O diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal), o bolsonarista Silvinei Vasques, decidiu manter as operações da corporação no domingo (30) das eleições mesmo depois de uma decisão tomada pelo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, às 23h00 do sábado (29). O ministro proibira qualquer operação contra “transporte público, gratuito ou não, disponibilizado aos eleitores” nos termos de uma resolução do STF (Supremo Tribunal Federal).
Vasques manteve as operações ao se aproveitar de uma brecha da decisão do ministro. Como Moraes falou em transporte de eleitores, Vasques mandou seguir o plano já traçado, mas agora com foco em quaisquer irregularidades previstas no Código de Trânsito Brasileiro. Na prática, ele jogou nas mãos das equipes nas rodovias a decisão sobre qual veículo parar e que tipo de rigor seria aplicado.
Ocorre que a PRF se converteu, nos últimos quatro anos, em um reduto bolsonarista e essas decisões das equipes nas rodovias, principalmente no Nordeste, resultaram na vistoria de 560 ônibus até às 14h55 do domingo, contra 297 em todo o dia de 2 de outubro, no primeiro turno das eleições. Nessa conta não entram os efeitos para a lentidão do trânsito e as fiscalizações em carros e motos. Quase a metade das fiscalizações em ônibus ocorreu no Nordeste, onde Lula (PT) teve forte votação no primeiro turno.
No sábado (29), Vasques havia postado em sua rede social um pedido de voto para o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL). A mensagem foi depois apagada.
Dois policiais rodoviários federais ouvidos pela Agência Pública — sob condição de anonimato por temerem represálias funcionais – explicaram que o ofício do diretor-geral na prática deixou a critério de cada equipe de fiscalização qual veículo parar. A consequência, numa tropa de ampla maioria bolsonarista, é que foram parados mais carros de eleitores do PT e em especial no Nordeste, conforme documentado por dezenas de vídeos e mensagens que circulam nas redes sociais desde a manhã.
“Estamos com uma quantidade muito grande de policiais na pista. Eles estão fiscalizando sem um foco muito definido, decidindo de forma mais autônoma, focada na segurança do trânsito. A ideia [do diretor-geral] foi retirar da operação aquela determinação anterior que fiscalizaria o transporte de pessoas. Eliminaram essa determinação, mas mantiveram a operação, deixaram que eles [policiais] fiscalizassem o que entendessem pertinente. É uma instituição muito forte de [tendência de apoio ao] governo e o policial tem seletividade nessa hora de escolher os veículos que vai parar”, disse um dos policiais.
Somente na tarde do domingo, conforme anunciado em entrevista coletiva na sede do TSE, em Brasília, o ministro determinou que a PRF parasse toda e qualquer operação no território nacional, incluindo aquelas que tratariam de supostas infrações ao Código de Trânsito Brasileiro – uma ordem que é diferente da primeira. Na entrevista coletiva à imprensa, Moraes mencionou que a PRF havia parado, ao longo do dia, “ônibus com pneu careca, sem condições de rodar”.
Moraes disse ainda que será apurado se houve, por parte da PRF, “desvio de finalidade, abuso de poder ou se houve engano de interpretação”, o que será levantado a partir de informações enviadas pelos procuradores eleitorais da República e pelos tribunais regionais eleitorais. “Se houve desvio de finalidade e abuso de poder, no âmbito do TSE é crime eleitoral e na Justiça comum, enviaremos para análise”, disse Moraes.
A decisão do ministro assinada no sábado proibia, até o encerramento do segundo turno, “qualquer operação da Polícia Rodoviária Federal relacionada ao transporte público, gratuito ou não, disponibilizado aos eleitores, nos termos da resolução do Tribunal Superior Eleitoral”.
Quase quatro horas depois, às 2h43 do domingo, Silvinei Vasques distribuiu a todos os superintendentes regionais da PRF o ofício-circular de nº 14/2022 no qual apresentou uma interpretação jurídica sobre a ordem do ministro e determinou a manutenção das operações no domingo.
Vasques primeiro citou uma decisão recente do ministro do STF Luís Barroso no bojo da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) número 1.013, ajuizada pelo partido Rede, que buscava garantir transporte gratuito no dia da eleição. Vasques transcreveu um outro ofício-circular produzido a partir de um parecer da Consultoria Jurídica da PRF. Segundo a interpretação, a decisão na ADPF “não impôs qualquer limite ao exercício da regular atividade fiscalizadora da Polícia Rodoviária Federal (art. 144, §2 da CRFB), ressalvada a já resguardada garantia de disponibilização de transporte gratuito, bem como a oferta de linhas especiais para regiões mais distantes dos locais de votação”.
A mesma argumentação de Vasques foi repassada a todos os policiais rodoviários federais na forma de um “informativo nacional extraordinário” que tratou de “orientações acerca da decisão proferida na ADPF nº 1.013 e as ações fiscalizatórias exercidas pela PRF”.
“A decisão [na ADPF] buscou vedar que os municípios e concessionárias reduzissem a oferta de transporte público nas eleições, dificultando o acesso dos eleitores aos locais de votação. Não há óbice quanto ao fornecimento do transporte gratuito, desde que de caráter geral e impessoal. A decisão proferida na ADPF não impôs qualquer limite ao exercício da regular atividade fiscalizadora da Polícia Rodoviária Federal (art. 144, §2 da CRFB), ressalvada a já resguardada garantia de disponibilização de transporte gratuito, bem como a oferta de linhas especiais para regiões mais distantes dos locais de votação”, dizia o informativo que reiterava a necessidade de manter as operações no domingo.