Buscar
Reportagem

Nas cidades campeãs em royalties de petróleo, gasta-se muito, mas pobreza persiste

Cidades de ES, RJ e SP receberam R$ 150 bilhões desde 1999, mas índices de saúde, educação e saneamento continuam ruins

Reportagem
6 de agosto de 2025
04:00
Magno Borges/Agência Pública

Na ponta da língua dos defensores da exploração de petróleo na foz do Amazonas, está o discurso de que o combustível fóssil, principal responsável pelo avanço do aquecimento global, é sinônimo de desenvolvimento nas regiões em que se instala. Uma análise de indicadores socioeconômicos de municípios brasileiros que mais receberam receitas petrolíferas por habitante nos últimos anos revela, no entanto, um cenário bem menos promissor.

Vários desses municípios “petrorrentistas” aparecem entre os piores de seus estados em indicadores de pobreza, educação, acesso a saneamento básico, emprego e saúde, com desempenho muito inferior ao de cidades similares, que recebem pouco ou nenhum dinheiro do petróleo. Outros têm desempenho apenas intermediário, e apenas alguns poucos se destacam nesses quesitos, a despeito de todos eles terem seus cofres públicos turbinados.

Para chegar a essa conclusão, a Agência Pública analisou dez indicadores socioeconômicos dos 15 municípios que mais receberam royalties e participações especiais per capita entre 1999 e 2024, a partir de dados extraídos na plataforma InfoRoyalties, da Universidade Candido Mendes (UCAM). Também utilizou dados de orçamento e recursos humanos municipais cedidos pela equipe da plataforma FGV Municípios

A análise inclui 12 municípios do Rio de Janeiro, 2 do Espírito Santo e 1 de São Paulo. Somadas, essas prefeituras receberam quase R$ 150 bilhões ao longo do período em dados corrigidos pela inflação, cerca de R$ 95 mil por habitante, considerando a população estimada pelo IBGE em 2024. Para ser considerado entre os piores de seu estado em um indicador, o município deve estar entre os 33% de desempenho inferior. A metodologia completa está no fim da matéria e pode ser acessada neste link, que também contém a íntegra dos dados analisados.

A Pública também visitou dois deles: a capixaba Presidente Kennedy, campeã de dinheiro do petróleo per capita, e a fluminense Campos dos Goytacazes, maior recebedora em valores absolutos (13ª no ranking por habitante). Kennedy está entre as piores cidades do Espírito Santo nos dez indicadores, enquanto Campos tem desempenho apenas intermediário na maior parte dos índices. 

Na cidade do Espírito Santo, os royalties vêm permitindo benesses sociais e obras, mas boa parte da população segue sem saneamento básico e quase não há empregos fora da prefeitura. No município do Rio, moradores reclamam do caos na saúde, e a desigualdade persiste.

E a COP30 com isso?
  • Uma das principais expectativas em torno da 30ª Conferência do Clima da ONU, que será realizada em Belém, é que ela dê encaminhamento a uma decisão tomada em 2023, na COP28, em Dubai, de que os países iniciem uma “transição para longe” dos combustíveis fósseis. A medida é considerada fundamental para conter o avanço do aquecimento global, causado principalmente pela queima de petróleo, carvão e gás natural;
  • O Brasil, como anfitrião do evento, vem sendo cobrado para liderar esse esforço e dar o exemplo nas políticas internas. Mas os planos de abrir uma nova fronteira de exploração na Margem Equatorial, que inclui a foz do Amazonas, vão no sentido contrário;
  • A intensa pressão política tem surtido efeito, e a tendência é que a Petrobras obtenha a licença nos próximos meses para explorar o polêmico bloco 59, que fica na foz do Amazonas, a despeito de técnicos do órgão ambiental seguirem apontando fragilidades nas soluções apresentadas pela empresa. Outros 19 blocos foram leiloados recentemente na foz;
  • Se todo o petróleo que se estima existir na Margem Equatorial for queimado, isso emitiria entre 4 bilhões e 13 bilhões de toneladas de CO2, como revelou a Pública em 2023. Esse volume anularia os ganhos com desmatamento zero, tornando improvável que o Brasil cumpra sua meta de redução de emissões apresentada junto ao Acordo de Paris.

