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Entrevista

“Alguém tem que fazer alguma coisa”: velejador adere à flotilha para quebrar cerco a Gaza

Grupo tenta romper o bloqueio de Israel e levar suprimentos a palestinos

Entrevista
1 de setembro de 2025
16:00
Gulcin Bekar / Global Sumud Flotilla

“Alguma coisa deve ser feita”. Esse parece ser o mantra de Nicolas Calabrese, 33 anos, professor de educação física, morador do Rio de Janeiro e coordenador nacional do movimento de educação popular Rede Emancipa – grupo que realiza cursos pré-universitários gratuitos pelo país. Ele está em uma embarcação rumo à Palestina, mais precisamente, à Faixa de Gaza, como um dos voluntários da Global Sumud Flotilla.

O movimento, que em junho deste ano causou a prisão e deportação do brasileiro Thiago Ávila, cresceu e reúne nesta edição ativistas de 44 países. A primeira embarcação saiu da Espanha no último domingo, 31 de agosto. Outras partirão da Tunísia e da Itália, dia 4 de setembro. A previsão é que a flotilha (pequena frota de embarcações semelhantes) chegue à região de Gaza em torno de 13 de setembro.

Nesta segunda-feira, 1° de setembro, as embarcações voltaram para o porto de Barcelona em função de condições meteorológicas ruins. Nas redes sociais do grupo, foi divulgada a ocorrência de uma tempestade no mar Mediterrâneo.

Entre outros tripulantes, além de Calabrese, que é argentino e está no Brasil desde 2014, estão a ativista sueca Greta Thunberg, o diretor da Coalizão Flotilha da Liberdade Thiago Ávila, a eurodeputada francesa Rima Hassan, o ator irlandês Liam Cunningham e a atriz estadunidense Susan Sarandon.

Por que isso importa?

  • Segundo o Hamas, que governa a faixa de Gaza, mais de 60 mil foram mortas na Palestina desde 2023, quando teve início o conflito com Israel;
  • Entre eles, cerca de 18 mil vítimas eram menores de idade. Destas, pelo menos 313 morreram por desnutrição.

“O objetivo do movimento é quebrar o cerco que está sendo imposto na Palestina, principalmente em Gaza, por parte de Israel. E conscientizar os povos do mundo que não podemos aceitar [o bloqueio], mesmo que não seja no nosso país”, afirma Nicolas Calabrese, em entrevista exclusiva à Agência Pública.

A flotilha transporta suprimentos básicos, como alimentos, kits médicos e equipamentos de dessalinização, para aliviar a crise enfrentada pela população palestina. Segundo uma análise da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês), organização ligada às Nações Unidas (ONU), mais de meio milhão de pessoas em Gaza estão passando fome, marcada por inanição generalizada, miséria e mortes evitáveis.

O conhecimento marítimo e a experiência de navegação que Calabrese acumulou no Brasil foram importantes na hora de ser selecionado para participar da missão. Além de educador popular na rede Emancipa, o educador popular participa do Projeto Grael, idealizado pelos campeões olímpicos Torben e Lars Grael, que ensina natação, canoagem e vela para “promover a inclusão social de crianças e jovens”, segundo o site da organização.

Sobre os riscos que está correndo, o ativista não esconde a apreensão. “A gente sente medo, sim, obviamente. A gente fica muito preocupado com a integridade física nossa e de todos os companheiros que estão participando da missão”, declara.

Por outro lado, ele vê que a inércia de governos e sociedade civil precisa ser quebrada. No caso do governo brasileiro, Calabrese cobra um rompimento efetivo com Israel. “[O Brasil deveria] romper as relações comerciais, parar de vender petróleo, romper as relações diplomáticas com Israel. Mas a gente vê que isso não acontece”.

A delegação brasileira na missão internacional Global Sumud Flotilla tem outros nomes confirmados além de Calabrese e Thiago Ávila. São eles, a vereadora do PSOL em Campinas Mariana Conti, o servidor da USP e sindicalista Bruno Gilga Rocha, o ativista Lucas Farias Gusmão, o ativista do Movimento Global para Gaza João Aguiar, o médico e coordenador do Fórum Latino Palestino Mohamad El Kadri, a presidenta do PSOL-RS, Gabrielle Tolotti, a advogada e ativista do movimento Bem Viver Ariadne Telles, a comunicadora popular Lisiane Proença, a professora de educação física Carina Faggiani, o militante do Sindicato dos Trabalhadores da USP Magno Carvalho Costa, o professor e pesquisador da história islâmica Victor Nascimento Peixoto e a jornalista e advogada Giovanna Val.

A previsão dos voluntários é de estarem de volta ao Brasil no dia 18 de setembro.

Leia os trechos principais da entrevista de Nicolas Calabrese à Pública.

Qual foi a motivação para ser voluntário na flotilha?

A motivação foi a indignação com a situação do genocídio na Palestina e com o cerco que foi anunciado por Israel, que ia deixar sem comida, sem água e sem suprimentos essenciais os palestinos. E, de fato, fizeram o que falaram em 2023.

Eu acompanhei a antiga flotilha com a Greta, com o Thiago Ávila. Acompanhei muito de perto, achando uma ação muito corajosa. Quando, através do MES, do Movimento Esquerda Socialista [corrente interna do PSOL], fiquei sabendo da nova flotilha, me inscrevi como um dos voluntários que já possui conhecimento marítimo e de navegação.

Quais os objetivos do movimento e quais as expectativas pessoais para ele?

Os objetivos do movimento é quebrar o cerco que está sendo imposto na Palestina, principalmente a Gaza, por parte de Israel. E conscientizar os povos do mundo de que não podemos aceitar [o genocídio], mesmo que não seja no nosso país. Não podemos aceitar que só porque se tem dinheiro, se tem poder, escolha matar milhares de pessoas. Assassinar deliberadamente um povo completo, sem sofrer nenhum tipo de consequências por isso.

Os governos estão deixando muito a desejar em termos de respostas e de possíveis punições para um país que está dizendo que quer acabar com o povo [palestino]. E fazendo o que estão dizendo.

Você se sente seguro? Quais as maiores preocupações com segurança do movimento?

Bom, se sentir seguro não é muito factível nessa missão. A gente vê que Israel fere o direito internacional diariamente com muita impunidade, sem consequências reais, E os Estados Unidos ajudam a garantir a impunidade de Israel, mesmo [integrante] na Organização das Nações Unidas [ONU].

Então, a pergunta que fica sempre é se a gente tem medo. As pessoas acham que a gente não sente medo da insegurança [da missão]. E a gente sente medo sim, obviamente. A gente fica muito preocupado com a integridade física nossa e de todos os companheiros que estão participando da missão.

Mas, ao mesmo tempo, a gente acredita que alguém tem que fazer alguma coisa. A gente não está vendo nenhuma ação. A gente não está vendo nenhuma ação categórica de governos, de países, nem de empresas.

Há uma falta muito grande dos países mais poderosos para trazer alguma consequência para Israel. No caso do Brasil, de romper as relações comerciais, parar de vender petróleo, romper as relações diplomáticas com Israel. Mas a gente vê que isso não acontece.

Então, a gente tem medo, sim, mas alguma coisa deve ser feita. Alguém tem que fazer alguma coisa. E A gente fica muito feliz de ter uma flotilha tão grande, de mais de 44 países, de dezenas de barcos, de celebridades, de pessoas com muito conhecimento marítimo, de engenharia, de eletrônica, de navegação, de meteorologia, de logística, se organizando para fazer essa grande movimentação acontecer.

Edição:
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