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Abin paralela: jornalista da Agência Pública foi alvo de monitoramento

Repórter Alice Maciel é citada no relatório da PF que investigou monitoramento ilegal no governo Bolsonaro

Reportagem
18 de junho de 2025
20:36
Antonio Cruz/Agência Brasil

A queda do sigilo do relatório da Polícia Federal (PF) sobre a chamada “Abin paralela” nesta quarta-feira (18), revela o monitoramento ilegal de autoridades da República e jornalistas, caso da repórter Alice Maciel da Agência Pública.

Maciel foi monitorada em maio de 2022 por investigadores que queriam determinar uma suposta “afinidade política” da repórter. As conversas de WhatsApp revelam a intenção de “investigar mais a fundo” a repórter para “ver o lado que a jornalista joga” e sua possível “ligação com políticos, que possam comprar matérias”, apesar de nada na carreira de Maciel, que está na Pública há sete anos, ter indicado qualquer falta de compromisso ou ética com o jornalismo.

A motivação para a pesquisa sobre a jornalista não fica clara nas mensagens reproduzidas pelo relatório da PF, trocadas entre o policial federal Marcelo Bormevet e o agente da Abin Giancarlo Rodrigues. O único argumento utilizado por Bormevet, que solicita o monitoramento, baseia-se em uma consideração de que Maciel seria uma “jornalista ‘left'”, rotulando-a como “de esquerda” e ligada ao Centro de Jornalismo Investigativo, o nome jurídico da Agência Pública.

Após a primeira busca, Rodrigues responde que a repórter não tem filiação partidária e nem fez doações de campanha, mas complementa: “amanhã tento aprofundar mais”.

Em maio deste ano, os dois se tornaram réus acusados de propagar “notícias falsas sobre o processo eleitoral” e realizar “ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçavam os interesses do grupo”, como parte da tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder.

Captura de tela de uma conversa no WhatsApp exibindo troca de mensagens sobre a apuração de vínculos políticos de uma jornalista. A imagem está relacionada às investigações sobre a atuação da chamada "Abin paralela".
Print onde repórter da Pública é citada está na página 236 do relatório da PF que tem mais de mil páginas

O monitoramento, baseado em suposições ideológicas dos agentes da Abin sob Bolsonaro e sem qualquer base legal, representa uma grave violação dos direitos fundamentais e um precedente perigoso para a democracia, avalia a direção da Pública. “A situação reforça a urgência de responsabilização dos envolvidos e a necessidade de mecanismos robustos para proteger a imprensa e a sociedade de abusos de poder”, diz o diretor e chefe de redação da Pública em Brasília, Thiago Domenici.

Dias antes do monitoramento, que ocorreu em maio de 2022, Maciel havia publicado reportagens que revelaram, por exemplo, que o então secretário nacional de Incentivo e Fomento à Cultura do governo Bolsonaro prometeu usar 1 bilhão de reais via Lei Rouanet em conteúdos pró-armas; e que verbas do orçamento secreto do Ministério da Educação tinham sido destinadas à empresa do pai de aliado de Arthur Lira; entre outras reportagens investigativas.

Além de Maciel, outros jornalistas foram monitorados pela Abin conforme consta no relatório da PF, entre eles Ricardo Noblat, Mônica Bergamo e Leandro Demori.

A Abin foi procurada pela reportagem da Pública, que questionou o órgão sobre o motivo da consulta ao nome da jornalista. Além disso, indagou se a investigação de jornalistas é uma prática comum da Abin ou se foi restrita àquele período.

A Abin também foi perguntada se pretende se retratar por ter investigado jornalistas e se possui controles internos para impedir que sua estrutura seja utilizada para investigações de pessoas sem justificativa.

Por fim, a Abin também foi questionada se considera válido investigar pessoas para avaliar seus posicionamentos políticos, com solicitação de investigação de pessoas por meio de conversas informais via WhatsApp.

Em resposta, a Abin afirmou que não comentaria porque a investigação está em andamento. Sob reserva, servidores disseram se tratar de um caso isolado.

Queda do sigilo traz mais revelações

O inquérito da PF detalha o uso do software espião FirstMile pela Abin entre 2019 e 2021. Adquirido por R$ 5,7 milhões, o sistema foi utilizado para realizar 60.734 consultas ilegais de geolocalização, rastreando celulares em tempo real de autoridades e figuras públicas.

O relatório da PF indiciou o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), além de outros envolvidos, por crime de organização criminosa.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi incluído no “núcleo político” da organização criminosa, responsável por “definir as diretrizes estratégicas da Orcrim [organização criminosa], determinar os alvos das ações clandestinas (opositores, instituições, sistema eleitoral) e se beneficiar politicamente das operações”.

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