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Em entrevista, sociólogo carioca alerta para os casos de morte ligados ao futebol neste ano, que podem chegar a 22, metade do que foi registrado em uma década

Entrevista
23 de outubro de 2012
08:00
Este artigo tem mais de 12 ano

A violência no futebol brasileiro já bateu o recorde em 2012. Nos primeiros nove meses do ano, analisados pelo sociólogo carioca Mauricio Murad, foram 17 mortes comprovadamente relacionadas a confrontos entre torcidas ou de torcedores com a polícia e cinco inquéritos ainda não concluídos que podem fazer esse número subir para 22.

Murad é doutor em ciência do desporto pela UFRJ e há duas décadas dedica-se ao estudo da violência no esporte. Junto ao núcleo de sociologia do futebol da UERJ, fundado por ele em 1990, o sociólogo produziu um levantamento de casos de morte por conflitos relacionados ao futebol entre 1999 e 2008, e documentou 42 óbitos em decorrência desse tipo de confronto.  O balanço está publicado no livro “Para entender a violência no futebol”, lançado este ano pela editora Benvirá. Daí a preocupação com os números de 2012: estamos perto de atingir em um ano a metade das mortes registradas em uma década.

“Isso acontece porque as autoridades brasileiras, o poder público, as instituições não reagiram à altura”, argumenta o sociólogo. Murad defende a criação de um plano de combate à violência no esporte com articulação nacional entre várias instituições públicas, como Ministério do Esporte e da Justiça, os Tribunais de Justiça, o Ministério Público e as polícias Civil e Militar. A atuação do plano, explica Murad, baseia-se em três pilares: repressão, prevenção e reeducação a exemplo de modelos de sucesso aplicados em países como a Inglaterra, a Itália e a Argentina.

O pesquisador critica o planejamento da Copa de 2014. “São muitos equívocos, mas muitos e muitos mesmo, no planejamento da Copa do Mundo. E um deles é esse. Achar que basta você planejar a segurança para o momento do evento”, argumenta.

Como se explica o fato de atingir esse ano mais da metade de mortes do que tivemos em uma década relacionadas a conflitos no futebol?

Uma constatação é que esse quadro piorou. Agora, por que piorou? Porque as autoridades brasileiras, o poder público, as instituições não reagiram à altura. Na década que foi pesquisada por mim, esses números chegaram a 42 mortes em dez anos e em uma escala crescente, porque nos primeiros cinco anos a média era de 5.6 mortes decorrentes da violência do futebol por ano, nos dois últimos anos dessa década a média já passou para 7. É um aumento extremamente preocupante. Mas não houve reação das autoridades brasileiras a não ser no plano da repressão, principalmente dentro dos estádios, apesar de o volume de violência e de morte ser muito maior fora dos estádios. Mas não houve prevenção, medidas de inteligência para desmonte dos grupos vândalos e delinquentes infiltrados nas torcidas organizadas. Embora o Brasil tenha leis e uma capacidade operacional bastante razoável, nós não temos de fato um plano, uma ação, nem mesmo vontade política por parte das autoridades no sentido de coibir esse horror que é a violência em torno do futebol. E mais preocupante do que esse aumento da violência, é a inoperância das autoridades públicas. Não é nenhum favor enfrentar esse problema, é uma obrigação constitucional.

Há algum exemplo positivo no enfrentamento da violência no futebol no Brasil?

