Buscar
Coluna

Um sete de setembro de alívio, não de entusiasmo

Estamos livres do golpismo, mas troca de Ana Moser por Fufuca expõe lacunas de nossa democracia

Coluna
9 de setembro de 2023
06:00
Este artigo tem mais de 1 ano

Quer receber os textos desta coluna em primeira mão no seu e-mail? Assine a Newsletter da Pública, enviada sempre às sextas-feiras, 8h. Para receber as próximas edições, inscreva-se aqui

Nunca comemorei o 7 de Setembro. Tinha 4 anos de idade quando o golpe de 31 de março de 1964 desabou sobre a democracia e o verde-amarelo, a data nacional e, sobretudo, o desfile militar tornaram-se símbolos de exclusão e violência para a minha geração. 

O hino nacional e as cores pátrias só ganharam significado para mim na vibração coletiva da Copa de 1970, quando era jovem demais para me sentir dividida, como tantos, entre o justo entusiasmo com a seleção e o receio de alimentar a propaganda do governo militar, que ultrajava o sentimento patriótico com o confisco da liberdade, a crueldade da tortura e a dor das famílias que choravam seus mortos e desaparecidos, eles sim, jovens patriotas e idealistas. 

O verde-amarelo só ganharia sentido novamente para mim no final da ditadura, quando tomou as ruas de novo na campanha das Diretas-Já. Não pude participar, mas acompanhei esperançosa, com minha filha de 5 meses no colo, o comício de mais de 1 milhão de pessoas no Anhangabaú, em São Paulo, naquele abril de 1984.

Apesar da exuberância da torcida, não foi uma vitória espetacular como a da Copa de 1970: tivemos que engolir a eleição indireta de Tancredo Neves e depois ver um personagem como José Sarney, ex-arenista próximo dos militares, colocar a faixa verde-amarela presidencial. Só em 1989, quando completei 30 anos, votei nas eleições para presidente pela primeira vez. 

Mas, ainda que as cores da pátria tenham voltado a brilhar na democracia, continuei associando a beleza do verde-amarelo ao esporte. Mil vezes um hino nacional cantado em um estádio de futebol ou em uma quadra olímpica do que em um desfile militar de 7 de Setembro, ao menos para a geração que viveu sob o jugo dos quartéis. 

O tempo mostraria que, talvez, não estivéssemos errados. 

Lembro a decepção da minha neta, então com 11 anos, quando soube que o 7 de Setembro havia se tornado motivo de preocupação – não de festa – no noticiário, na escola, na família, com a comemoração golpista do governo Jair Bolsonaro em 2021. Fiquei surpresa quando ela me disse, emocionada: “Ah, que pena, eu gostava tanto do 7 de Setembro, das bandeirinhas, do hino”. 

Entre minha geração, colhida pela ditadura na infância, a de sua mãe, nascida nas Diretas-Já, e a dela, que nasceu no segundo governo Lula, finalmente a pátria parecia ter se tornado um pouco mais “mátria”, como queria Caetano.

Depois do isolamento da pandemia e dos arroubos fanáticos do governo Bolsonaro, o 7 de Setembro pode ter parecido um tanto chocho este ano para esta geração, apesar da aplaudida presença do Zé Gotinha. Boa bastante, porém, para quem se recorda do medo de 2021 e da vergonha que foi o confisco do Bicentenário da Independência, no ano passado, pelos interesses eleitorais do presidente da República. Como esquecer o empresário Luciano Hang, em seu terno verde-amarelo, tomando o lugar do presidente de Portugal, em visita oficial ao país, na tribuna que se tornou palanque de Bolsonaro?

Por isso, enquanto escrevo neste 7 de Setembro, ligada nas notícias, meu sentimento é mais alívio do que entusiasmo. Mesmo aplaudindo a compostura do presidente Lula e o apropriado lema da cerimônia (“Democracia, reconstrução e união”), ainda se sentem as cicatrizes da ameaça recente. E tem mais.

Para as mulheres e para todos os que amam o esporte, este 7 de Setembro traz também um travo amargo da véspera, a nos lembrar como ainda é limitada a nossa democracia dominada por homens brancos: na quarta-feira, a atleta olímpica Ana Moser foi substituída no Ministério do Esporte por um Fufuca apadrinhado pelo deputado Arthur Lira. 

Para mim, que vi a beleza do verde-amarelo pela primeira vez no esporte, o golpe é duplo – na razão de mulher e em meu coração de brasileira. 

Ainda não será desta vez, minha neta, que vamos balançar juntas as bandeirinhas no Dia da Independência. Nossa “mátria” merece muito mais. Você verá.

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Aviso

Este é um conteúdo exclusivo da Agência Pública e não pode ser republicado.

Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes