Jovens indígenas presentes na maior mobilização indígena do país, o Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em Brasília nesta semana, falaram com a Agência Pública sobre como a percepção das mudanças climáticas está além das informações transmitidas pela imprensa.
Para os entrevistados, os efeitos da crise estão presentes nas rotinas de pesca, na agricultura de subsistência e no próprio corpo, alterando hábitos e modos de vida em diversas regiões do país.
“A gente já não pesca como a gente pescava, oito, seis anos atrás. Na ilha do Bananal, teve muita queimada esse ano passado. Então, vai sendo um acúmulo de várias coisas que já vai influenciando. No caso do meu povo Karajá, nunca se pensava ‘Ah, vai faltar peixe. A gente tem que ir a um lago específico agora para pescar’, sabe?”, conta Maluá Silva Kuady Karajá, de 25 anos. Ela destaca que o avanço do aquecimento global não se expressa apenas em dados científicos e que as mudanças visíveis no bioma e na fauna impactam diretamente a vida das comunidades.
“Vai mudando o cotidiano completamente. Mudou o bioma, a fauna, as nossas vivências, a nossa vida. E trazendo outras dificuldades que transpassam a questão climática”, afirmou a jovem indígena. A edição deste ano do ATL tem como um dos focos principais a articulação para garantir protagonismo indígena na COP30, conferência climática da ONU que acontecerá em Belém (PA), em novembro. A campanha “A Resposta Somos Nós”, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), propõe que a demarcação de Terras Indígenas seja incluída como estratégia nas metas ambientais dos países amazônicos.

“Discutir ambiente sem que o indígena seja uma parte ali do protagonismo, eu acho que já começa a ser problemático, no mínimo, porque, principalmente aqui no nosso país, onde as principais reservas estão dentro dos nossos territórios”, explica Maluá, que ressalta a luta por terras não é pela exploração para um fim econômico, mas para discutir a questão do meio ambiente. “[A discussão] perpassa muitas coisas que estão na essência da nossa vivência”.
De acordo com o MapBiomas, as Terras Indígenas no Brasil representam 13% do território nacional, mas respondem por apenas 1% da perda de vegetação nativa entre 1985 e 2023.
“Tá tudo descontrolado”
Yan Mongoyó, 21 anos, vive em um território de transição entre a Mata Atlântica e a Caatinga, no sudeste da Bahia, e explica que a seca prolongada têm impedido de diferentes maneiras a agricultura familiar. A aldeia não tem acesso a água encanada e depende de caminhões-pipa.
“Está muito seco, não conseguimos plantar. Deu uma chuvinha e a gente plantou, mas não sobreviveu. Então a gente está muito preocupado porque a nossa comunidade não é abastecida por água encanada, é abastecida por carro-pipa, um carro-pipa para três famílias. Então não tem como fazer plantação”, relata. “O pessoal que está lá na base é o que mais sofre, principalmente os produtores que estão lá na agricultura familiar”.
Yan também critica o avanço do agronegócio sobre os territórios indígenas, especialmente nas regiões historicamente esquecidas pela mídia e pelo poder público.
“Não importa qual região é, [os ruralistas] eles estão invadindo, estão destruindo o que eles podem destruir, e a gente que está sofrendo. É uma pauta que abarca todos os povos”, diz. “Eu já estive analisando alguns jornais, e acho que, primeiro, eles estereotipam a gente demais, trazem questões que não têm muito a ver, e não trazem, de fato, o assunto à tona. Normalmente, eles falam muito da Amazônia e tudo, e esquecem dos outros biomas que também são muito importantes. A Caatinga mesmo e o Cerrado estão sofrendo bastante com essas questões climáticas, questão agrária”, afirma Yan.
A ausência de debate sobre o Cerrado é um dos objetivos que Letícia Awju Torino Krikati, 20 anos, tenta mudar no seu município. Única indígena no legislativo do estado do Maranhão, a vereadora de Montes Altos deseja mostrar a importância do Cerrado para o país “pois é onde há as nascentes dos maiores rios, sendo uma base hidrográfica extremamente importante para nós”.