No Rio houve uma determinação da chefe da Polícia Civil, a delegada Martha Rocha, junto com a Secretaria de Segurança Pública para criar um núcleo de ação coordenada juntando oito delegacias policiais [no Núcleo de Combate e Prevenção às Ações de Torcidas estão as Delegacias de Repressão aos Crimes de Informática, Defraudações, do Consumidor, Proteção à Criança e ao Adolescente, da Criança Vítima, de Atendimento ao Turista, de Apoio ao Turismo e de Homicídios], cada uma com sua especialidade para que todas agissem em rede para o controle da agressividade e da delinquência infiltrada no futebol. As especialidades foram orquestradas com base nos crimes que a experiência policial apontava como frequente no âmbito do futebol. Outra medida é a criação do Nage, Núcleo de Apoio a Grandes Eventos, também vinculado à Secretaria de Segurança Pública do Estado, que reúne Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Ministério Público, que age no sentido de controlar grandes eventos de massa em qualquer âmbito, do futebol à festa de final de ano do Rio. Uma terceira medida é que o Ministério Público e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entraram fundo nessa questão no sentido de não conceder habeas corpus para os torcedores presos em flagrante delito e de cobrar da Justiça que os inquéritos policiais fossem até o fim, e as punições levadas a termo de acordo com a legislação vigente. Também houve reunião com os presidentes dos quatro clubes grandes do Rio, Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo, para que eles se envolvessem no esforço de controlar e coibir a violência. E, finalmente, houve reunião com os chefes de torcidas organizadas. Então aí há uma série de medidas positivas, mas a estratégia, o projeto tem que ser nacional.

Por que?

Porque o Brasil é um país muito diferenciado em tudo: em renda, em oportunidades, opções culturais, escolaridade, e infelizmente, também em segurança pública. Então enquanto no Rio de Janeiro a gente avançou, vemos pelas viagens que faço com o meu grupo de pesquisa – visitas a estádios, entrevistas com torcedores no Brasil todo -, que no Nordeste, por exemplo, há torcedores entrando armados nos estádios. Sem nenhum tipo de revista na entrada, detector de metais, nada. Então é preciso um plano nacional, estratégico que não seja apenas uma resposta a um corpo morto, uma forma de dar uma resposta à mídia ou a pressões da opinião pública.

E como seria feito esse plano estratégico?

É preciso que se reúna três grandes momentos, com três grandes medidas: no curto prazo a repressão, no médio prazo a prevenção e no longo prazo a reeducação. Agora, uma medida não deve ficar esperando a outra, devem ocorrer ao mesmo tempo. No plano da repressão, é preciso agir de forma imediata, prender esses delinquentes intrusos e agressivos, levar os processos até o fim, e as punições à última instância, não conceder habeas corpus, fazer um trabalho articulado entre Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Justiça no sentido de aplicar a lei. Nós temos a Lei do Crime Organizado (9.034/95), desde 1995, temos o Código de Defesa do Consumidor (CDC), desde 1990, a própria Constituição Brasileira e o Estatuto do Torcedor que prevêem punição para aqueles que transgridem, agridem e confrontam os espaços da cultura coletiva. Mas não basta a repressão. Ela é necessária, mas não é por si só eficiente. É preciso que os setores de inteligência da polícia façam interceptação e quebrem os sigilos eletrônicos e telefônicos desses grupos vândalos, a lei permite e temos capacidade operacional para isso. Outro ponto é o rastreamento das redes sociais para que a polícia desmonte esses grupos e também os conflitos que são marcados pelas redes sociais. Nós fizemos uma projeção que conclui que prevenir é sete vezes mais barato do que punir. E prevenir é basicamente monitorar telefones e redes sociais e desmontar conflitos marcados pelos grupos vândalos. Ao mesmo tempo, devemos implantar medidas de longo prazo, de longo alcance, que são medidas educativas para mudar a cultura das torcidas organizadas de baixo para cima. E como se faz isso? Estabelecendo parcerias com os setores pacíficos das torcidas organizadas. Esses setores são a imensa maioria da torcida organizada. Então é preciso uma parceria com eles para isolar os vândalos. Se a gente viver esses três momentos, a gente consegue, se não resolver tudo, porque nenhuma sociedade conseguiu resolver 100% esse problema, pelo menos vamos conseguir isolar os vândalos e colocá-los sobre o controle social e da legislação.

E você vê algum sinal de um esforço nacional para enfrentar esse problema?

