em novembro em Belém, e o que poderemos esperar de resultados da cúpula.

Enquanto o presidente Lula e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, viajavam por Japão e Vietnã convocando um “mutirão global da COP30 contra a mudança de clima”, essa mesma ideia era levada pelo presidente da cúpula, o embaixador André Corrêa do Lago, para o Diálogo Climático de Petersberg – evento anual promovido pela Alemanha em conjunto com o anfitrião da COP do ano.

Já sentindo os impactos dos primeiros dois meses de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos – que imediatamente tirou o país do Acordo de Paris, iniciou um desmonte das políticas climáticas do seu antecessor, Joe Biden, e colocou o mundo em pé de guerra –, o encontro em Berlim serviu como primeiro teste para medir quanto os países ainda estão comprometidos com o combate à crise climática.

Em entrevista à Agência Pública logo em sua volta ao Brasil, na sexta-feira (28), Corrêa do Lago afirmou que “não há a menor dúvida de que há uma crise institucional pela ausência dos Estados Unidos e uma crise de credibilidade por uma certa frustração que se estabeleceu com relação a Baku”. 

Ele se referiu aos resultados da COP do ano passado, realizada na capital do Azerbaijão, que teve um resultado muito ruim ao não conseguir entregar uma meta mais ousada de financiamento climático, o que pôs em xeque a força do multilateralismo para lidar com o problema. Esperava-se uma mobilização de 1,3 trilhão de dólares para as nações em desenvolvimento, mas os países concordaram com apenas 300 bilhões. Caberá à COP do Brasil, entre outras coisas, mostrar como escalar esse valor.

O embaixador disse, no entanto, que o humor dos países estava melhor do que ele imaginava e que muitos se esforçaram em demonstrar apoio à ideia lançada pelo Brasil de que, diante do difícil cenário geopolítico mundial, é necessário se unir em um “mutirão”. A proposta foi feita no início do mês em uma carta assinada por Corrêa do Lago, e direcionada aos demais países, com a visão do Brasil para a COP30. 

No texto, ele fez um apelo para que não apenas os governos dos países, mas também sociedade civil e empresários não desistam da luta contra o que ele chamou de inimigo comum a todos: as mudanças climáticas. “Muitos países ensaiaram pronunciar a palavra ‘mutirão’. Foi simpático”, disse sobre o encontro em Berlim.

À Pública, ele falou sobre os desafios de definir qual vai ser a grande entrega da COP no Brasil, sobre como elaborar um caminho para elevar o financiamento climático e sobre elefante na sala: como chegar ao fim dos combustíveis fósseis, os grandes vilões do aquecimento global. “Se nós no Brasil conseguirmos definir melhor quais são as nossas posições com relação aos combustíveis fósseis, você pode imaginar o quanto vai ajudar ter uma liderança brasileira para discutir esse tema”, afirmou.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista. E assista, a partir das 22h desta segunda-feira (31), o embaixador André Corrêa do Lago ao vivo no programa Roda Viva, da TV Cultura.

O senhor acabou de voltar do Diálogo Climático de Petersberg, em Berlim, o primeiro encontro ministerial pré-COP30 e depois de os Estados Unidos terem abandonado o Acordo de Paris, de Trump ter bagunçado a geopolítica mundial e de os países europeus terem anunciado planos de aumentar o armamento, o que indica uma retirada de recursos para o clima. Como estavam os humores dos países no encontro?

Olha, eu achei melhor do que eu imaginava. Havia ali uns 40 países e visivelmente todos acompanham a prioridade do Brasil de fortalecer o multilateralismo. Todos estavam extremamente comprometidos com a evolução das negociações e da COP30. Não senti uma reticência com relação ao processo. Acho que o ambiente estava positivo. Falou-se um pouco dos Estados Unidos, mas muito menos do que se poderia esperar. Acho que foi bastante animador.

A COP do ano passado, em Baku, colocou em xeque a capacidade das COPs, do multilateralismo, de resolver a emergência climática, ao não trazer um resultado tão bom quanto era esperado na questão do financiamento. Teve quebra de confiança, países ameaçando abandonar a discussão…

É… foi ruim.

A COP30 vem com esse desafio de retomar essa confiança no multilateralismo?

Vem. Obviamente eu sou suspeito para falar, porque eu gostei da carta que eu mandei [mensagem sobre a visão do Brasil para a COP30, enviada no início do mês], mas senti uma reação muito positiva à carta. Muitos países ensaiaram pronunciar a palavra “mutirão” [movimento defendido pela presidência para que países e demais setores da sociedade se unam contra a mudança do clima]. Foi simpático. 

