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Trump, o novo Macartismo e os planos que deram errado

Parece que a maré está se voltando contra Trump, e a resistência multipolar ao atual governo está se fortalecendo

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15 de abril de 2025
12:00

Milhões de pessoas nos Estados Unidos estão vivenciando o momento que Chico Buarque de Holanda capturou em sua canção “Roda Vida”, de 1967: “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar / Mas eis que chega a roda-viva / E carrega o destino para lá.” Diariamente, aqueles que acompanham as notícias são dominados pelo caos produzido pelo atual governo, enquanto seus oponentes tentam entender as implicações de longo prazo das dezenas de novas políticas que Trump anuncia semanalmente por meio de decretos executivos.

Visto de fora, os planos de “eliminar a inflação no primeiro dia”, trazer empregos de volta aos Estados Unidos, expulsar milhões de imigrantes e fortalecer a economia americana estão fracassando. Parece que a maré está se voltando contra Trump, e a resistência multipolar ao atual governo está se fortalecendo.

Trump promoveu o “Dia da Libertação” como se fosse um episódio de “O Aprendiz”. O presidente garantiu que seu anúncio sobre uma política tarifária global ocorresse logo após o fechamento das bolsas de valores. Claramente, seus assessores temiam que os telejornais usassem uma tela dividida na qual Trump anunciaria seu plano tarifário enquanto, em tempo real, os mercados de Wall Street iriam desabar. Foi o que aconteceu horas depois: assim que os mercados asiáticos abriram, os valores das ações começaram a cair drasticamente.

A perda de US$5 trilhões nos dois dias seguintes provocou pânico em Wall Street. Com a economia mundial à beira do colapso, investidores imploraram ao governo para reverter suas políticas tarifárias. Economistas previram um aumento de até US$ 4.500 no valor que os consumidores teriam que pagar por produtos importados. Em todo o país, residentes e turistas correram para comprar novos iPhones, computadores e outro equipamento produzidos pela China.

Com os mercados em turbulência, no sábado, 5 de abril, milhões de pessoas foram às ruas em 1.400 cidades e vilas nos Estados Unidos para protestar contra as iniciativas de Trump e Musk. Alguns desses manifestantes haviam votado em Trump acreditando que ele conteria a inflação. Ficaram chocados ao ver como ele implementou uma redução geral no tamanho do governo federal. Eles também denunciaram as deportações de supostos membros de gangues venezuelanas para prisões de alta segurança em El Salvador, a remoção “acidental” de um salvadorenho sem antecedentes criminais e a insistência do Secretário de Estado Marcos Rubio de que estudantes internacionais podem ser deportados à vontade, sem qualquer recurso ao devido processo legal, com base em suas crenças passadas, presentes ou futuras.

Apesar da resistência, a sede de poder de Trump criou um clima político que alguns analistas comparam ao ataque da extrema direita à democracia durante o auge do macartismo no início da década de 1950. À medida que os Estados Unidos consolidavam seu poder global depois da Segunda Guerra, o clima ideológico do anticomunismo da Guerra Fria levou à ascensão de Joseph McCarthy um senador democrata conservador do estado de Wisconsin que alegava que centenas de membros e apoiadores do Partido Comunista norte-americano haviam se infiltrado no governo dos EUA. É uma acusação não muito diferente das atuais denúncias da extrema direita de que funcionários do governo com inclinação para o Partido Democrata constituem um “Deep State”. Sua suposta missão é impor políticas radicais de inspiração marxista ao país, enquanto Trump e seus aliados são alvo de perseguição especial devido aos esforços dos republicanos para anular os resultados das eleições presidenciais de 2020.

Sem qualquer prova, McCarthy usou acusações públicas para prender ou remover do serviço público milhares de supostos comunistas. No processo, implementou medidas investigativas questionáveis ​​para perseguir sua oposição, ao mesmo tempo em que sufocava as proteções do devido processo legal garantidas pela Constituição dos EUA.

Agora, em vez de ter que responder à pergunta “Você é ou já foi membro do Partido Comunista”, os “inimigos” de Trump são questionados: “Você se opõe ou já se opôs às políticas do presidente?”

As duas vítimas mais recentes da vingança política de Trump são Christopher Krebs e Miles Taylor, duas indicações políticas do primeiro governo Trump. Krebs, um oficial de segurança cibernética, supervisionou a análise dos riscos na corrida presidencial de 2020 e declarou que não houve fraude eleitoral. Miles Taylor publicou um livro intitulado Warning (Aviso) e assinou-o com o nome Anônimo, que documentou as atividades nos bastidores do primeiro governo Trump. O presidente acusou Krebs de traição sem fornecer nenhuma prova e ordenou que o Departamento de Justiça investigasse Taylor por “quaisquer casos em que sua conduta pareça ter sido contrária aos padrões de adequação para funcionários federais ou envolvido a disseminação não autorizada de informações confidenciais”. Esses decretos e outros que Trump emitiu contra escritórios de advocacia que defenderam ações judiciais contra o presidente (e que a maioria dos observadores jurídicos argumenta serem inconstitucionais), enviam uma mensagem de que ele usará todos os meios necessários para se vingar daqueles que ele acreditava terem sido desleais a ele.

Parafraseando Polônio, do Hamlet de Shakespeare: existe um método para sua loucura? Trump é um grande mestre em xadrez ou alguém que recua sempre quando é desafiado? O mercado se recuperou apenas parcialmente depois que Trump prometeu suspender a maioria das tarifas internacionais por 90 dias, ao mesmo tempo em que aumentaria os impostos sobre a China.

Assim que Trump e seus assessores entenderam que as tarifas de 145% sobre a produção de eletrônicos da China gerariam uma alta taxa de inflação nos Estados Unidos, o governo rapidamente emitiu outra isenção para essas importações.

Como indicam uma pesquisa recente, 40% da população considera o plano tarifário de Trump um desastre.

Ela se junta a outras derrotas sofridas pelo governo nas últimas semanas, como o histórico discurso do senador democrata Cory Booker, que falou durante 25 horas no plenário do Senado, oferecendo uma resposta “moral” às medidas de Trump destinadas a desmantelar o Estado de Bem-Estar Social e foi acompanhado por milhões online. No dia seguinte, o Senado aprovou um projeto de lei bipartidário, com o apoio de quatro republicanos, que teria delegado ao Congresso o poder de determinar tarifas sobre o Canadá, conforme estipulado na Constituição. De acordo com a legislação, se o Congresso não aprovasse futuras tarifas impostas pelo presidente ao Canadá em 60 dias, elas deixariam de existir. Porém, imediatamente após a aprovação da medida no Senado, os republicanos bloquearam a proposta na Câmara. Trump também ameaçou vetá-la, caso ela chegasse à sua mesa para assinatura. Mas, então, veio outra derrota. Naquela noite, os eleitores do estado de Wisconsin rejeitaram, por dez votos, o candidato de Trump à Suprema Corte Estadual — existem cortes de terceira instância em cada Estado eleitos pelos cidadãos. Elon Musk gastou US$ 25 milhões em doações de campanha, e a vitória do candidato apoiado pelos democratas foi um recado claro.

Embora a maré pareça estar se voltando contra Trump, ainda é muito cedo para prever a força contrária da ressaca que pode minar a eficácia da oposição. Ao mesmo tempo, cada dia, Trump tenta acumular mais poderes presidenciais. Será necessária uma frente forte e unida para derrotá-lo.

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