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E agora, Bolsonaro? As 3 alternativas que poderiam livrar o ex-presidente da prisão

De recursos à anistia, segundo especialistas, Jair Bolsonaro tem meios de se livrar de prisão após condenação no STF

Reportagem
11 de setembro de 2025
19:19
Ton Molina/STF

Ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja a última instância da Justiça brasileira, Jair Bolsonaro (PL) ainda dispõe de meios de se livrar legalmente da condenação imposta a ele pela Corte devido à sua liderança na trama golpista que culminou no ataque às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. Bolsonaro foi condenado nesta quinta-feira (11), por 4 votos a 1, na Primeira Turma do STF. No entanto, segundo juristas ouvidos pela Agência Pública, há caminhos, jurídicos ou políticos, que podem impedir ou adiar a execução da pena, mesmo após a condenação do ex-presidente.

Por que isso importa?

  • A condenação de Bolsonaro segue os ritos judiciais já previstos pelo STF, que concede direito à defesa até que se esgotam as alternativas;
  • O julgamento, ainda que tenha caráter histórico, não se faz excepcional na aplicação do rito legal, o que é importante de se ter em vista, diante de possíveis acusações de impossibilidade de defesa ou cerceamento político da liberdade.

Os demais sete acusados do núcleo crucial da trama golpista também foram condenados junto a Bolsonaro. Nos casos do ex-ministro Braga Netto e do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, as condenações foram unânimes, por 5 votos a zero.

Ministro do STF fala ao microfone durante sessão de julgamento relacionada a Bolsonaro condenado.
Sem um placar de 3×2, que apontaria controvérsia, defesa de Jair Bolsonaro pode utilizar os embargos, previstos pelo próprio STF, para protelar a execução da pena, ainda que o recurso não seja capaz de reverter a condenação

Recursos

Há no próprio STF a previsão de recursos disponíveis à defesa de Bolsonaro para tentar adiar ou reduzir o cumprimento da pena que lhe foi imposta. O mais comum deles é o embargo de declaração, destinado a esclarecer possíveis omissões ou contradições na decisão da Corte.

Segundo o professor de direito penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rodrigo Costa, esse tipo de recurso não tem o poder de reverter a condenação, mas pode retardar a execução da pena até que o colegiado se manifeste.

Outro instrumento seria o embargo infringente, só aplicável quando há votos divergentes em pontos específicos da decisão. O voto divergente de Luiz Fux, no entanto, não foi seguido substancialmente pelos demais ministros, não abrindo espaço para que este seja um dispositivo provável de uso pela defesa e sendo incapaz de mudar o resultado do julgamento.

Ainda existe a possibilidade de uma revisão criminal, que pode ser proposta a qualquer momento, desde que se baseie em um novo elemento que não tenha sido conhecido durante o julgamento, um direito assegurado mesmo em caso de julgamentos com decisões unânimes.

Lula durante detenção na carceragem da Polícia Federal em Curitiba em entrevista à Agência Pública

Juristas ouvidos pela Agência Pública citam o caso de Lula como exemplo da possibilidade do STF rever entendimentos e anular condenações. Em 2021, a Corte declarou a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, reconheceu que ele não tinha competência para julgá-lo e determinou que os processos fossem transferidos para a Justiça de Brasília.

No caso de Bolsonaro, apesar de uma possibilidade, Costa considera improvável que algo semelhante ocorra, sem fatos novos que ponham em revisão o posicionamento da Corte, especialmente porque durante todo o processo da trama golpista, o STF já enfrentou acusações de incompetência e suspeição dos ministros e já as rejeitou.

Uma mudança futura na composição do STF poderia, em tese, abrir espaço para novos cenários de entendimento da Corte. “Se isso acontecer lá na frente, certamente será uma decisão muito mais política do que jurídica por parte do Tribunal”, opina Costa, acrescentando que nos cenários prováveis um movimento do tipo não teria efeitos práticos.

ista do Congresso Nacional em Brasília em dia ensolarado, com árvores em primeiro plano, cenário ligado a Bolsonaro condenado.
Aliados do Jair Bolsonaro já se mobilizam em nome de uma anistia que beneficie o ex-presidente, mas que pode esbarrar em constitucionalidade

Anistia

Entre as hipóteses levantadas por juristas para o futuro do ex-presidente está a aprovação de um projeto de anistia no Congresso Nacional. O Partido Liberal (PL), legenda de Bolsonaro, tem se mobilizado para emplacar a proposta que perdoaria os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

A advogada criminalista e mestre em direito penal Jacqueline Valles aponta que a anistia é um instrumento poderoso do Legislativo e, caso aprovada, teria grande força jurídica. O STF poderia ser acionado, mas, segundo ela, a Corte teria poucas margens para analisar o mérito da lei, restringindo-se mais a aspectos formais do processo legislativo em si. “A anistia é realmente uma possibilidade muito, muito clara dele ser condenado e essa condenação não ter efeito”, afirma Valles.

O professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Beçak avalia que a medida poderia alcançar o ex-presidente, desde que o texto fosse redigido de modo a contemplá-lo. Ele ressalta, no entanto, que há resistências políticas dentro do próprio Congresso: “Tem uma corrente no parlamento, como um todo, que até é a favor da anistia, mas não para o Bolsonaro […] Mas se ela passar, e se ela for votada, existe essa possibilidade, de englobar-se o núcleo um, inclusive o ex-presidente, e seria uma causa, sim, dele não cumprir a pena”, afirma Beçak.

Na mesma linha, Rodrigo Costa reconhece que a hipótese existe, mas lembra que ela pode esbarrar em princípios constitucionais. “Tecnicamente, é [uma possibilidade dele não cumprir pena]. Não há dúvida de que é. […] Mas desde que ela não tente flagrantemente invalidar as atribuições profissionais do Supremo e não invada o princípio da separação dos Poderes”, explica Costa.

Se aprovado no Congresso, o projeto precisaria passar pela sanção ou veto do Presidente da República, que ainda poderia ser derrubado no retorno do projeto ao Congresso.

Faixa presidencial do Brasil guardada em caixa de madeira, no contexto de Bolsonaro condenado, por chance de indulto presidencial.
Faixa presidencial confeccionada em 2007

Indulto

A chamada graça, um perdão individual concedido pelo chefe do Executivo, aparece no horizonte como carta na manga dos aliados de Bolsonaro. Em agosto, por exemplo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse ao Diário do Grande ABC que o indulto a Bolsonaro seria a primeira medida que ele tomaria se eleito presidente. “Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado”, afirmou.

A Constituição realmente garante ao presidente esse poder. Mas, como lembram juristas ouvidos pela Pública, ele não é ilimitado. O decreto de indulto em vigor, publicado em dezembro de 2024, proíbe expressamente a concessão de perdão a condenados por crimes contra o Estado Democrático de Direito, justamente os que pesam contra Bolsonaro, como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta da ordem constitucional. Também há restrição para réus por organização criminosa.

Isso não impede, no entanto, que um futuro presidente altere o decreto coletivo ou recorra à graça individual. Foi exatamente o que Bolsonaro fez em 2022, ao perdoar individualmente o ex-deputado Daniel Silveira.

Rosa Weber, então ministra relatora do caso, votou pela anulação do decreto de Bolsonaro e destacou que a concessão de indultos deve observar o interesse público, e não pessoal, pois isso representaria a instrumentalização do Estado para obter benefícios pessoais “de modo ilícito, ilegítimo e imoral”. O Supremo, na ocasião, decidiu por anular a medida.

Ministro do STF sentado na Corte durante julgamento sobre Bolsonaro condenado.
Há anos, o impedimento do ministro Alexandre de Moraes é pedido pela extrema direita, mas juristas afirmam que mesmo que impeachment fosse alcançado isso não geraria a revisão de suas ações na Corte

Impeachment, prescrição e mais: as dificuldades práticas no horizonte

Valles explica que nenhum dos crimes atribuídos a Bolsonaro é imprescritível e que, ainda assim, a prescrição não se colocaria como saída viável. Isso porque o cálculo do prazo prescricional leva em conta a pena concreta definida pelo tribunal, que no caso de Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de reclusão, o prazo prescricional levaria dez anos para ocorrer. “Mesmo ele tendo mais de 70 anos, ou seja, reduzindo pela metade o prazo prescricional, não vai dar”, afirma a advogada.

Sobre o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, a avaliação de falta de viabilidade é semelhante. Entre apoiadores de Bolsonaro, a hipótese já foi defendida como caminho para rever as decisões que levaram à condenação. Mas, segundo os juristas, a saída não teria efeito prático.

Beçak ressalta que a condenação não se restringe à atuação individual de Moraes, mas resulta de uma decisão colegiada do Supremo. “Um eventual impeachment contra o ministro Moraes, eu entendo, particularmente, que não anula nada do que ele fez até o momento de ele ser impichado. É a mesma coisa que a presidente Dilma, ou o Collor de Mello: terem sido impedidos pelo impeachment, não anula os atos que fizeram na presidência”, explica.

“Eu não vou dizer que é impossível, mas vou dizer que juridicamente é improvável. Porque tanto o impedimento quanto a suspeição dele já foram julgadas pelo plenário do Supremo e foram rejeitadas pelo plenário do Supremo Tribunal Federal”, complementa Costa.

Rosinei Coutinho/STF
Ricardo Stuckert
Antônio Cruz/ Agência Brasil
Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

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