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Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, nesta terça (23), o presidente Lula fez um apelo para que todos os países apresentassem suas novas metas climáticas. Sem isso, disse: “caminharemos de olhos vendados para o abismo”. Não foi retórica.
O presidente, mirando os resultados da COP30, a Conferência do Clima da ONU que será realizada em Belém, em novembro, estava se referindo à necessidade dos países apresentarem neste ano suas novas NDCs – sigla em inglês para contribuições nacionalmente determinadas.
No jargão das negociações climáticas, as NDCs são os compromissos assumidos por cada país junto ao Acordo de Paris de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. A primeira versão das NDCs foi apresentada há 10 anos, na COP de Paris, seguindo um princípio de que cada nação colabora com aquilo que pode, sem imposição – daí a expressão “nacionalmente determinada”.
Isso foi fundamental para colocar todo mundo a bordo, mas, nesse espírito quase de “vaquinha pelo clima”, todo mundo prometeu só o que achava que conseguiria entregar, sem muita ambição. E, ao fazer a conta, viu-se que as metas ficavam muito aquém do necessário para cumprir o objetivo maior do Acordo de Paris, que é conter o aquecimento global em 1,5 °C. Ainda estamos no rumo de quase 3 °C.
Por isso se decidiu que as NDCs tinham de ser periodicamente revistas e agora, quando se comemoram 10 anos do acordo, chegou o momento de apresentar metas mais ousadas, condizentes com o necessário para evitar um aumento de temperatura catastrófico.
Só que o conturbado cenário geopolítico internacional não está exatamente favorável à ação climática. As entregas deveriam ter sido feitas até fevereiro – o que quase ninguém cumpriu –, então houve um chamado do presidente Lula e do secretário-geral da ONU, António Guterres, para que isso fosse feito até a Semana do Clima de Nova York, que coincidia com a Assembleia Geral da ONU.
Nesta quarta-feira (25), foi realizada a Cúpula do Clima, liderada por Lula e Guterres – um momento de mobilização para serem apresentadas as novas NDCs. “A ciência demanda ação. A lei exige. A economia compele. E as pessoas estão clamando por isso. Estou ansioso para saber como vocês responderão”, provocou Guterres, na abertura do evento de alto nível, com a presença de vários chefes de estado.
Lula também fez um novo apelo: “O Acordo de Paris deu aos países a liberdade de formular metas de redução de emissões condizentes com suas realidades e capacidades, mas a apresentação de NDCs não é uma opção, como deixou claro a Corte Internacional de Justiça. É uma obrigação”, disse, referindo-se à decisão do mais alto tribunal da ONU de que é obrigação dos países agirem contra a crise climática.
E seguiu: “Em um mundo em que graves violações se tornaram corriqueiras, deixar de apresentar uma NDC parece um mal menor. Mas sem o conjunto das NDCs, o planeta caminha no escuro. Só com o quadro completo saberemos para onde e em que ritmo estamos indo”.
O presidente brasileiro voltou a usar uma expressão que ele já tinha usado no discurso na Assembleia Geral, de que esta será “a COP da verdade”. “Essa COP vai ter de dizer se nós acreditamos ou não no que a ciência está nos mostrando. Se nós, líderes e chefes de estado, confiamos na ciência, nós vamos ter que tomar decisões, porque, se não tomarmos decisão, a sociedade vai parar de acreditar em seus líderes. E, em vez de fortalecermos a luta contra o aquecimento global, estaremos ajudando a desacreditar a política, o multilateralismo e a democracia. Todos perderemos, porque o negacionismo poderá vencer”, afirmou.
Vários países, de fato, fizeram suas novas submissões. Houve discursos de mais de 40 chefes de estado, mas “a verdade” é que talvez a gente ainda continue caminhando no escuro. E a COP30, em Belém, vai precisar responder a isso de algum modo.
A maior expectativa dos anúncios vinha da China. O país já há alguns anos é o maior emissor de gases de efeito estufa – responde por cerca de ⅓ das emissões globais e, em sua primeira NDC, tinha apenas prometido atingir o pico de emissões de dióxido de carbono por volta de 2030, se possível, antes.
Pequim havia sinalizado que agora traria de fato uma meta de redução das emissões de CO2 de modo amplo para toda a economia do país. Isso de fato ocorreu, mas ficou muito aquém do necessário.
Em um anúncio feito por videoconferência durante a cúpula, o presidente Xi Jinping se comprometeu em reduzir as emissões entre 7% a 10% até 2035 em relação ao pico, que ainda não se sabe se já foi alcançado. A promessa frustrou as expectativas de especialistas, que esperavam que ele trouxesse uma meta de redução de pelo menos 30% – número que seria mais condizente com o objetivo do Acordo de Paris.
O números de países com novas NDCs chegou a 53 ontem, mas é preciso que a maior parte dos 198 países que assinaram o Acordo de Paris faça isso. Grandes emissores faltaram à Cúpula do Clima, como Índia, Indonésia e Canadá, que cancelou a participação de última hora. E a União Europeia fez apenas uma “declaração de intenções” de que vai submeter formalmente sua NDC antes da COP30.
Já os Estados Unidos, segundo maior emissor da atualidade e o maior histórico, até tinham apresentado a nova meta no fimzinho da gestão de Joe Biden. Mas com Donald Trump tirando o país do Acordo de Paris, mentindo sobre a crise climática (que ele chamou de “maior farsa” em seu discurso na ONU) e fazendo de tudo para aumentar a produção de combustíveis fósseis, já sabemos que nenhuma contribuição para conter o aquecimento global de fato virá de lá.
Ou seja, as perspectivas não são boas.
“A diplomacia climática baseada em compromissos políticos como as NDCs não está funcionando no mundo de hoje. De um lado, a economia real avança mais rápido, como no caso da China. De outro, governos prometem mais e fazem menos. E ainda há os recalcitrantes, que lutam contra a transição. Estamos em um momento crítico e difícil. Belém vai ter que dar uma resposta coletiva, que neste momento ninguém sabe qual será”, me disse a especialista em política climática Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Alguns analistas lembraram, porém, que a China costuma ser bastante conservadora nas suas metas, mas tende a fazer mais do que prometeu. Isso tem sido observado nos últimos anos, com um aumento bem maior do que o esperado na entrada de energia eólica e solar na matriz energética chinesa.
“A China tem esse hábito de prometer menos e entregar mais. Eles geralmente, quando assumem um compromisso, é porque a situação no mundo real na China, o ritmo de transformação é mais elevado que a promessa que eles fizeram. Então é super positivo a China ter uma meta absoluta, apesar de ser um absoluto bizarro, porque é em relação a um pico de emissões que a gente não sabe se eles atingiram ou não”, comentou Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.
De todo modo, pondera ele, com o que está prometido neste momento, as NDCs certamente ainda colocam o planeta no rumo de aquecer muito mais do que 1,5 °C. Lembrando que, ao menos temporariamente, já ultrapassamos esse limite no ano passado.
Um pouco antes de começar a COP de Belém, cientistas vão divulgar um relatório fazendo justamente essa conta sobre o que as novas NDCs, se totalmente cumpridas, poderão resultar sobre a temperatura do planeta. Como o resultado deve ser ruim, a COP terá de apresentar algo a respeito. Lula sabe disso e ontem mesmo admitiu que a bola estará com Belém.
Quer saber o que podemos esperar disso? Escute a temporada especial do podcast Tempo Quente, que faz um esquenta para a COP30. A gente fala de NDCs, de financiamento, de combustíveis fósseis e muito mais.