Para a apuração desta reportagem, ouvimos quase 40 pessoas, entre pesquisadores, servidores públicos e moradores de municípios petrorrentistas. O que une, de caminhoneiros e pescadores da região a especialistas que se debruçam sobre o tema há décadas, é a visão de que a abundância do petróleo nem de longe resolveu os problemas locais.

Pelo contrário, se multiplicaram casos de corrupção e pouco se investiu em projetos estruturantes e no desenvolvimento das potencialidades locais, que pudessem deixar um legado e gerar uma independência futura do dinheiro que vem dos poços de petróleo – que inevitavelmente vão se esgotar.



Este baralho analisa como os 15 municípios que mais receberam royalties de petróleo per capita no Brasil entre 1999 e 2024 estão em áreas como educação, saúde, saneamento, emprego e renda.



As notas foram calculadas com base na posição do município no ranking estadual.



A intenção é avaliar se o dinheiro do petróleo se traduziu em desenvolvimento social e econômico.



Cada município recebeu uma nota de 0 a 10. Quanto mais próximo da nota 10, melhor ranqueado em relação ao seu estado.



Para cada eixo temático, foi calculada a média das notas de indicadores dentro do eixo.



Eixo Educação: Nota do Ideb nos anos iniciais e finais do ensino fundamental (escolas municipais) e taxa de analfabetismo.



Eixo Saúde e saneamento: Mortalidade infantil (0 a 4 anos), Taxa de mortes evitáveis ajustada por idade e acesso adequado à água e esgoto.



Eixo emprego e renda: Estoque de empregos formais proporcional à população, proporção da população inscrita no CadÚnico e percentual da população em situação de pobreza.



Leia a metodologia completa no fim da reportagem.

Para piorar – pelo menos do ponto de vista da arrecadação desses municípios –, a demanda mundial pelo combustível fóssil pode estar perto de iniciar uma trajetória de queda. A Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que o consumo de petróleo começará a cair já a partir de 2030, em consonância com o acordo estabelecido na Conferência do Clima da ONU de Dubai (COP28), em 2023, de os países promoverem a “transição para longe” dos combustíveis fósseis.

Em algum momento, os royalties e participações especiais que pingam na conta dos petrorrentistas vão começar a secar – e os problemas socioeconômicos que os municípios não foram capazes de resolver tendem a se multiplicar.

“Maldição dos recursos naturais” vem se confirmando

Um dos sinais mais evidentes de que os royalties do petróleo não melhoram a geração de renda está na dependência das populações dessas cidades de auxílios governamentais, como fica evidente no número de registros no Cadastro Único (CadÚnico), que permite acesso a benefícios sociais. A despeito de terem orçamentos muito mais robustos do que seus vizinhos, nove dos municípios analisados estão entre os que mais têm pessoas no CadÚnico em seus estados, com mais de 50% da população cadastrada.

Além disso, nove têm mais de 25% da sua população abaixo da linha da pobreza (com renda familiar per capita inferior a R$ 218) – é o caso de Presidente Kennedy e Campos de Goytacazes.

Quando o assunto é acesso adequado à água, seis dos municípios avaliados estão entre os piores de seus estados, com índices que chegam a 76% da população sem acesso, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022, analisados pelo Instituto Água e Saneamento (IAS). Em relação a esgotamento sanitário, quatro estão entre os piores no ranking estadual, com até 98% da população sem acesso adequado.

No quesito educação, seis dos 15 estão entre os piores no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos primeiros anos do ensino fundamental de 2023, e apenas quatro estão entre os melhores nos anos finais. As notas mais altas obtidas pelos petrorrentistas foram 6,1, nos anos iniciais, e 5,3, nos anos finais – muito distante das melhores notas do país, acima de 9,0, registradas em municípios com orçamentos muito menores e que nunca receberam rendas petrolíferas.