Mutirão vai virar a palavra-chave dessa COP30?

Eu acho que sim. Eu espero que sim.

E a ideia foi compreendida?

Foi muito compreendida. É engraçado que não tem uma tradução de mutirão em uma palavra. Mas o conceito do que propusemos foi entendido. 

Nesta carta, ao defender a ideia de um mutirão, vocês propõem que não apenas os países, mas sociedade, setor privado, juventude se unam para ter “um foco sobre clima como deveria ser”. Mas o que estamos vendo é um desembarque de muita gente desses esforços. Não apenas do governo americano sob Donald Trump, mas de bancos e empresas abandonando suas metas de zerar emissões, por exemplo. Então, como esse chamado ao mutirão se traduz na prática no âmbito da COP?

Acho que a ideia do mutirão veio justamente porque esses bancos, essas empresas já tinham se manifestado. A gente já sabia dos Estados Unidos. É um chamado para que o tema da mudança do clima não passe para uma posição secundária. A essência do mutirão é cada um fazer a sua parte, [assim como] o marceneiro faz o que sabe, o pedreiro faz o que sabe, quem tem um carro empresta o automóvel. Não é todo mundo fazendo a mesma coisa, mas cada um fazendo alguma coisa. Ao chamar a sociedade civil, o empresariado, os grupos sub-regionais, estamos lembrando – neste momento de crise, com os Estados Unidos saindo [do Acordo de Paris] – que não são só os países que têm que combater a mudança do clima, não são só os países que vão implementar aquilo [que é definido nas COPs]. Não sei se você acha que é talvez um pouquinho de otimismo, mas justamente era uma forma de começar a reagir às más notícias. Que boa notícia podemos trazer diante desses fatos, que são as empresas saindo [dos seus compromissos], se não um espírito da gente fazer as coisas juntos?

Por outro lado, quando o senhor faz um chamado de “vamos lá, todos juntos”, não é preciso dizer “juntos” para onde, para fazer o quê, quando e como? O que a gente quer construir nesse mutirão? Qual é a meta dele? Como isso conversa com o que vai sair da COP?

Eu acho que o mutirão inclui até mesmo a preparação da COP. O mutirão é a gente construir o que vai dar para ter como resultado na COP. Quais vão ser os resultados desta conferência é algo que a gente ainda está construindo com os países, a gente tem que ser realista etc. Porque essa é uma COP meio estranha. Os dois mandatos mais chamativos não virão das negociações: que é a entrega das [novas] NDCs [contribuições nacionalmente determinadas, que são as metas de redução de emissões que cada país tem de apresentar neste ano – elas têm de ser maiores do que as apresentadas há dez anos, no Acordo de Paris] e a entrega do relatório sobre como vamos passar [do financiamento acordado na COP de Baku, no ano passado] de 300 bilhões de dólares a 1,3 trilhão [cifra que se considera a necessária para mobilizar a ação climática em todo o mundo]. Mas nenhuma dessas duas coisas virá das negociações. Então, já é uma coisa muito diferente em relação às duas últimas COPs, em que havia uma coisa a ser considerada como medida do sucesso, que era o “balanço global” em Dubai e o dinheiro em Baku. 

A COP de Belém tem várias negociações importantes, como a da [meta global de] adaptação [que vai definir indicadores para orientar os países a adotar medidas de adaptação à crise climática], que é muito importante, a de transição justa, que é muito importante, mas essas coisas não são tão fáceis de definir e de medir como sendo [um resultado de sucesso]. Então, o que a gente pode fazer para que essa COP seja um sucesso? Eu acho que isso faz parte do mutirão também. É possível interpretar que mutirão é um chamado para que os estados americanos, as empresas americanas [atuem], mesmo que o governo não esteja. Ou um chamado para que as empresas de países que estão sendo modestos nas suas NDCs sejam mais ambiciosas, ou que as cidades sejam mais ambiciosas. Há várias interpretações, todas perfeitamente razoáveis.

O fato é que não há a menor dúvida de que há uma crise institucional pela ausência dos Estados Unidos e uma crise de credibilidade por uma certa frustração que se estabeleceu com relação a Baku.

