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Da Redação

Tudo nas bets é pensado para viciar, alerta psicólogo Altay de Souza

Em entrevista à Pública, pesquisador defende proibição das apostas e alerta para impacto do vício na saúde e na economia

Da Redação
9 de julho de 2025
04:00
Arquivo pessoal

Tudo nas bets é projetado para viciar, e qualquer pessoa está sujeita a desenvolver um vício patológico. Essa é a análise de Altay de Souza, psicólogo, doutor em Psicologia Experimental pela USP e pesquisador com graduação em andamento em Estatística.

Em conversa com a repórter Laura Scofield durante uma live realizada na última segunda-feira (7), no canal da Agência Pública no YouTube, Altay abordou os aspectos sociais e psicológicos do vício e alertou sobre os impactos das bets em diversos setores, principalmente na saúde pública e na economia. A conversa íntegra a campanha de financiamento coletivo da Pública para produzir uma série de reportagens investigativas sobre o mercado das apostas.

Para Altay, as apostas esportivas, regulamentada por lei, são um dos principais problemas, já que alimentam a ilusão de controle: a falsa sensação de que, por conhecer futebol ou estatísticas, é possível prever o resultado dos jogos. Mas trata-se de um jogo de azar, cujo resultado é fortemente influenciado por algum dispositivo de aleatoriedade como a loteria, o jogo do bicho, o bingo ou cassinos online, como o popular ‘jogo do tigrinho’.

Segundo dados do Raio-X do Investidor Brasileiro, cerca de 23 milhões de pessoas apostaram em 2024. Entre elas, 16% (cerca de 4 milhões) consideram as apostas uma forma de investimento financeiro. O mesmo estudo aponta que, entre os usuários de aplicativos de apostas em 2024, 3 milhões de pessoas apresentam alta propensão ao vício.

“Se as bets sumissem agora, já teríamos um custo na casa de bilhões de reais para amortizar a perda de bilhões de pessoas, o impacto nos serviços públicos de saúde, absenteísmo, entre outras consequências que já foram geradas pelas bets até hoje. E a tendência é só crescer. É uma situação muito grave. Mesmo que você não jogue, com certeza conhece alguém em risco patológico”, explica.

Entre os fatores que aumentam o risco de vício, Altay destaca o tempo de exposição aos jogos e às propagandas, presentes em todo lugar, e a desigualdade social. O pesquisador explica que, em um país desigual como o Brasil, a maioria das pessoas não consegue investir pensando no longo prazo. Elas precisam ganhar dinheiro imediatamente para pagar boletos e contas urgentes. A bet entra neste ponto ao vender a ilusão de que é possível ganhar dinheiro rápido e fácil. “A pessoa não espera um ano para ganhar 200 reais. Ela quer ganhar 100 agora. Não é porque é imediatista: é porque o ambiente exige isso.”

As propagandas das casas de apostas, que associam o jogo à diversão, alegria e entretenimento, também têm papel fundamental na normalização do vício. Altay explica que, do ponto de vista psicológico, o sistema das bets é adaptativo: no começo, o usuário ganha mais, o que reforça a memória emocional das vitórias. Depois, passa a perder, mas já está condicionado a lembrar das suas vitórias. “Você lembra das vezes que ganhou, mas não das que perdeu. A memória emocional funciona assim: notícias boas ficam mais tempo, ruins te atingem no presente e somem […] A bet é mais um elemento em um cenário de desigualdade, violência, imediatismo e excesso de informação.”

No aspecto econômico, Altay chama atenção para a evasão de capital provocada pelo setor. “Quando você pensa em bet, a última coisa que você movimenta é a economia, porque o dinheiro evade do Brasil, já que boa parte das empresas estão fora do país. Basicamente, está paralisando toda a estrutura econômica do Brasil.”

Para ele, saber que você pode se viciar é o melhor jeito de evitar o vício. “Como cientista eu rogo para todo mundo: um pouco mais de consciência e brigar de fato para regulamentar, e quando digo regulamentar é proibir mesmo”, defende.

Investigar o império das bets é um assunto sério e urgente. Milhões de brasileiros seguem expostos diariamente a jogos que exploram a ilusão de controle e colocam a saúde mental em risco. Nesse cenário, empresas estrangeiras continuam lucrando sem transparência e com pouca ou nenhuma fiscalização. Com o seu apoio, queremos aprofundar essa apuração e responder quem manipula, quem lucra e quem perde nesse sistema. Estamos na reta final da nossa campanha, apoie o jornalismo independente. Clique aqui ou faça um pix para contato@apublica.org.

Confira a entrevista na íntegra:

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