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Brasil Paralelo usou documento falso para atacar Maria da Penha

Investigação da Procuradoria-Geral do Ceará apontou inconsistências nos registros apresentados pelo documentário

Reportagem
23 de julho de 2025
18:56
Maria da Penha durante evento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) da 18ª edição da Jornada Lei Maria da Penha
José Cruz/Agência Brasil

Investigação sigilosa da Procuradoria-Geral de Justiça do Ceará, a que a Agência Pública teve acesso, mostra que a produtora Brasil Paralelo usou um laudo falso em um documentário sobre a Lei Maria da Penha, um marco na proteção das mulheres contra a violência doméstica. A investigação apura a existência de uma estratégia organizada para invalidar a lei e desacreditar a ativista.

Segundo a investigação, o documentário aponta, falsamente, que teria ocorrido uma troca de laudos periciais nos autos do processo para favorecer a condenação do ex-marido de Maria da Penha, Marco Antonio Heredia Viveros. O filme mostra um suposto “laudo” que estaria em posse do ex-marido e não teria sido juntado ao processo.

Viveros tentou assassinar Maria da Penha duas vezes em 1983. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia – que a deixou paraplégica. Viveros disse à polícia que havia sido uma tentativa de assalto, em que ele também teria ficado machucado. Mas a versão foi posteriormente desmentida pela perícia. Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa, ele ainda a manteve em cárcere privado e tentou eletrocutá-la durante o banho.

O laudo falso mostrado pela Brasil Paralelo aponta que Viveros teria ferimentos que corroboram a sua versão de que foi rendido por assaltantes. No entanto, a análise pericial da Polícia Forense do Ceará mostra que o laudo é uma “montagem”.

Por que isso importa?

  • Documentário da produtora de extrema direita Brasil Paralelo contra a ativista Maria da Penha passou a ser investigado por mostrar informações distorcidas para gerar descrédito sobre a lei de proteção às mulheres;
  • A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, é considerada uma das legislações mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica contra as mulheres.

A perícia encontrou várias inconsistências: baixa qualidade de imagem, diferenças de espaçamento entre linhas, de assinaturas e imagem de carimbos e até erro de datilografia. “Dúvidas não há acerca da montagem do referido documento, utilizado, igualmente, no referido documentário da plataforma BRASIL PARALELO.”, disse o Ministério Público.

Os investigadores também tiveram acesso às mensagens de um grupo de WhatsApp chamado “Investigação Paralela – Maria da Penha”, que foi obtido no celular de Alexandre de Paiva, um influenciador que recebeu medida protetiva, foi afastado das filhas e, desde então, move uma campanha para descredibilizar a lei. Ele é um dos entrevistados do documentário.

No grupo, um produtor da Brasil Paralelo pergunta se Viveros tem “esse documento original”, “antes de ser adulterado”. O advogado de Viveros responde que havia digitalizado e enviado a Paiva, que ficou de mandar para a produtora.

Após citar essa troca de mensagens, o relatório transcreve um áudio enviado por Henrique Zingano, diretor do documentário. “Então tem tudo aí para ser um… uma puta resposta, assim pros caras, e… acabar com essa história de Maria da Penha de uma vez por todas”.

Nos trechos tornados públicos da investigação, não há menção de que os produtores do documentário perguntaram ou tentaram checar sobre a veracidade do laudo. A Pública pediu esclarecimentos ao Brasil Paralelo, que ainda não respondeu. O espaço permanece aberto.

O documentário com o laudo falso foi usado por Viveros como argumento para reabrir a produção de provas do caso. Em março deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU) ajuizou uma ação civil pública contra a Brasil Paralelo, pedindo indenização de R$ 500 mil por danos morais coletivos por desinformação sobre o caso Maria da Penha.

A investigação aponta ainda que o documentário não seria “um movimento espontâneo” de liberdade de expressão, mas sim “algo estruturado para atacar a imagem da Sra. Maria da Penha, o julgamento realizado pelo sistema de justiça do Ceará, na tentativa de minar a base de criação da Lei Maria da Penha e ainda, lucrar” (negrito do original).

O documento cita um áudio de Ricardo Ventura, outro entrevistado no documentário: “Vamos fazer… soltar o podcast e depois monetizar dentro da gente. Porque ganhar dinheiro não é pecado! Então é fazer a coisa certa e também monetizar da maneira correta para que todo mundo ganhe. Porque todo mundo botou energia, todo mundo botou tudo também. Entendeu?”, ele disse em um áudio enviado ao grupo de WhatsApp MARIA X MARCO”, também obtido do celular de Paiva.

Extratos bancários do influenciador mostram que ele recebeu R$ 7,6 mil em depósitos do Google e R$ 1,6 mil do Meta. A Pública já mostrou que a Brasil Paralelo gastou pelo menos R$ 305 mil para impulsionar 575 anúncios promovendo o documentário.

A segunda fase da operação Echo Chamber, deflagrada na semana passada, cumpriu mandados de busca e apreensão contra Viveros. A 9ª Vara Criminal de Fortaleza também determinou a suspensão de todos os episódios do documentário da Brasil Paralelo pelo prazo de 90 dias. A investigação segue.

O documentário passou a ser investigado por mostrar informações distorcidas para gerar descrédito sobre a lei e promover discurso de ódio.

A investigação criminal visa elucidar possíveis crimes de perseguição e campanha de ódio praticados contra Maria da Penha. A possibilidade de o laudo mostrado no filme ser falso foi levantado pela influenciadora sobre direitos femininos Caroline Sardá, que teve acesso ao original e enviou as suspeitas ao Ministério Público.

Depois da onda de ataques, Maria da Penha, símbolo da luta contra a violência contra a mulher no Brasil, teve que ser incluída no Programa de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos.

Edição:
Reprodução de imagens do documentário da Brasil Paralelo
Reprodução MPCE

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