A criação de um código de ética para ministros de tribunais superiores no Brasil, encabeçada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, usa de inspiração o código de conduta alemão, que não prevê punições para quem não cumprir as orientações. Para especialistas ouvidos pela Agência Pública, a falta de sanções prejudica a efetividade da norma, que pode não alcançar os efeitos de transparência almejados por Fachin.
“Qualquer tipo de instrumento regulatório de comportamento tem que vir junto com algum sistema de incentivo ou punição para ele ter efeito”, explicou Gabriela Lotta, professora de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e integrante do Observatório Nacional da Integridade e Transparência do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que será responsável por elaborar uma proposta para o código.
Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil, também defende que o texto proponha “punições exemplares” a fim de “dar uma mensagem clara de Justiça, em vez de ter toda essa proteção e essa impressão de corporativismo que ronda quem tem poder”. Ela critica sanções “fracas”, como a aposentadoria compulsória com direito a salário integral. “A gente tem que brigar para que a punição não seja essa”, concorda Lotta.
Fachin assumiu o tribunal em meio a denúncias da imprensa sobre participações de ministros em eventos e viagens bancadas por empresas ligadas a processos que seriam julgados pelos magistrados. A mais recente delas envolve o ministro Dias Toffoli, relator do caso do Banco Master no STF, que viajou para assistir à final da Libertadores em Lima, no Peru, no mesmo voo particular que o advogado Augusto Arruda Botelho, que defende um dos diretores do banco.
O Código de Conduta para Juízes do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha define que os juízes só poderão aceitar “presentes e doações” se eles não suscitarem “dúvidas sobre sua integridade e independência pessoal” e obriga os magistrados a tornarem públicos valores recebidos em atividades não judiciais. A norma também estabelece um ano de quarentena após os ministros deixarem a corte, no qual eles não poderão prestar consultorias ou emitir pareceres técnicos.
Em novembro de 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos também adotou normas éticas. O código diz que os ministros não devem permitir que terceiros passem a impressão de que estão em uma “posição especial para influenciar a Justiça” e cita “restrições em aceitar e a proibição de solicitar presentes”, mas também não cria punições. O texto foi publicado após revelações do site investigativo ProPublica sobre envolvimento de membros do tribunal com empresários, como por meio de viagens custeadas para destinos luxuosos.
Por que isso importa?
- A existência de um código para magistrados pode prevenir situações de obtenção de vantagem devido ao cargo que ocupam, além de aumentar a transparência do poder perante a sociedade.
- Contudo, a falta de previsão de punições pode tornar a regra sem efeito prático.
A reportagem questionou o ministro Fachin, via assessoria do STF, se ele pretende defender a inclusão de punições à norma. O tribunal disse que “as discussões ainda são iniciais”.

Código indica reorientação da Presidência do STF
A criação de um código de ética para ministros de tribunais superiores marca mais uma diferença entre a atual gestão e a de Luís Roberto Barroso, que deixou a presidência do STF e se aposentou em outubro. Barroso tachava as críticas às participações de ministros em eventos de empresas interessadas em processos a serem julgados como “infundadas e improcedentes”, além de fruto de um suposto “preconceito” contra o empresariado.
Já Fachin abordou a necessidade de “transparência” quanto às “modalidades de remuneração” de juízes logo em seu discurso de posse, no final de setembro deste ano. De acordo com ele, a magistratura “exige tanto conhecimento técnico e equilíbrio, quanto firmeza moral, espírito público e um profundo compromisso com os princípios mais elevados da moralidade e de uma sociedade justa, livre e solidária”. O atual presidente também reforçou o papel “central” do CNJ em “prevenir, detectar e corrigir condutas potencialmente desviantes”.
Um de seus primeiros atos foi criar o Observatório Nacional da Integridade e Transparência do Poder Judiciário, que definiu quatro temas principais como prioridades para os próximos dois anos: transparência da remuneração da magistratura; ética, lobby e conflito de interesses; transparência de dados; e sistemas de integridade, aplicação de tecnologia e governança.
Para Sakai, a chegada de Fachin à presidência gerou uma “virada política” que pode criar as condições para aprovar o código. “A gente precisa avançar com um Judiciário que seja e que demonstre ser íntegro”, defende. Ela avalia, entretanto, que há “uma necessidade da sociedade apoiar e demandar isso também”, pois haverá fortes resistências. “É do interesse pessoal e privado deles [magistrados] de que isso não aconteça, de que pagamentos não venham a público”, explica.
“O que Fachin fez foi dar prioridade e uma visibilidade muito grande para esse tema como um tema central dentro do CNJ para orientar os trabalhos não só do STF, mas do resto do Judiciário”, complementou Lotta. Ela considera que esta “é a melhor janela de oportunidade que a gente já teve”, comparado a outros momentos em que houve tentativas de abordar o tema.
Em 2023, o CNJ rejeitou por 8 votos a 6 uma proposta que regulamentaria a participação de juízes em eventos. O texto, elaborado pelo então conselheiro Luiz Philippe Vieira de Mello, hoje presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), considerava a participação de magistrados em eventos de empresas ligadas a processos que eles julgariam como conflito de interesses. Os juízes também seriam proibidos de participar de eventos usados para difundir teses de empresas e o recebimento de presentes seria limitado a R$ 100.
“As medidas precisam ser implementadas e eu acho que precisa ter mais pressão social para isso acontecer”, finaliza Lotta. Depois de elaborado, o texto deverá ser aprovado separadamente no CNJ, que versa sobre os tribunais com exceção do STF — entre eles, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o TST —, e no STF, que define suas próprias normas e não se submete a controle externo do Judiciário.
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