As sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e a aplicação de tarifas de 50% a produtos brasileiros são duas faces de uma articulação de Donald Trump em apoio a um de seus principais aliados políticos na América do Sul: Jair Bolsonaro (PL). É o que avalia o diretor de política internacional, Alex Main, do Center for Economic and Policy Research (CEPR), um think thank de pesquisa política e econômica em Washington, DC. “Isso é muito claro da carta de Trump, de julho, onde ele coloca isso no centro e chama o tratamento de Bolsonaro de ‘injusto’”, explicou à Agência Pública.
Na mesma quarta-feira, 20 de agosto, em que o deputado democrata Jim McGovern enviou uma carta aos secretários de Tesouro e Estado dos EUA, respectivamente, Scott Bessent e Marco Rubio, criticando o uso da Lei Magnitsky contra Moraes, a Polícia Federal (PF) indiciou Jair e Eduardo Bolsonaro sob suspeita de coação a autoridades que atuam na ação penal do golpe de Estado (AP 2668), justamente no contexto de articulação com o governo Trump. Para a PF, há provas de que pai e filho agiram de forma coordenada para pressionar autoridades brasileiras, buscando sanções dos EUA contra o Brasil.
McGovern, autor da Lei de Responsabilização do Estado de Direito Sergei Magnitsky de 2012 e coautor da Lei Global Magnitsky de Responsabilização pelos Direitos Humanos de 2016, classificou o uso da Lei Magnitsky contra Moraes como “vergonhoso” por “violar a intenção e propósito” da lei, “minando assim sua integridade e a enfraquecendo como ferramenta de responsabilização por violações de direitos humanos”. Moraes, em entrevista ao Washington Post, disse que as pressões de Trump não o farão “recuar um milímetro sequer”.
Jim McGovern: uso da Lei Magnitsky contra Moraes “viola a intenção e propósito” da lei, disse o deputado do Partido Democrata
Da Lei Magnitsky ao indiciamento da PF
O indiciamento de Jair e Eduardo foi resultado de investigação da PF, que expôs a articulação dos políticos nos Estados Unidos, por meio, por exemplo, de mensagens acessadas no celular do ex-presidente. O relatório diz que Eduardo “vem atuando, ao longo do ano de 2025, junto a autoridades governamentais dos Estados Unidos da América, com intuito de obter a imposição de sanções contra agentes públicos do Estado brasileiro, notadamente do STF, da PGR [Procuradoria Geral da República] e da Polícia Federal, sob o argumento de suposta perseguição política”.
O documento também afirma que Eduardo chegou a antecipar ao pai que a aplicação da Magnitsky contra Moraes estava “muito próxima” e orientou que Jair evitasse declarações públicas que pudessem associá-lo à sanção posteriormente.
“Os investigados não só tinham ciência prévia das ações que estavam por vir, como atuaram de forma coordenada, em unidade de desígnios, para concretização de sanções por governo estrangeiro contra o Estado Brasileiro”, diz o relatório.
O uso da Lei Magnitsky contra Moraes gerou uma restrição em sua entrada nos EUA e na utilização de cartões de crédito emitidos por bandeiras norte-americanas. Sem citar diretamente a Lei Magnitsky, o ministro do STF Flávio Dino afirmou que “o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam impor pensamentos a serem apenas ‘ratificados’ pelos órgãos que exercem a soberania nacional”. Dino também decidiu que leis e determinações de outros países não têm validade automática no Brasil.
Para Alex Main, do CEPR, há ainda outro episódio que ajuda a entender o contexto político atual. Ele destaca que a articulação de Elon Musk, hoje rompido com o governo Trump, já era uma resposta à atuação de Moraes contra o compartilhamento de desinformação em plataformas sociais. “O grande tipo de promotor de retaliação contra o Brasil por isso foi Elon Musk”, avalia.
O tarifaço de Trump foi anunciado poucos dias depois do STF ter decidido pela possibilidade de responsabilizar as plataformas sociais pelos conteúdos que nelas circulam, no julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Um relatório acessado pela Pública também revela que a investigação das práticas comerciais brasileiras, ordenada por Trump, atende aos interesses das empresas de tecnologia. O governo brasileiro está contestando a legitimidade da investigação.
A recente carta de McGovern faz coro à crítica anterior do investidor britânico William Browder, líder da campanha global que resultou na aprovação da lei, que criticou a aplicação da norma por Trump contra Moraes. Porém, outro deputado co-autor da lei Magnitsky, o republicano Chris Smith, apoiou seu uso contra o ministro do STF. “Ele foi alvo do forte lobby de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo”, afirma Main.
A Pública já havia reveladoque, em março de 2024, o mesmo Chris Smith tentou promover uma audiência sobre supostas violações de direitos humanos e silenciamento da “mídia de oposição” no Brasil na Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos na Câmara dos Representantes dos EUA. Smith dividia a presidência da comissão com McGovern, e o democrata havia barrado o evento. Mesmo com o cancelamento, os bolsonaristas mantiveram a visita ao Capitólio, onde começaram a articular sanções contra o Brasil. Posteriormente, conseguiram participar de duas audiências.
As tarifas contra o Brasil foram anunciadas em 9 de julho, e começaram a valer, com exceções, em 6 de agosto. Uma semana antes do anúncio, representantes da Embaixada dos EUA fizeram uma reunião amistosa com o Ministério das Comunicações (MCOM), na qual elogiaram a importância do Brasil para as empresas norte-americanas e propuseram parcerias e projetos conjuntos — informação também revelada pela Pública.
5 pontos centrais do indiciamento de Jair e Eduardo
Ação coordenada de pai e filho: o relatório aponta que Jair e Eduardo atuaram de forma conjunta na articulação de narrativas golpistas;
Asilo na Argentina: Jair cogitou buscar asilo na Argentina, em articulação de aliados diante do risco de prisão;
Ligação de Silas Malafaia: O relatório aponta que Malafaia teve papel ativo como interlocutor, reforçando a retórica político-religiosa em defesa de Bolsonaro. O pastor prestou depoimento à PF ontem (20), ao chegar de viagem ao exterior;
Descumprimento das cautelares: O ex-presidente descumpriu medidas cautelares impostas pelo STF, como ao participar de manifestações por telefone. Isso levou à decretação de prisão domiciliar;
Ligação a empresa de Trump: O relatório aponta contatos de aliados de Bolsonaro com empresas ligadas ao entorno de Trump, o que levantou suspeita da PF de alinhamento estratégico.
Eleição de meio de mandato pode mudar os rumos da política dos EUA
Main avalia que, ainda que a carta de McGovern não gere um efeito imediato, pois “os republicanos estão completamente alinhados com a administração de Trump”, ela gera um “clima de estranheza”, pois McGovern é um parlamentar com histórico de atuação na defesa dos direitos humanos, reconhecido inclusive pelos republicanos.
Na carta, o deputado democrata lembrou que não houve evidência de fraude nas eleições presidenciais brasileiras de 2022 reforçando que o fato dos resultados terem sido respeitados se deve às “salvaguardas constitucionais do Brasil” e ao apoio da diplomacia estadunidense a uma “transição democrática de poder”. McGovern citou ainda a Ditadura Civil-Militar de 1964: “Dado o papel dos Estados Unidos no apoio ao golpe de 1964, é responsabilidade moral do nosso governo reforçar a democracia brasileira — não miná-la”, concluiu.
Na avaliação de Main, as posições de McGovern “estão sendo ouvidas”, e ações mais efetivas podem vir a ser tomadas se os democratas reconquistarem o controle da Câmara dos Representantes na eleição de meio de mandato que ocorrerá no ano que vem. “É possível imaginar que se os democratas ganharem a Casa dos Representantes de volta, é provável que eles tomem algum tipo de ação para prevenir o uso da Lei Global Magnitsky e evitar que ela seja abusada e usada para fins abertamente políticos”.
O pedido de indiciamento de Jair e Eduardo foi enviado ao gabinete de Alexandre de Moraes, que o enviou à PGR. Caberá ao procurador-geral, Paulo Gonet, definir se oferece denúncia, se requisita novas diligências ou se pede o arquivamento da investigação. O julgamento de Jair Bolsonaro e dos outros acusados no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado começa na primeira semana de setembro.
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