Mesmo sem consenso com a base governista e após impasses com a oposição, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) conseguiu aprovar o projeto de lei de combate ao crime organizado (PL 5582/25). Fontes próximas a ele, atribuem a insistência em aprovar o texto a um “cálculo político” feito após a megaoperação contra o Comando Vermelho (CV), nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro – 121 pessoas morreram.
O projeto foi aprovado na terça-feira, 18 de novembro, com 370 votos a favor e 110 contra e endurece as penas para integrantes de organizações criminosas, cria novas regras para a apreensão de bens e monitoramento dos investigados. A proposta agora segue para o Senado, onde terá como relator o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). A expectativa do governo é incluir suas propostas no projeto nessa nova fase da tramitação.
“É claro que há uma força eleitoral e política forte envolvida nisso”, disse um dos deputados aliados de Hugo Motta sobre a urgência em aprovar o texto enquanto o tema segue “em alta” por conta da ação policial no Rio de Janeiro.
Por que isso importa?
- O Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados cria novas regras para o combate ao crime organizado no país.
- Entre os pontos polêmicos, está a divisão de recursos entre as polícias estaduais e a Polícia Federal.
Um outro aliado – que auxiliou na articulação do projeto – afirmou que o presidente não poderia ignorar a opinião pública diante da grande “pressão popular” evidenciada na pesquisa Quaest, que apontou a aprovação de 67% dos brasileiros em relação à operação na capital carioca. “Não tem moeda de troca, só se fala nisso. Fala-se de outra coisa no Brasil? Não, né. É a pauta”, destacou.
Nesse contexto, a proposta não pode ser observada de forma desprendida de um “jogo eleitoral”, como observa Daniel Hirata, professor e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense.
“O aumento de pena não terá um efeito efetivo no enfrentamento das organizações criminais. Então é muito barulho por nada do ponto de vista de quem está olhando para propostas direcionadas à área de segurança pública, não de quem está de olho no processo eleitoral”, explica Hirata.
“É importante separar essas duas coisas para entender o que tem a ver com a política e [o que tem a ver com] ações direcionadas à segurança pública; o que é, do ponto de vista de uma política de Estado, comprovadas medidas de atuação no enfrentamento aos grupos armados”, complementa.
“Jogo eleitoral”
Em coletiva à imprensa na terça-feira – ao lado de correligionários, além dos governadores do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL); e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) -, Motta reforçou ver o texto como uma “resposta à população” e “indignação com o momento que o país vive e o avanço das organizações criminosas”.
Esse tipo de discurso reflete como a opinião pública influencia as ações do parlamento, segundo o doutor em ciência política da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Rangel Ramos.
“Tendo um parlamento enfraquecido, especialmente pelo espectro da direita, quando a narrativa começa a falhar, quando a população começa a perceber que é um parlamento que legisla em causa própria, o espectro da direita tenta ganhar mais capital político assumindo para si esse projeto”, afirma.
“A pauta polêmica sempre vai ajudar no capital político. Do ponto de vista do marketing político, você tem uma propaganda gratuita porque a imprensa vai dar essa visibilidade”, avalia Ramos.
Motivos para insistir na aprovação rápida
Como presidente da Câmara, Hugo Motta tem acumulado desgastes na gestão, e passou a receber críticas constantes de seus pares, inclusive de aliados. A imagem negativa acentuou-se após Lula vetar uma das principais articulações do paraibano com sua base, o aumento de 513 para 531 cadeiras na Câmara dos Deputados. Além disso, a PEC da Blindagem, fortemente apoiada pelo presidente da Casa, foi alvo de protestos Brasil afora depois de ser aprovada na Câmara. As manifestações levaram o Senado a rechaçar a matéria e Motta sentiu o fracasso.
O “PL Antifacção”, renomeado para Marco Legal do Crime Organizado, reflete uma tentativa do presidente da Câmara em melhorar a própria imagem frente às críticas na compreensão tanto de parlamentares ouvidos pela Agência Pública como de especialistas.
A proposta inicial foi enviada pelo governo Lula, mas, para agradar a oposição, Motta concedeu a relatoria do projeto para o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), que licenciou-se da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo para abraçar a missão.
Com diversas alterações, foram apresentadas seis versões do texto até a aprovação final, o PL gerou reações da base governista que tentou barrar a votação, mas saiu derrotada.
A última reunião de Motta com líderes partidários sobre o projeto teve clima tenso e discussões entre o líder do PT, Lindberg Farias (RJ), e o relator, Guilherme Derrite.

O clima ficou acalorado após Derrite admitir que decidiu não comparecer à uma reunião com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e com a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann. O relator justificou a ausência por, segundo ele, ter sido procurado pelo governo somente no dia da votação.
Com a relatoria de Derrite – o projeto ainda enfrentou resistência da oposição, que buscava, entre outras mudanças, a redefinição de organizações criminosas “ultraviolentas” para “grupos terroristas”. A reivindicação, no entanto, não foi acatada; mesmo assim, o projeto avançou com o apoio de partidos do centrão e da extrema-direita.
Com o cenário desfavorável no plenário, o governo ainda tentou, sem sucesso, apresentar quatro destaques para reaproximar o projeto do primeiro texto, mantendo, por exemplo, no Fundo Nacional de Segurança Pública os valores confiscados de facções. A matéria aprovada, no entanto, prevê a divisão dos recursos quando houver atuação conjunta entre a Polícia Federal e forças de segurança pública estaduais ou distritais. Para governistas, esse rateio enfraquece a atuação da PF com a redução de investimentos.

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