Na saúde, mais da metade dos municípios analisados tem suas taxas de óbitos evitáveis e mortalidade infantil na faixa intermediária ou entre os piores dos respectivos estados. 

São reflexos da chamada “maldição dos recursos naturais” – ou “paradoxo da abundância” – que tem sido apontada pela ampla maioria dos estudos sobre o impacto das rendas petrolíferas no desenvolvimento dos municípios. Em síntese, esses locais não vêm conseguindo traduzir o aumento de arrecadação em melhorias efetivas na vida da população e acabam por se tornar dependentes desses recursos – uma tendência também observada por estudiosos de outros países ricos em riquezas naturais.

Uma das referências em pesquisa sobre a temática no Brasil é o programa de mestrado e doutorado em Planejamento Regional e Gestão da Cidade da UCAM de Campos dos Goytacazes, que além de manter a plataforma InfoRoyalties, usada no levantamento, também produz a revista semestral Boletim Petróleo, Royalties e Região.

A pesquisadora Lia Hasenclever, que coordenou o programa de pós-graduação até o fim de junho, aponta que os impactos positivos nos principais indicadores de desenvolvimento socioeconômico têm sido “muito pequenos”. “A gente tem observado que municípios que não recebem royalties e participações especiais têm um desempenho melhor na saúde e na educação do que os municípios que recebem. Há um impacto econômico, mas não há um impacto social”, diz.

Foi isso que observou a pesquisadora Aurimar de Paula Viana em seu doutorado no programa da UCAM. Ela avaliou o impacto das rendas petrolíferas nos indicadores de municípios do norte fluminense e do litoral sul capixaba. Dos 15 municípios analisados no levantamento da Pública, sete fazem parte dessas duas regiões.

Na tese, defendida neste ano, Viana aponta que “os municípios petrorrentistas não apresentaram indicadores de desenvolvimento socioeconômico muito melhores que os não petrorrentistas”, destacando que, em alguns casos, os municípios abastados tiveram desempenho pior que os demais.

Rodrigo Lira, também professor da universidade, aponta que “a maior parte” dos municípios fizeram “mau uso do dinheiro do petróleo”, especialmente os do primeiro “boom” de royalties, da Bacia de Campos, no início dos anos 2000. “Não tem nenhum caso positivo na nossa região [norte fluminense]. São João da Barra, por exemplo, tem um dos maiores PIBs per capita do estado e quase 70% das pessoas estão no CadÚnico. No geral, são casos mal sucedidos [de aplicação dos royalties] e péssimas administrações”, diz.

O contraste entre a promessa de riqueza vinda da extração do petróleo e a manutenção dos mesmos problemas socioeconômicos de sempre não é exclusividade dos municípios contemplados pela produção offshore de petróleo no Sudeste brasileiro, que são tema da maior parte das pesquisas no país.

A milhares de quilômetros das bacias de Campos e de Santos, no meio da Amazônia brasileira, Coari (AM) tem exploração de petróleo em terra há mais de três décadas, mas nunca chegou nem perto de se transformar na “Dubai Amazônica” que foi prometida. No final de 2023, uma série de reportagens do UOL revelou que faltavam remédios básicos na farmácia popular e a merenda de uma escola rural só durava metade do mês no município à beira do rio Solimões.

Muito dinheiro, pouco resultado

O que o levantamento feito pela Pública e vários estudos mostram é que os recursos até são alocados nas áreas sociais, mas isso não se traduz em melhora dos indicadores. 

Dos 14 municípios com dados disponíveis de gastos com educação – Carapebus é a exceção –, 12 estão entre os que mais investiram por matrícula em seus estados em 2023. Presidente Kennedy é a campeã no Espírito Santo (mais de R$ 45 mil por aluno), Ilhabela é a 11ª em São Paulo (R$ 32 mil por aluno) e Saquarema, Maricá, Quissamã e Arraial do Cabo estão no “top 5” do Rio de Janeiro (entre R$ 23 e 45 mil por aluno). Todas aportaram valores bem mais altos que a média dos municípios dos três estados, que não chega a R$ 17 mil.

Na saúde, os campeões de investimento dos três estados são municípios petrorrentistas: Presidente Kennedy, Ilhabela e São João da Barra. Outros oito municípios estão entre os que mais destinaram recursos no setor em 2023. O gasto per capita médio das 14 prefeituras que recebem royalties e que têm dados disponíveis ultrapassou R$ 3,9 mil, mais que o dobro da média dos municípios de Rio, São Paulo e Espírito Santo, de R$ 1,8 mil.

Mas se o dinheiro das rendas petrolíferas engorda o caixa das prefeituras e é efetivamente aplicado, porque isso não se reflete em melhorias efetivas nos indicadores? O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sergio Gobetti, autor de estudos sobre o assunto, tem uma possível explicação. 

“Esse recurso é usado muito mais em gastos de custeio [como pagamento de funcionários] do que de investimentos. Ou seja, muito mais em gastos que podemos chamar de improdutivos do que em gastos que poderiam melhorar a qualidade da educação ou da saúde”, diz.

Parte dos municípios analisados também se aproveitou do caixa robusto para inflar a máquina pública. Para driblar a proibição de uso das receitas petrolíferas na contratação de funcionários fixos, a estratégia foi contratar servidores temporários.

Dos 14 municípios com dados disponíveis, 8 estão entre os que mais gastam com a administração pública per capita em seus estados. Presidente Kennedy e Itapemirim são os campeões do Espírito Santo, Ilhabela está em sexto em São Paulo e Maricá é a campeã do Rio Janeiro. O gasto por habitante nos petrorrentistas foi mais de três vezes maior do que a média dos municípios nos três estados.

Quando se olha para a quantidade de funcionários por mil habitantes, 5 dos 15 municípios estão entre os com maior taxa, chegando a ter três vezes mais servidores do que a média. Presidente Kennedy lidera entre os municípios capixabas e, no Rio de Janeiro, Carapebus, Arraial do Cabo e Quissamã são as três prefeituras com maior número de funcionários em relação à população.

Também chama a atenção a dependência das rendas petrolíferas em relação ao orçamento total da administração pública nesses municípios. Saquarema (RJ), por exemplo, teve quase dois terços das suas receitas em 2023 vinculados ao dinheiro do petróleo. Nos 14 municípios com dados disponíveis, a média de dependência dos royalties e participações especiais foi de quase 40%. 

Municípios se tornam reféns das variações do preço do petróleo

Um dos motivos para isso é o que pesquisadores chamam de “preguiça fiscal”. Por causa da alta arrecadação via rendas petrolíferas, muitos municípios acabam por negligenciar outras fontes de obtenção de recursos, como impostos.

A combinação de “preguiça fiscal”, dependência das receitas petrolíferas e inchaço da máquina pública é uma bomba prestes a explodir: os municípios petrorrentistas se tornaram reféns das variações do preço do petróleo no mercado internacional e há o temor de que muitas prefeituras quebrem quando os royalties secarem.

  • Morador de Campos dos Goytacazes, cidade que recebe royalties de petróleo
  • Rua de Campos dos Goytacazes, cidade que recebe royalties de petróleo

Macaé, que concentra a maior parte dos empregos da cadeia do petróleo no Rio e apresenta os melhores indicadores entre os municípios analisados, testemunhou uma prévia desse cenário futuro. No meio da década passada, quando os desdobramentos da Operação Lava Jato afetavam as contas da Petrobras e o preço do barril despencava, a cidade passou de “capital nacional do petróleo” para terra do desemprego.

“Os royalties, que a princípio são apresentados como um impacto positivo, em geral criam uma dependência forte do poder público e da população dos municípios frente a essas receitas”, explica o pesquisador Gustavo Smiderle, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que participou de um projeto de educação ambiental sobre royalties do petróleo na Bacia de Campos, promovido pela universidade ao longo de uma década. 

“Isso pode eventualmente ajudar a perpetuar grupos no poder local, aumentar a dose de clientelismo, de corrupção, etc. São efeitos colaterais que acontecem”, diz.