Infelizmente eu não vejo uma coisa planejada, consistente, com base em pesquisas científicas, e de curto, médio e longo prazo. O que eu vejo são medidas tomadas em cima de situações pontuais, como o corpo morto, que mobiliza a opinião pública em qualquer circunstância. Mas isso não basta. Não é possível agir emocionalmente perante esses grupos. Agora, por conta da proximidade da Copa das Confederações no ano que vem, da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos, há um pouco mais de iniciativas, mas que deixam muito a desejar, principalmente em termos nacionais, que leve em conta as disparidades de todos os estados brasileiros. Não adianta pensar em uma coisa só para Rio e São Paulo. Hoje, por exemplo, os estados que vêm apresentando um volume maior e mais preocupante de agressividade e de mortes são, comprovadamente, os estados de Goiás e do Ceará, principalmente nas capitais Goiânia e Fortaleza e suas regiões periféricas. É surpreendente que esses dois estados apresentem o quadro mais preocupante, porque a gente geralmente imagina que a violência é mais forte em estados com mais torcida, onde o futebol é mais competitivo e importante no sentido de impacto que ele provoca na vida coletiva, como São Paulo, Rio, Minas, Rio Grande do Sul, etc. Agora, a violência no futebol é expressão da violência geral na sociedade brasileira. Quando fomos estudar os dados da violência em geral no país, vimos que tanto em Goiânia quanto em Fortaleza a violência avançou muito. Então a gente percebe que não é à toa. E eu acho que o que a gente conseguir conter e coibir de violência no futebol vai ser um benéfico à sociedade como um todo.

Como você vê o planejamento para a segurança, por exemplo, na Copa de 2014? Há uma preocupação em deixar um legado na questão da segurança pública para enfrentamento da violência do futebol ou a segurança está sendo pensada mais para o evento em si?

São muitos equívocos, mas muitos e muitos mesmo, no planejamento da Copa do Mundo. E um deles é esse. Achar que basta você planejar a segurança para o momento do evento, enquanto que o caderno de encargos tanto da Fifa quanto do COI diz que um grande evento esportivo tem sempre que ter três grandes momentos: o antes, o durante e o depois. E o depois é esse legado, a herança que esses eventos esportivos deveriam deixar para a vida da cidade e das populações que receberam o megaevento. Eu vejo que estamos muito atrasados, a preocupação com o legado é mínima e há muitos equívocos. Por exemplo, o discurso oficial toda hora diz o seguinte: “Não, o público que vai estar na Copa é diferente das torcidas. É um público de maior poder aquisitivo, muitos turistas, então não vai ter conflito”. Isso é verdade, mas é um equívoco dizer que não vai ter conflito. Por que? Esse público vai estar dentro dos estádios e hoje o cenário mais preocupante de violência é fora dos estádios. Então esse argumento cai por terra. E mais: já está acordada uma parceria em que vão colocar telões gigantescos em espaços públicos para reunir as pessoas que não puderam ir aos estádios [esses serão os chamados Fan Fests da Fifa]. Em torno desses telões haverá uma multidão para assistir aos jogos. E aí mora o perigo. Então há uma série de equívocos, de desconhecimentos, faltam pesquisas, parcerias com quem está fazendo pesquisas, etc. Alguma coisa vai ser feita, é óbvio. Mas esses equívocos apontam que poderíamos ter uma herança bastante razoável e vamos ter alguma herança, eu imagino e desejo, mas ela vai ser pequena.

No seu trabalho, há a referência a três exemplos bem sucedidos de enfrentamento da violência no futebol. Os casos são da Inglaterra, da Itália e da Argentina. O que esses países fizeram?

Pela ordem de importância, temos primeiro a Inglaterra, que conseguiu os melhores resultados. O problema dos Hooligans não está totalmente resolvido, mas está absolutamente sob controle. Na Itália, há um processo mais recente, mas de impacto significativo. Na Argentina, esse processo está mais atrasado, mas já tem apresentado alguns bons resultados, embora o quadro seja preocupante ainda. O que eles fizeram lá? Fizeram primeiro um aumento e treinamento do efetivo policial e a criação de tropas especializadas. Porque a multidão é algo diferente do que a polícia está acostumada a lidar. Ela está acostumada a lidar com atos de transgressão individuais ou de pequenos grupos. A multidão é outra coisa, tem outra sociologia, outra psicologia. A polícia precisa entender isso, ser capacitada para entender e agir nessa situação específica de controle de multidão. Outra coisa importantíssima feita nesses três países e que nós podemos fazer aqui é um aumento do transporte coletivo nas saídas dos estádios. Na chegada aos estádios, cada um chega mais ou menos em um horário diferente. Na saída, todos saem juntos e aquela massa de gente está exacerbada, quase sempre há um vencedor e um vencido. Então é preciso um aumento do transporte coletivo para escoar facilmente a massa daquele local, porque a permanência ali é um elemento facilitador de agressão, brigas, violência e muitas vezes de mortes. No caso brasileiro, o transporte coletivo é concessão do Estado e o Estado pode estabelecer por contrato essas necessidades específicas. Outra medida adotada foi a de impedir quem foi preso em flagrante de voltar aos estádios enquanto aquele processo não for concluído. Na Itália e na Inglaterra, o cara que era preso em flagrante delito era condenado e, ao invés de se gastar muito com um sistema de identificação na porta dos estádios, o indivíduo era obrigado a comparecer à delegacia. E se ele não fosse? É um novo crime que se está cometendo, ele não é mais réu primário. Aqui isso já ocorreu, mas eu já ouvi casos que o torcedor se apresentava na delegacia e o delegado perguntava: “o que você está fazendo aqui?”. Nos três países, os caras tinham que fazer trabalho social, o que é uma medida repressiva, preventiva e reeducativa ao mesmo tempo.

Você citou um despreparo policial em compreender a multidão e agir para controlá-la. O quanto essa imperícia das forças policiais contribui para a violência no futebol? Qual é o peso disso?

O peso é enorme. Os torcedores ficam revoltados com isso pelo seguinte. Eu costumo dizer e até no meu livro está escrito que a natureza ética e jurídica da punição é se estabelecer uma diferença entre quem fez e quem não fez. Se você pune todo mundo, você não pune ninguém. E quem é agredido por não ter feito algo de errado fica revoltado e quem fez fica escondido na multidão. É a impunidade. A polícia teria que infiltrar policiais para pegar efetivamente aquele que está cometendo o ato ilícito e transgressor. A lei permite e isso já foi feito, eu mesmo acompanhei no Rio algumas experiências que deram super certo, inclusive no Maracanã, eu acompanhei isso, quando a polícia à paisana chegou e prendeu o cara, e só pegou aquele cara, que estava traficando drogas, os torcedores em volta aplaudiram. Isso tem um efeito simbólico enorme, a população aplaudindo as forças de Segurança Pública por ter se sentido protegida. Agora, imagina o contrário. Se ao invés de dois policiais infiltrados para prender o ilícito, chegassem vinte, trinta policiais dando cacetada em todo mundo, como acontece frequentemente. A revolta ia ser muito grande. As pessoas reclamam muito que a polícia é truculenta, que a polícia não sabe separar o joio do trigo e consequentemente os verdadeiros delinquentes se escondem e aqueles que estão ali pacificamente que querem exercer um direito humano de torcer pelo seu time não podem porque recebem cacetada só porque deram o azar de estar ali naquele momento. Então as forças policiais tem que ter treinamento e consciência para isso porque elas realmente saem batendo à galega.

E qual é a sua opinião sobre a extinção das torcidas organizadas?

Não adianta criminalizar a torcida organizada. Primeiro, quem faz a transgressão é uma minoria, então temos que ir para cima dessa minoria. Ponto dois: a criminalização da torcida organizada, que é uma medida midiática, passional, para atender a opinião pública, tem um efeito contraproducente. Se eu empurro toda a torcida para a clandestinidade, o que acontece? Fica muito mais difícil acompanhar e controlar esse grupo, justamente porque ele entrou na clandestinidade. Esse grupo não deixa de existir, só que agora ele não tem endereço, nome, CNPJ, e na marginalidade é mais difícil de controlar. Um terceiro aspecto é o seguinte: a lei criminal brasileira é muito clara, a pena não pode ultrapassar quem realmente cometeu o crime. Então por que que eu vou acabar com a torcida organizada se não foi ela como um todo que cometeu um crime? Quantas vezes a gente vê, por exemplo, nos noticiários, policiais civis e policiais militares corruptos cometendo um crime? E quem é punido? É a polícia como um todo? Ou aqueles indivíduos? E assim vale para tudo. Então por que que a torcida ainda sofre esse tipo de punição? Será que é preconceito porque a torcida tem uma origem popular? Não adianta fazer isso até porque a medida é totalmente ineficaz e desmoralizante. E a última coisa que a gente pode querer em termos de segurança pública é a desmoralização.

