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COP30 na Amazônia pode terminar sem citar combustíveis fósseis nem desmatamento

Colômbia lidera levante contra texto considerado inaceitável e negociação ainda deve seguir por muitas horas

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21 de novembro de 2025
16:03

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Depois da suspensão da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) nesta quinta-feira, 20 de novembro, após um incêndio em um dos pavilhões, as atividades em Belém retomaram nesta sexta-feira com novos textos sobre os diversos temas em jogo nesta conferência. As propostas feitas pela presidência da COP tentam acomodar as opiniões divergentes entre os países, mas a possibilidade de acordo ainda parece distante – e o que era para ser encerrado hoje ainda deve se estender por muitas horas.

Hoje foi apresentada uma versão apresentada do que vem sendo chamado como Decisão Mutirão – um documento que propõe encaminhamento para alguns dos temas mais complexos da negociação climática, como financiamento e insuficiência das metas de ação climática dos países. O texto decepcionou vários países por não trazer mais nenhuma menção a combustíveis fósseis, justamente aqueles cuja queima é a principal responsável pelo problema que se busca resolver aqui. Nem ao fim do desmatamento.

Apesar dos apelos feitos pelo presidente Lula, que voltou a Belém na quarta-feira,19 de novembro, e reforçou a demanda para que a COP comece a desenhar o caminho para abandonarmos os combustíveis fósseis, a resistência de cerca de 80 países ao tema, como Arábia Saudita, Índia e Rússia, de que falar de fósseis é inaceitável, acabou prevalecendo. Principalmente os árabes não querem nem ouvir falar disso se não houver garantia de financiamento dos países desenvolvidos para ajudar na transição. 

Do outro lado, porém, tem se manifestado de modo bastante eloquente um outro grupo, liderado pela Colômbia, com a mensagem oposta: sem uma menção aos fósseis, é impossível ter acordo. Nessas negociações, os países costumam citar o que é a linha vermelha para eles, o ponto que para eles é intransponível. Nesse caso, a linha vermelha é a mesma, com cada grupo de um lado da história.

Ontem à noite, o grupo de 40 países enviou uma carta a André Corrêa do Lago, presidente da COP30, afirmando que, “no formato atual, a proposta não alcança as condições mínimas requeridas para um resultado crível”. E foram enfáticos: “Não podemos apoiar um resultado que não inclua um mapa do caminho para implementar uma transição para longe dos combustíveis fósseis justa, ordeira e equitativa”.

A crítica apontava também a ausência de um encaminhamento para se lidar globalmente contra o desmatamento. “Uma liderança verdadeira requer entregar um texto que avance na resposta global à crise climática, não uma que reduza as expectativas para acomodar os mais relutantes”, aponta o grupo, composto por países europeus (como Áustria, Dinamarca, Alemanha, Espanha e Reino Unido); latino-americanos (como Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Panamá), países-ilha, como Tuvalu, Vanuatu e Ilhas Marshall; além de Quênia e Coreia do Sul.

Pela manhã, uma nova entrevista coletiva, semelhante à do início da semana, aumentou o tom da pressão. A Colômbia, amparada por cerca de 80 países, entre eles os que enviaram a carta ontem, lançou a Declaração de Belém e o anúncio de uma conferência no ano que vem, na cidade colombiana de Santa Marta, para discutir como os países podem fazer uma transição justa para o abandono dos fósseis. 

A ideia é ter um outro espaço, paralelo às COPs, onde países dispostos a trabalhar nessa agenda sigam em frente. Mas eles pedem que aqui na conferência também haja um encaminhamento nesse sentido válido para todo mundo.

“Do coração da Amazônia, povos indígenas, comunidades afrodescendentes, organizações camponesas, acadêmicos e movimentos sociais transmitiram uma mensagem que não podemos ignorar. Essa COP não pode terminar sem um roteiro claro e justo para a eliminação global dos combustíveis fósseis”, afirmou Irene Vélez Torres, ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia.

“Não estamos pedindo um documento vazio. Não estamos pedindo um anúncio vazio. Acreditamos que há um consenso crescente entre os povos do mundo. Como governos, somos responsáveis ​​por decisões que impactarão as gerações futuras e temos a responsabilidade moral de ecoar as demandas populares por justiça climática e pela eliminação dos combustíveis fósseis”, acrescentou. “Não vamos aceitar um texto que falha com a ciência e falha com as pessoas”, afirmou após a coletiva.

Ela foi respaldada por representantes de alto nível da Holanda, Vanuatu, Espanha, Tuvalu, Eslovênia, Ilhas Marshall, Panamá e Chile. Todos dizendo, de uma forma ou de outra, que é preciso ter um texto melhor, que seja à altura do desafio de combater a crise climática. Uma das declarações mais impactantes veio do representante especial para mudanças climáticas do Panamá, Juan Carlos Monterrey-Gómez, que afirmou ser inaceitável o texto no formato em que está e que ele não é uma base séria para a negociação.

Segundo ele, a proposta “falha com a Amazônia, com a ciência e com a justiça” ao não mencionar a transição dos fósseis nem o desmatamento e simplesmente não pode ser legitimado. “Falhar em nomear as causas da crise climática é negação, é criminoso. Uma COP na floresta não mencionar desmatamento é simplesmente impensável. Se não conseguimos concordar em parar o desmatamento aqui, na Amazônia, então onde?”, questionou. 

A bandeira levantada pelo presidente Lula propunha “mapas do caminho” tanto para os combustíveis fósseis quanto para o desmatamento. “As crianças do ensino primário estão lendo textos que têm mais base na ciência e na realidade do que textos que estão sendo produzidos nesta COP. Um texto sobre clima que não consegue mencionar combustíveis fósseis é um texto sem compromisso com a verdade”, disse Monterrey-Gómez.

Críticas de que o texto proposto está vago e não leva a nenhum avanço ecoaram também na sociedade civil e academia. “Isso é uma traição à ciência e às pessoas, especialmente aos mais vulneráveis, além de totalmente incoerente com os objetivos reafirmados de limitar o aquecimento a 1,5 °C e com o quase esgotamento do orçamento de carbono”, afirmou um grupo de cientistas, encabeçado pelo climatologista brasileiro Carlos Nobre. 

“É impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento. Nessas últimas horas, os negociadores devem trabalhar juntos para recolocar no texto os roteiros para um futuro mais seguro e próspero. A ciência está aqui para ajudar”, disseram.

As negociações estão a pleno vapor agora, com críticas pesadas, e a presidência da COP, em consulta com os países, vai ter de bolar um novo plano. É aquele momento em que tudo parece que vai desmoronar. Mas, pior. Na tentativa de manter o multilateralismo vivo, sem romper pontes, pode acabar resultando em algo fraco, sem real consequência para o combate à crise do clima. Enquanto chegamos cada vez mais perto do perigo.

Crispim Khisetje/ Fossil Fuel Treaty Initiative

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