Petróleo como “bala de prata” para o Amapá é “péssimo argumento”

A narrativa de que a riqueza do petróleo é a bala de prata para desenvolver o Brasil e seus municípios é adotada por políticos desde que os primeiros campos comerciais começaram a ser explorados. Começou com Getúlio Vargas e sua campanha “O Petróleo é nosso”, passou por José Sarney e a riqueza que “libertaria o país” e chegou até a descoberta do pré-sal, que Lula afirmou que seria uma “ponte para a erradicação da pobreza”

Agora esse mantra voltou à tona com o debate sobre a abertura de uma nova fronteira de exploração na Margem Equatorial. Ele é entoado pelo próprio presidente Lula, por figuras centrais da política energética brasileira, como o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e por políticos amapaenses, como o governador do estado, Clécio Luís (SD), e os senadores Randolfe Rodrigues (PT) e Davi Alcolumbre (União Brasil, presidente do Senado). 

Os políticos do estado nortista defendem que a extração do petróleo do bloco 59, localizado a 175 km da costa amapaense, é uma oportunidade para desenvolver o estado, que tem hoje o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. 

Para Sergio Gobetti, do Ipea, afirmar que o dinheiro do petróleo vai resolver os problemas socioeconômicos do Amapá “é um péssimo argumento, mas perfeitamente previsível vindo de políticos”. “Pelo que se vê na experiência do Brasil e na experiência do mundo, não há garantia nenhuma de que isso [o aumento de caixa com as rendas petrolíferas] vai se traduzir efetivamente em maior desenvolvimento do estado”, diz.

Posicionamento dos municípios

As administrações das 15 cidades avaliadas pela reportagem foram procuradas para se posicionarem, mas apenas Búzios, Ilhabela e Maricá enviaram respostas.

A prefeitura de Búzios disse “que os recursos oriundos dos royalties do petróleo têm sido aplicados de forma estratégica em diversas frentes, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e melhorar a qualidade de vida da população”. 

Afirmou que um dos principais investimentos foi na ampliação de saneamento básico, mas que também houve “avanços significativos” na área da educação, “com a construção, reforma e aquisição de novos prédios escolares”. 

Por meio de nota, a prefeitura de Ilhabela disse que “está adotando medidas para enfrentar a forte queda na arrecadação dos royalties do petróleo, que sofreu uma redução de 50% no início de 2025”. Um decreto deste ano determinou a redução, até 31 de dezembro, de 30% nas despesas custeadas com recursos provenientes dos royalties do petróleo e gás natural. 

O governo municipal disse também “que Ilhabela é uma das poucas cidades do Brasil – e a única no Estado de São Paulo – que realiza poupança com os royalties do petróleo com o Fundo Soberano” e que “reforça que o compromisso da gestão é assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do município, garantindo a qualidade dos serviços públicos prestados à população”.

Maricá afirmou que “vem implementando uma estratégia assertiva de desenvolvimento sustentável com o objetivo de reduzir gradualmente a dependência da cidade em relação aos royalties do petróleo”. Disse que “entende que os recursos do petróleo são finitos e, por isso, são utilizados para alavancar investimentos estruturantes e diversificar a matriz econômica do município”, fortalecendo setores como indústria, comércio, agroecologia e serviços, “por meio de parcerias com o setor privado”.

Sobre o fato de ter boa parte da população no CadÚnico e indicadores de acesso à água e esgoto entre os piores do estado, a prefeitura respondeu que “aplicou tanto e assertivamente nas políticas públicas que foi a cidade do estado do Rio de Janeiro que mais cresceu em população, e a nona do Brasil”. Segundo o governo municipal, o “salto demográfico” está relacionado ao impacto social de iniciativas como Renda Básica da Cidadania, Passaporte Universitário, transporte público gratuito e microcrédito solidário.

Disse que “reconhece que o saneamento básico é um dos maiores desafios históricos enfrentados pelas cidades brasileiras – especialmente aquelas que vivenciaram um crescimento populacional acelerado, como é o caso de Maricá nas últimas décadas”, mas que houve avanços com “investimentos estruturantes, planejamento técnico e ações concretas voltadas à ampliação da rede de serviços”. Leia as respostas na íntegra.