Você falou em aproximação com os setores pacíficos das organizadas. Como fazer isso?

Na prática seria o seguinte. No caso do Rio de Janeiro, o poder público poderia chamar a FETORJ, Federação das Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro, e dizer: “Olha, a partir de agora nós vamos fazer parcerias com vocês”. Como? Dando espaço para os caras na mídia, para mostrar que torcida organizada é muito mais do que esses casos de violência. Eles têm trabalhos sociais com música, com arte, campanhas de doação de sangue, mutirões para conseguir emprego aos associados, dão palestras sobre legislação, etc. Então dar um espaço para mostrar que a torcida é isso também, que ela também tem um papel social. Outra coisa é, ao invés de ficar só proibindo, promover coisas positivas. Por exemplo, criar ingressos promocionais para famílias, crianças, mulheres, idosos, deficientes físicos. Na experiência europeia e também na Argentina eu vi isso: quanto maior for o número desses grupos nos estádios, menor é a possibilidade de violência. É muito difícil o cara brigar quando está junto de sua família, por exemplo. E um terceiro aspecto vem da experiência com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), no Rio. O relatório da polícia diz que ela tem prendido mais traficantes não é nem pelo trabalho de inteligência e infiltração dos órgãos policiais. É principalmente pelo disque-denúncia. Protegida pelo sigilo, a população consegue fornecer informações que com maior frequência levam às prisões. E isso poderia ser levado para o futebol, porque a maioria quer paz, entretenimento no futebol.

Como a abordagem da mídia contribui para o fenômeno da violência no futebol?

Primeiro é o seguinte, o papel da mídia em fiscalizar e cobrar soluções é importantíssimo. Segundo, não é a mídia que inventa a realidade, que isso fique claro. A edição, especialmente da televisão, como você edita, o que você valoriza, que horas você coloca, o que você privilegia pode mudar tudo. Muitas vezes no contato que nós temos com a mídia, nós percebemos que a mídia não conhece o problema profundamente. Ela tem uma opinião, que é uma opinião do senso comum. Quarto aspecto, a maioria dos profissionais de mídia (não são todos, é uma boa parte, mas não são todos) tem uma visão muito mercantilista e quer vender jornal e horário de televisão. Então dá muito mais audiência, mais ibope, a gravidade, o fato extremo, a morte e a violência. Eu converso muito com os setores pacíficos das organizadas e eles reclamam: “Poxa, a gente faz uma porção de coisas positivas, tenta uma linha no jornal e não consegue. Agora, se a gente matar, se aparecer um estoque, um soco inglês, um tchaco, vira primeira página do jornal”. Um relatório da comunidade européia apontou que quando a mídia faz isso, sem consciência e sem intenção, torna-se co-produtora do hooliganismo, do privilégio à violência. Porque, do outro lado, nós ouvimos na pesquisa muitos torcedores que estavam constantemente envolvidos em atos de violência dizer o seguinte: “É sempre bom aparecer na mídia, seja por qual motivo for, porque a gente ganha as menininhas”. Quer dizer, isso glamuriza, você tira o indivíduo da invisibilidade social, o torna visível socialmente, mas pelo banditismo, pela transgressão. E quando ele tenta entrar na visibilidade pelo trabalho social, por uma questão ética, ele não tem espaço. O papel da mídia é importante no sentido de cobrar das autoridades maior empenho e no sentido de valorizar os setores pacíficos das torcidas e isolar os setores vândalos. Mas também pode ser contraproducente.

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