Queria voltar na questão das NDCs. Apesar de os países terem de apresentar suas novas metas ao longo do ano – já deveriam ter entregado em fevereiro, mas a maioria ainda está devendo –, se esses compromissos não forem ambiciosos, essa conta vai acabar batendo em Belém. E sabemos que muito provavelmente as novas ainda não estarão alinhadas com o que seria necessário para conter o aquecimento global a 1,5 °C. 

É, eu acho que no conjunto eles não estarão. Então, o que a gente faz com isso? [Decidir esse próximo passo] já é, por exemplo, uma coisa interessante [a ter como resultado da COP]. Estamos tentando pensar nisso. O que a gente faz com isso? O que a gente faz com esses números?

Porque eu imagino que antes de a COP começar haverá aqueles cálculos falando que as novas NDCs ainda deixam o mundo no rumo de aquecer… Vou fazer um chute aqui, vamos ver se eu acerto…

2,1 °C.

Eu ia falar 2,5 °C. Porque hoje está em 2,7 °C, né? Mas, se só cair isso, vai ser uma desgraça.

É. Não é um grande resultado. Mas não é por causa de Belém. Nem por causa do Brasil. 

Não. Mas como Belém vai resolver isso? 

Sim, acho que Belém tem que mostrar o que a gente vai fazer com isso. Por exemplo, na parte de financiamento. Eu e o [Mukhtar] Babayev [presidente da COP29] temos de entregar o relatório de financiamento [sobre como saltar de 300 bilhões de dólares para 1,3 trilhão]. Eu estou querendo fazer uma coisa muito inovadora com relação ao financiamento.

Como? Já dá para adiantar algo?

Olha, não depende só de mim. Eu estou pedindo conselhos a vários economistas e especialistas. O [Fernando] Haddad [ministro da Fazenda] vai presidir um círculo de ministros de Finanças que também vai vir com propostas. As ideias todas já mais ou menos existem, mas acho que a maneira como a gente vai organizar o relatório pode ser uma coisa bastante inovadora. Por exemplo, estamos buscando avançar nesse esforço de definir o que é financiamento climático, que ainda é uma coisa muito difícil. A gente nota nas negociações que a interpretação dos diferentes países é muito variada. Há várias possibilidades abertas, sobretudo levando em consideração que não precisamos ter em mente somente os mecanismos previstos na Convenção do Clima [da ONU, a UNFCCC]. Quando a gente fala que a gente quer ir além da UNFCCC, do Acordo de Paris, é porque tem muita coisa que se pode fazer para financiamento climático fora [desse escopo], no Banco Mundial, no FMI, por exemplo.

Desde que o presidente Lula ofereceu o Brasil para receber a COP deste ano, se criou uma expectativa muito grande em torno do que ela poderia trazer. O que se espera do Brasil?

Isso dá para responder porque eles mesmos [outros países] dizem. Eles esperam do Brasil um equilíbrio, uma ponte entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. Que o Brasil lidere a COP pensando no bem dessa agenda, e não especificamente apenas no interesse, por exemplo, do mundo em desenvolvimento ou do Brasil, especificamente. O que vários me disseram também é que COP em país que tem tradição diplomática, em geral, tem melhores resultados. Foi o caso da França, por exemplo, na COP de Paris. Também é a primeira vez que temos uma COP em um grande país florestal. Para vários países em desenvolvimento, isso é uma coisa inovadora, por levantar um tema que os países desenvolvidos só fazem criticar [como quando ocorre desmatamento e queimadas nas florestas], mas oferecem ajuda muito moderada. Por fim, tem um lado simbólico de que a Convenção do Clima foi assinada na Rio-92 e de que o Brasil, tradicionalmente, é um negociador atento e construtivo, mas também, às vezes, muito duro nos temas que considera que precisam de particular atenção.

O senhor já disse em algumas ocasiões que o fato de o Brasil levar a COP para a Amazônia, para uma cidade que não é um “show de infraestrutura”, demonstra uma coragem de expor as contradições do país. E não tem como não passar pela maior contradição do Brasil hoje, que é essa questão do petróleo na foz do Amazonas. O senhor já disse que isso é uma questão a ser decidida internamente, que outros países enfrentam essa contradição, mas não dá para escapar do fato de que já não cabe muito mais carbono na atmosfera. Quando as COPs vão lidar com o grande elefante na sala que é o fato de que precisamos de um plano para o planeta abandonar os combustíveis fósseis?