Se as outras prefeituras se manifestarem, o texto será atualizado.

Histórico e controvérsias sobre distribuição dos royalties de petróleo

A bonança de dinheiro do petróleo nas mãos dos municípios é relativamente recente. Até meados da década de 1980, a compensação financeira pela exploração de petróleo na plataforma continental  – onde se concentra a produção brasileira – era exclusividade da União, com os municípios recebendo apenas pela exploração em terra, que era diminuta. 

Com a redemocratização e um ímpeto de descentralização de recursos por parte dos congressistas, o dinheiro do petróleo offshore passou a incluir estados e municípios considerados “confrontantes” com os poços. Além disso, uma parcela menor passou a ser destinada ao “Fundo Especial”, que distribui o montante entre todos os estados e municípios.

Surgiu, no entanto, um problema: como definir quais os municípios que seriam os diretamente beneficiados? Se, na exploração em terra, o critério era o territorial, na exploração em mar, a decisão não era tão óbvia. 

A solução principal foi traçar retas que partissem dos limites litorâneos dos municípios, as chamadas “linhas ortogonais”, e retas paralelas à linha do Equador – se o campo de exploração está dentro das linhas, o município é confrontante.

No final dos anos 1990, durante a discussão da lei que quebrou o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo, congressistas aumentaram a alíquota de distribuição de 5% para até 10%, a depender da rentabilidade dos campos, a fatia destinada aos municípios confrontantes foi ampliada e foi criada a participação especial – compensação extraordinária em caso de produção muito alta. 

Foi graças a essas mudanças que os cofres dos municípios da região da Bacia de Campos e, posteriormente, com a descoberta do pré-sal, da Bacia de Santos, passaram a ser irrigados por bilhões do petróleo.

A justificativa “oficial” é que são os municípios confrontantes aqueles que seriam afetados em caso de um vazamento de óleo. Além disso, essas localidades arcariam com os prejuízos de desorganização demográfica e da maior demanda por serviços públicos causados pela exploração petrolífera. 

Para os especialistas ouvidos pela Pública, porém, não é bem assim. 

As plataformas de exploração de petróleo ficam a centenas de quilômetros da costa dos municípios e as correntes marítimas poderiam levar o óleo vazado para regiões distantes, que não são beneficiadas pelos royalties – o que é bastante provável no caso da exploração na foz do Amazonas, onde as correntes marítimas são particularmente fortes

Além disso, boa parte dos municípios que recebem royalties não sofreram impacto demográfico algum, já que o estabelecimento da estrutura e dos empregos petrolíferos se concentra em alguns poucos municípios, caso de Macaé. O critério, para os estudiosos, é “pura sorte geográfica” e acaba por criar desigualdades regionais. Menos de mil dos 5.570 municípios brasileiros recebem royalties e a maior parte recebe valores pequenos.

“Existem muitos municípios em que a única relação com a indústria do petróleo é o fato de receberem royalties. Ninguém nunca viu um petroleiro lá no fim de semana tomando uma cerveja. A única relação é que há um poço de petróleo a 200 km de distância da costa, ainda que essa proximidade não signifique nada”, aponta Rodrigo Serra, que é servidor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e está cedido ao Ministério Público do Rio de Janeiro. Serra é autor de uma tese de doutorado sobre a repartição dos royalties petrolíferos e um dos principais especialistas sobre o tema no país.

Os especialistas ouvidos pela Pública questionam também a centralização dos recursos na mão de municípios, muitos deles com populações diminutas e pouca ou nenhuma capacidade técnica e operacional para lidar com recursos vultosos e aplicá-los de maneira efetiva. Na visão deles, é a União quem teria capacidade de utilizar o montante mais adequadamente.

Para Serra, ocorre um “sequestro das rendas petrolíferas pelo poder local”, que impede que os recursos contribuam para o desenvolvimento e faz com que passem longe de promover “justiça intergeracional” – conceito que entende que, por serem finitos, os recursos naturais devem ser utilizados para beneficiar também as gerações futuras.

