O sol ainda não havia dado as caras. A lua encerrava sua aparição, enquanto uma fila se formava diante de um estacionamento em frente a uma padaria ainda de portas fechadas. A panificadora abre às 6h, mas por volta das 5h às primeiras pessoas começam a chegar para garantir o pão do dia.
A cena se repete diariamente em frente a uma padaria no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. Na fila, há idosos, adultos, jovens, adolescentes e crianças — acompanhadas por algum responsável. Para amenizar a ansiedade da espera, se escutam assuntos aleatórios, piadas e fofocas sobre quem passa.
Quando a porta automática se ergue lentamente, aqueles que estavam sentados ou agachados no chão se apressaram em levantar e abrir as suas sacolas. A porta alcança o teto e o funcionário mais aguardado caminha até a primeira pessoa da fila. Não há muito o que dizer. A objetividade impera. O funcionário abre a sacola e diz ao homem para ele pegar o pão, desde que não ultrapasse cinco unidades — naquele dia, a fila estava maior e os pães não eram muitos.
A fila avança. A última colocada demonstra preocupação. Não sabe se a quantidade de pão disponível será suficiente até a sua vez. Angustiada, ela comenta com a colega da frente que não conseguiu chegar cedo por conta de uma crise de enxaqueca que a fez perder o sono. Quando o despertador tocou, ela não resistiu ao cochilo de cinco minutos — que viraram quarenta — o que a fez sair apressada rumo à padaria, ficando por último na fila do pão.
Ela lamenta. Naquele dia a sua necessidade era maior. Além das três filhas, ela cuida dos filhos da vizinha, que está internada há dois dias com a pressão descontrolada. A fila segue. Na sua vez, ela abre a sacola, e o funcionário despeja os últimos três pães. Sem disfarçar a frustração, ela agradece a doação, desculpa-se por não ter conseguido chegar mais cedo e jura que no dia seguinte será a primeira da fila.
Ao perceber a angústia da mulher, o homem dos pães pergunta quantos mais ela precisa.
— De mais quatro!
Em pouco tempo ele retorna com outra sacola. Um sorriso leve surge no canto da boca da mulher, suavizando a preocupação. Sem dizer muito, ele coloca em sua sacola mais pães que ela havia pedido.
— Deus te abençoe grandemente, moço.
— O dobro pra você, moça. Vai com Deus, até amanhã.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) anunciou a saída do Brasil do Mapa da Fome há poucos meses. Com entusiasmo, o feito foi muito comemorado — e tem mesmo que comemorar. A fome é inadmissível.
Mas para além da Insegurança Alimentar (conceito que classifica quem passa mais ou menos fome), presente nos armários, geladeiras e panelas que não vemos, há outros aspectos despercebidos da fome no cotidiano: a presença de mulheres, que são arrimo de família, buscando frutas, legumes, verdura no fim da feira ou em porta de hortifrúti, homens pedindo doação de marmitas ou de cestas básicas e até famílias que saem de porta em porta pedindo alimentos.
Nem toda expressão da fome está na imagem de uma família jogada na calçada pedindo esmola. Tem muita gente com teto, mas com a geladeira vazia.
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