Então, é o seguinte… [longa pausa para pensar] Eu pedi ao think tank brasileiro Catavento, que trabalha com energia, um primeiro estudo sobre os desafios que se apresentam na transição para longe dos combustíveis fósseis [compromisso definido no Balanço Global apresentado na COP28, em Dubai). E, com base nesse trabalho, eles estão fazendo um debate com o Instituto Brasileiro do Petróleo [IBP]. A Convenção do Clima e o Acordo de Paris têm permitido que a gente entenda muito melhor certos desafios. Temos mais ciência, mais informação, mais tecnologia.

Então, acho que a gente está entrando numa nova fase em que a gente pode colocar de maneira muito aberta os desafios de afastar dos fósseis. É muito diferente, por exemplo, para Angola, que é um país que depende completamente do petróleo, de se afastar dos fósseis, do que um país como o Brasil ou um país onde não tem produção de petróleo. O estudo também mostra que existem várias categorias de fósseis, o que estrutura melhor o debate. E há também uma discussão muito interessante do ponto de vista de princípio, que é a do orçamento de carbono. Considerando as emissões desde a era pré-industrial até hoje, só sobra X para emitir carbono para atingir o 1,5 °C de aquecimento. Para a Índia, por exemplo, esse orçamento de carbono só poderia ser usado por países em desenvolvimento, e os países desenvolvidos deveriam antecipar sua neutralidade de carbono, parar de usar fósseis para deixar esse espaço que sobrou para que os outros se desenvolvam. Do ponto de vista da justiça histórica, é um argumento forte. E há muitos países que dizem que, como eles [os desenvolvidos] não vão parar, eles também vão continuar porque têm de levar a energia para os mais pobres.

Então, há um debate de que poderia ter uma lista de quais países deveriam abandonar o petróleo antes dos outros. Mas ele está começando. E começou graças àquela frase em Dubai [sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis], não tenho a menor dúvida. É uma prova do quanto essas negociações levam a algo. Agora, por outro lado, uma coisa é você provocar um debate, outra é botar uma decisão para que 196 países concordem.

Essas são reflexões que o senhor está levando para os outros países?

Eu ainda não falei muito sobre isso internacionalmente. Estou muito mais interessado, no momento, nesse debate interno. Por isso que eu estou muito feliz que o IBP se juntou nesse debate. 

Por quê? O senhor entende que é preciso o Brasil dimensionar melhor sua relação com os combustíveis fósseis antes da COP para poder dar um exemplo para o debate externo?

É mais ou menos isso. Mas, sobretudo, porque são duas coisas: um debate interno, que é uma decisão soberana, brasileira; e o debate internacional. Para este já há um consenso internacional, desde Dubai, de que nós vamos nos afastar dos fósseis. Todos os países do mundo vão fazer isso, mas como isso vai se dar vai ser país por país, porque cada um tem circunstâncias diferentes. Então, se nós no Brasil conseguirmos definir melhor quais são as nossas posições com relação aos combustíveis fósseis, você pode imaginar o quanto vai ajudar ter uma liderança brasileira para discutir esse tema.

E o senhor está confiante que esse debate interno vai avançar nos próximos meses?

Estou confiante, sim.

Sua carta foi criticada por organizações da sociedade civil por não trazer uma menção mais específica ao fim dos combustíveis fósseis. De repente o mutirão poderia ter esse objetivo?

Isso poderia ser a segunda carta…

Além da expectativa internacional sobre a COP no Brasil, há também um grande anseio do ponto de vista nacional. Todo mundo espera ter voz, principalmente depois de três conferências que se deram em regimes autoritários (Egito, Emirados Árabes e Azerbaijão). Mas as COPs são, por definição, um espaço em que apenas os governos nacionais tomam as decisões. Como vocês estão tentando dimensionar isso?

Por isso que, ao conclamar [para o mutirão] pessoas de fora [desse universo das COPs], nós já estamos fazendo uma coisa diferente. Lembre o seguinte: se a gente está dizendo que já teve muita negociação e a gente tem que implementar o que já foi negociado, os governos dão as regras, mas quem implementa é o setor privado, são os governos locais, os governos estaduais e, claro, os governos federais em certa medida. Mas não são os negociadores de clima. Acho que as COPs ficaram muito importantes para a gente achar que é um assunto só dos negociadores.

Há alguma resposta para a demanda dos povos indígenas, que gostariam de ter uma copresidência da COP e uma maior participação no processo decisório?