Em 2012, o Congresso aprovou lei que inverteria a lógica de distribuição dos royalties, destinando a maior parcela para os municípios não confrontantes. O texto foi vetado por Lula, mas o veto foi derrubado pelo Congresso. A lei, no entanto, foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Rio de Janeiro, em petição assinada pelo atual ministro Luís Roberto Barroso, então procurador estadual. Desde então, está parada na Corte.

Confira a metodologia usada na reportagem

A reportagem analisou o impacto da arrecadação de royalties e participações especiais (PEs) do petróleo sobre indicadores socioeconômicos de municípios de seis estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Norte e Amazonas.

Fonte dos dados e padronização

Os dados de royalties e PEs foram extraídos da plataforma InfoRoyalties, desenvolvida pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Os valores, referentes ao período entre 1999 e 2024, foram corrigidos pela inflação acumulada no período, com base em índices oficiais. O código pode ser consultado aqui, bem como a tabela com o seu resultado (tabela 1).

A partir do total arrecadado por cada município no período, foi calculado o valor per capita com base na população estimada pelo IBGE em 2024 (tabela 2). Os 15 municípios que mais receberam royalties e participações especiais por habitante foram selecionados para análise aprofundada — entre eles, 12 do Rio de Janeiro, 2 do Espírito Santo e 1 de São Paulo. Para avaliar a aplicação dos recursos e o desempenho social desses municípios, foram analisados dez indicadores socioeconômicos, considerando sempre dados mais recentes disponíveis, preferencialmente de 2023 ou 2024.

A descrição dos indicadores e das variáveis fiscais e administrativas analisadas, assim como as tabelas respectivas, estão disponíveis no GitHub da Pública.

Ranqueamento

Cada município foi ranqueado dentro de seu respectivo estado em cada um dos indicadores, sendo classificados em três grupos de desempenho: terço superior (melhores resultados), terço intermediário e terço inferior (piores resultados). Veja o resultado.

Resumo de dados

Com base nos rankings estaduais, foi criado um índice-resumo padronizado que orientou a construção do SuperTrunfo dos royalties — uma ferramenta visual para comparação do desempenho dos municípios em diferentes dimensões. Cada indicador foi convertido para uma escala de 0 a 10, de acordo com a posição do município no ranking estadual: quanto mais próximo da nota 10, melhor o desempenho estadualmente, enquanto a proximidade com a nota 0 corresponde aos piores resultados.

Os indicadores foram organizados em três grandes eixos temáticos:

  • Educação: inclui o Ideb dos anos iniciais e finais do ensino fundamental em escolas municipais, a taxa de analfabetismo;
  • Saúde e saneamento: reúne os dados de mortalidade infantil, taxa de mortes evitáveis ajustada por idade e acesso adequado à água e ao esgoto;
  • Emprego e renda: considera o estoque de empregos formais em relação à população, a proporção de moradores cadastrados no CadÚnico e o percentual da população em situação de pobreza.

Para cada grupo temático, foi calculada a média simples das notas dos indicadores que o compõem, resultando em três notas parciais. Veja o resultado.

Leia a publicação no The Guardian

Edição: | Dados: | Colaboração: | Ilustração:

Esta reportagem foi feita em parceria entre a Agência Pública e The Guardian.

José Cícero/Agência Pública
Divulgação
José Cícero/Agência Pública
José Cícero/Agência Pública
José Cícero/Agência Pública
Edilson Rodrigues/Agência Senado

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Vale a pena ouvir

EP 179 “Tomara que você seja deportado”

Jamil Chade fala sobre o declínio da democracia estadunidense, marcado pela perseguição a imigrantes

0:00

Leia de graça, retribua com uma doação

Na Pública, somos livres para investigar e denunciar o que outros não ousam, porque não somos bancados por anunciantes ou acionistas ricos.

É por isso que seu apoio é essencial. Com ele, podemos continuar enfrentando poderosos e defendendo os direitos humanos. Escolha como contribuir e seja parte dessa mudança.

Junte-se agora a essa luta!

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes