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Com seguranças a tiracolo, procurador-geral da cidade “convidou” repórteres a deixar evento de Leandro Félix (União)

Reportagem
27 de setembro de 2024
04:00

Repleta de imensos silos de grãos e cereais, indústrias de processamento de carne e concessionárias de maquinário agrícola pesado, Nova Mutum (MT) é governada desde 2021 pelo atual candidato à reeleição Leandro Félix (União), vice-prefeito por dois mandatos consecutivos antes de ser eleito como cabeça de chapa. Félix integra o grupo da família do vice-governador de Mato Grosso, Otaviano Pivetta (Republicanos), um dos políticos mais ricos do país graças ao seu envolvimento com o agronegócio.

Por que isso importa?

  • A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados de Mato Grosso e Pará, e o município de Nova Mutum é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais. A região é extremamente marcada por fogo, conflitos e desmatamento, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.

A equipe da Agência Pública foi expulsa de um evento do candidato Leandro Félix na tentativa de falar sobre propostas de meio ambiente com o atual prefeito no sindicato rural do município, na rota da BR-163, em 21 de setembro. 

A reportagem fez contato com a campanha do candidato na véspera do ocorrido, pedindo um horário para falar sobre questões ambientais e de desenvolvimento. Sem resposta, a Pública foi ao evento para o eleitorado feminino realizado em local público, uma caminhada por cerca de 600 metros pelo centro da cidade até o sindicato rural. Ao chegar ao evento, a reportagem se identificou para a equipe do candidato.

Havia homens no local – assessores, cinegrafistas, seguranças e apoiadores do candidato do governador Mauro Mendes (União) para a prefeitura de Nova Mutum. O detalhe é importante, pois a questão de gênero foi usada como argumento para expulsar a equipe da Pública do sindicato rural de Nova Mutum.

Durante o percurso, homens não identificados observaram os repórteres, utilizando intensamente seus celulares. Não foi possível determinar se realizavam pesquisas sobre a equipe da Pública, se estavam se comunicando entre si ou repassando fotos e vídeos dos repórteres a terceiros não identificados.

Procurador-geral “convida” repórteres a se retirarem

Acompanhado de seguranças da campanha, um homem que se apresentou apenas como Alex “convidou” a equipe de reportagem a sair do sindicato rural pelo fato de os repórteres serem do sexo masculino, sem que o candidato respondesse às perguntas da Pública – cujo tema foi previamente comunicado ao assessor de imprensa de Félix, Ednaldo Nogueira, que não estava junto de Alex, e pelo menos outros cinco homens que escoltaram a reportagem para fora do recinto, impedindo a equipe de realizar seu trabalho jornalístico.

Após o evento, a Pública confirmou a identidade de Alex. Trata-se de Alex Brescovit Maciel, procurador-geral de Nova Mutum com idas e vindas desde 2013.

Na parte externa do sindicato, a reportagem explicou ao procurador-geral e ao restante do grupo o que fora combinado com a assessoria de Félix no início do evento. Logo no início da caminhada, o próprio candidato pediu à Pública que esperasse o fim do evento para a realização da entrevista.

“Vocês chegaram ontem de manhã na cidade, não foi? Por que procuraram o comitê só no fim da tarde? Por que não foram procurar o Leandro [Félix] lá na prefeitura, onde ele poderia atender vocês?”, disse Maciel. Mas a equipe da Pública não chegou ao município na data mencionada e, além disso, não comunicou ao procurador-geral ou a qualquer membro da campanha qual foi sua data de chegada a Nova Mutum.

A legislação permite que candidatos à reeleição para cargos executivos, como prefeitos, permaneçam no cargo, mas proíbe a realização de atividades relacionadas à campanha eleitoral na prefeitura. Quando questionado pela reportagem sobre limitações a candidatos à reeleição durante o período eleitoral, Maciel evitou a questão, afirmando: “O prefeito pode atender vocês depois, hoje não vai dar”.

Junto com sua esposa, Maciel é sócio do prefeito no escritório MRF (Maciel, Rossi e Félix) Advogados, especializado, entre outras áreas, em direito eleitoral. A firma do candidato e do procurador-geral de Nova Mutum também atua com direito imobiliário, incluindo casos sobre posse de terras, e “direito do agronegócio”.

Durante a caminhada, a reportagem conseguiu conversar rapidamente com um dos apoiadores presentes na caminhada até o sindicato rural de Nova Mutum, o secretário-adjunto de Integração Operacional da Secretaria Estadual de Segurança Pública de Mato Grosso, coronel da Polícia Militar estadual Cláudio Fernando Carneiro Tinoco.

O policial comandou batalhões da PM em Nova Mutum por mais de dez anos, sendo, inclusive, homenageado em 2019 com a honraria municipal “O Semeador”.

À Pública, Tinoco elogiou os mandatos de Leandro Félix e do governador Mauro Mendes (União) e comentou o avanço das queimadas pelo estado, que tem liderado o número de focos de incêndio no país ao longo da crise. “Minha opinião é que esse problema só se resolverá com a educação do povo”, disse.

Troca de acusações marca corrida pela prefeitura

Na reta final de campanha, os dois candidatos ao cargo de prefeito em Nova Mutum – Leandro Félix de um lado e o fazendeiro Diógenes Jacobsen (PSB) de outro – travam uma verdadeira batalha na Justiça Eleitoral.

Há acusações mútuas de ofensas e abusos nas propagandas eleitorais, com decisões favoráveis para ambas as partes pelo Tribunal Regional Eleitoral da 5ª Zona Eleitoral, responsável por julgar os casos no município. Na segunda quinzena de setembro, porém, Félix sofreu uma derrota na Justiça Eleitoral que pode lhe custar a candidatura.

A campanha de Diógenes Jacobsen o acusou de “abuso do poder econômico ou político” por usar em sua campanha imagens produzidas durante seu mandato , supostamente obtendo “vantagem indevida” na disputa.

O juiz Cássio Leite de Barros Netto, responsável pela 5ª Zona Eleitoral, ordenou, no último dia 15 de setembro, a “remoção da propaganda eleitoral com imagens pertencentes ao banco de dados da administração pública imediatamente”, de acordo com a sentença liminar do caso, obtida pela Pública.

“O atual prefeito e candidato à reeleição utiliza em sua propaganda política trechos de publicidade institucional produzida com o dinheiro público durante a sua gestão”, afirma o juiz da 5ª Zona Eleitoral, que destacou ainda “o fato do senhor Kacio Henrique da Silva Costa ter trabalhado como servidor comissionado no setor de publicidade do município e atualmente fazer parte da equipe de campanha” de Leandro Félix.

A reportagem apurou que a candidatura do prefeito interrompeu o uso das imagens sob suspeita. Até o fechamento desta reportagem, ainda não havia uma decisão definitiva sobre o caso por parte da 5ª Zona Eleitoral de Nova Mutum.

Conexões com a família do vice-governador de MT

A 241 km da capital Cuiabá, Nova Mutum é marcada pelo avanço do agronegócio e governada há quase duas décadas pelo mesmo grupo político do candidato à reeleição – o grupo da família Pivetta.

Advogado, Leandro Félix foi vice-prefeito do fazendeiro Adriano Xavier Pivetta entre 2013 e 2020. Adriano governou Nova Mutum por quatro mandatos, 16 anos ao todo, e é irmão do vice-governador de Mato Grosso, Otaviano Pivetta (Republicanos) – dono de um patrimônio de mais de R$ 200 milhões, conforme declarado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022.

Desde sua posse como prefeito em 2021, Félix fechou diversas parcerias com o governo estadual para obras estruturais, como a construção de um viaduto sobre a rodovia BR-163, e para entrega de residências populares a moradores de Nova Mutum.

A demanda habitacional é um dos gargalos da cidade, cuja população mais pobre, constituída em sua maioria por migrantes do Nordeste brasileiro, sofre com o alto valor dos aluguéis no município. Essa bandeira também é um dos principais focos da candidatura rival à do prefeito, de Diógenes Jacobsen, ex-vereador e fazendeiro que tenta assumir a prefeitura pela primeira vez.

Dono de um patrimônio de mais de R$ 19 milhões, o candidato pelo PSB conta com um apoio que abrange da direita à esquerda, incluindo os partidos MDB e Podemos e as federações Brasil da Esperança (formada por PT, PC do B e PV) e PSDB-Cidadania.

Tal como na capital Cuiabá, a campanha de Diógenes evita a cor vermelha na sua estética de campanha.

A Pública buscou o candidato para ouvi-lo sobre suas propostas relacionadas ao agronegócio e ao meio ambiente, mas não foi atendida. Sua equipe alegou problemas de agenda relacionados a compromissos de campanha com lideranças locais durante o período em que a reportagem esteve no município.

Edição: | Fotógrafo:
João Canizares/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
Magno Borges/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
João Canizares/Agência Pública
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João Canizares/Agência Pública
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Reprodução Prefeitura de Nova Mutum
Reprodução/ Escritório MRF Advogados
Reprodução/ Escritório MRF Advogados
João Canizares/Agência Pública
Reprodução/ Portal MT News
Reprodução/ Prefeitura de Nova Mutum

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