Apesar disso, Letícia conta que enfrenta dificuldades para levar a pauta ambiental para dentro da política municipal, já que em Montes Altos ainda não há oficialmente uma secretaria de Meio Ambiente. “A ausência dessa secretaria afeta nas discussões também das mudanças climáticas dentro dos territórios indígenas. A gente tem a Secretaria de Assuntos Indígenas, mas ela também tem que trabalhar em parceria com outras secretarias”, afirma a vereadora, que ressalta a importância da cooperação entre secretarias para ações conjuntas para preservação das comunidades.
Ela relembra que os territórios Krikati ainda estão em processo de judicialização e afirma que o povo segue lutando pelo reconhecimento de suas demandas. A comunidade aguarda a decisão da Justiça para que o território seja, de fato, entregue aos Krikati, já que até o momento eles não possuem o documento oficial de posse da terra.
Mais de 250 processos de demarcação seguem sem conclusão no Brasil. A tese do Marco Temporal, considerada inconstitucional pelo STF, ainda resiste na forma da Lei 14.701, aprovada pelo Congresso.
Garimpo e alimentação
“Hoje os não-indígenas usam o termo de agroecologia, mas a gente sabe que agroecologia é uma apropriação dos saberes indígenas, dos saberes tradicionais”, diz Evelin Cristina Araújo Tupinambá, professora de geografia em Goiânia aos 27 anos. Em sala de aula, ela conecta ciência e ancestralidade para explicar aos alunos as mudanças climáticas e a relação entre territórios indígenas e preservação.
Evelin destaca ainda que as pautas indígenas variam conforme o território e a vivência de cada povo. No seu caso, vivendo há anos em Goiânia, uma de suas principais lutas está relacionada à preservação do Cerrado e compara essa realidade com a de seu povo, que vive na Amazônia, onde os desafios são outros — como a presença de madeireiras, a extração ilegal e a poluição dos rios.
“São contextos que são diferentes, mas que eles se agregam, sabe? Então, eu acho que por isso as lutas não se desassociam, por mais que a gente está falando de territórios e biomas diferentes, mas a nossa luta é a mesma”, explica Evelin. “Aqui é uma oportunidade de estar oficializando as denúncias que a gente faz. Porque aqui é tipo uma porta de entrada para ir diretamente para o plenário, para a Câmara [dos Deputados]. Diretamente com os agentes que, institucionalmente falando, fazem acontecer”.
Maria Lilane, 24 anos, do povo Baniwa, de São Gabriel da Cachoeira (AM), vê o meio ambiente como uma “segunda casa” e diz que destruí-lo é destruir a própria vida. Ela critica a desigualdade alimentar no Brasil, que, mesmo sendo um dos maiores produtores do mundo, não assegura comida saudável para todos.
“Nós vimos muita desigualdade em questões de alimento. Pessoas que têm mais condições, geralmente têm mais, e as mais necessitadas geralmente ficam com muito pouco, ou então, com sobras, restos. [O alimento] chega bem com o preço exorbitante que é além das expectativas. Preço exorbitante e agrotóxico também. Por mais que eles tentam fazer um alimento saudável, nós sabemos que nos dias de hoje todo alimento industrializado vem com muito agrotóxico. Isso tem um grande impacto não só na vida dos indígenas, como nos brasileiros em geral”.
Yohane Parakanã, 23 anos, aponta o garimpo ilegal, a grilagem, o desmatamento e o uso de mercúrio nos rios como as principais causas da destruição ambiental em seu território. Segundo ele, os danos causados são profundos e duradouros, com impactos visíveis.
“Tá cada vez mais quente. Tem plantas que não tão existindo lá. Nem nós mesmo aguentamos a temperatura do sol. Quando eu era pequeno eu sentia que o clima era tranquilo, menos calor”, diz Yohane, que afirma que a juventude indígena tem papel central na defesa ambiental. “Eu acho que a COP30 vai ser sobre isso. É muito legal a gente participar, é muito importante pra gente. E nós, juventude, levar a mensagem em um caso que envolve vidas das árvores, do índio, dos animais. Eu acho que a gente tem que continuar lutando sempre. Acho que a maioria da gente se preocupa mais com a natureza. Nós indígenas, a gente protege muito, entende? A discussão mais é sobre desmatamento. E é isso, a gente sempre briga [contra o desmatamento]. Todo dia”, complementa o parakanã.