Nós vamos tentar encontrar uma maneira, sim, no processo, para que a posição deles seja incorporada de maneira mais satisfatória. Há uma grande frustração da sociedade civil de se manifestar, por exemplo, [apenas] em um discurso no plenário no momento em que as coisas já estão decididas. Nós vamos procurar, sim, ter alguma coisa em que eles sintam que participaram mais. Da mesma maneira que na Rio-92 nós criamos uma nova dimensão da participação da sociedade civil e na Rio+20 também, quando a gente inovou com os diálogos sobre desenvolvimento sustentável, nós estamos pensando como é que a gente pode fazer uma coisa melhor na COP.

O Brasil tem dado uma prioridade para a questão da restauração florestal. O que vocês imaginam que poderia sair da COP sobre esse tema?

Pode sair algum encaminhamento de crédito de restauração florestal para o mercado de carbono. Como é que isso vai se encaixar no artigo 6 [do Acordo de Paris, que estabelece o mercado de carbono]? Ou como é que a gente deve abraçar o mercado voluntário? O problema é que o mercado voluntário de floresta, de restauração florestal, teve uma queda muito grande de valor. É uma grande ironia, porque nenhum crédito de carbono é tão eficiente quanto o de restauração florestal. É o único que reduz o que já foi emitido. Os outros reduzem emissões futuras. Então, por que esses créditos são os menos valiosos? Tem o problema da permanência [dos projetos de restauração], mas pode ser contornado com seguro. Ou seja, ter um seguro para o caso de aquela floresta queimar, por exemplo. Você tem o problema da medição, do monitoramento, dos critérios. A gente até criou uma unidade de contabilidade de carbono no Itamaraty para unir todo o governo. Acho que aí a gente gostaria de fazer um progresso.

O senhor mencionou o fogo. E, realmente, vimos o fogo afetando projetos de restauração na Amazônia no ano passado, que é algo que vem piorando com as mudanças climáticas. Quanto mais a atmosfera aquecer com a queima de combustíveis fósseis, mais a floresta vai ficar suscetível a sofrer com queimadas. E aí não tem restauração que vá salvar.

Concordo. Então tem que fazer logo.

A restauração ou reduzir as emissões?

Eu acho que tem que ter mitigação muito forte de qualquer maneira.

Mas o Brasil tem essa noção de que não adianta a gente ficar defendendo a solução da floresta se não conseguir diminuir o uso de petróleo?

A contribuição da floresta é importante porque é uma oportunidade muito grande para os países florestais, que são países em desenvolvimento que não conseguem outro tipo de recurso. Então, é a forma de obter recurso num mundo em que há poucos recursos. Mas com essa consciência de que [só a restauração] não vai salvar. Você tem que corrigir essas fragilidades.

Por fim, queria falar de guerra. O mundo está hoje muito mais instável, na iminência de que a qualquer momento conflitos podem escalar em uma grande guerra. Como não deixar que as nações desembarquem dos esforços contra a mudança do clima neste cenário?

Em outros tempos era natural que, quando se está pensando em guerra, todo o resto cai na hierarquia. Progressos sociais ficam para depois da guerra. Outros processos são interrompidos. Mas a mudança do clima vai avançar em paralelo ao problema da guerra. Não tem uma interrupção do outro tempo. O processo de mudança do clima a gente não consegue interromper. 

E pode até piorar os conflitos.

Exatamente. Pode piorar de duas maneiras. O conflito em si e com a diminuição de ação, de mitigação e de adaptação. Então, como é que nós podemos criar uma hierarquia diferente para aquilo que está acontecendo de uma forma que você não pode controlar? Não podemos interromper o tratamento da mudança do clima, uma vez que não se pode interromper a mudança do clima. Então alguém pode dizer: “Mas se você não pode interromper, então não adianta fazer mitigação”. Não, não. É completamente diferente. Porque o que não se consegue controlar é o imponderável da mudança do clima. Que já está acontecendo por causa do que o homem já fez. Isso não deve, de maneira nenhuma, diminuir a relevância de trabalhar em mitigação ou em adaptação. Porque você pode tornar a coisa menos grave, diminuir o número de vítimas e as consequências. Evitar que a mudança do clima seja pior. Mas já há suficiente mudança do clima, que é isso que, infelizmente, já está acontecendo. O fato de o mundo ter passado de 1,5 °C de aquecimento no ano passado tem de fazer a diferença para esta COP.

Jardiel Carvalho / Agência Pública
Jardiel Carvalho / Agência Pública
Jardiel Carvalho / Agência Pública
Jardiel Carvalho / Agência Pública
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