Em 1974, a RAND, uma empresa americana de pesquisa e análise das mais diversas áreas (de educação e artes à segurança nacional), veio ao Brasil para conduzir uma de suas pesquisas. Era o “Terrorism Research Project” – ou Projeto de Pesquisa em Terrorismo, em tradução livre – que além do Brasil, passou também pela Argentina, Uruguai, Guatemala, México, Haiti, Espanha, Sudão e vários outros países para conversar com oficiais do governo, empresários e diplomatas.
A pesquisa foi realizada a pedido do Departamento de Estado dos Estados Unidos, com o objetivo de ajudar na formulação de políticas e estratégias para lidar com situações de reféns. “A pergunta era ‘como o governo pode barganhar pela vida humana?’”, explica hoje Brian Jenkins, um dos pesquisadores que participou do projeto no Brasil.
Mas na época, a empresa não queria aparecer publicamente vinculada ao projeto. “O assunto em questão é, claro, sensível. É necessário, então, que as visitas dos pesquisadores sejam lidadas com extrema discrição”, informa Henry Kissinger, então Secretário de Estado. “Suas conversas devem ser consideradas informais e não oficiais. Considera-se adequada a aproximação discreta com alguns agentes do governo local, de discrição confiável. A RAND prefere que sua associação com esse projeto se mantenha confidencial e não revelada a público”.
Segundo os telegramas, ao sondar a possibilidade de conversar com oficiais brasileiros, o embaixador John Crimmins avisa o Departamento de Estado, que o Ministro de Relações Exteriores brasileiro não havia aprovado o projeto. Na época, o responsável pelo cargo era Márcio Gibson Barbosa.
Jenkins, porém, em resposta por e-mail à Pública, diz que os oficiais do governo foram “cordiais e cooperativos”. “Havia um interesse mútuo em entender como lidar com esse problema crescente”, observa o pesquisador sobre os sequestros realizados por guerrilheiros da luta armada contra o regime militar.
No telegrama de 14 fevereiro de 1974, os conceitos abordados citados no cabeçalho incluem “sequestro”, “situação política”, “pesquisa” e “guerra não convencional”.
Além dos sequestros do cônsul-geral japonês Nobuo Ozuchi e dos embaixadores Ehrenfried von Holleben, da Alemanha, e Giovanni Bucher, da Suíça, o foco da pesquisa foi o sequestro, em 1969, do embaixador Charles Burke Elbrick, feito em troca da libertação de 15 presos políticos.
No telegrama, Crimmins informa que os pesquisadores da RAND poderiam conversar com oficiais dos Estados Unidos e com William Belton, embaixador alocado em Porto Alegre, que tinha familiaridade com o caso do sequestro de Charles Elbrick por ter trabalhado de Washington com o caso. Os pesquisadores – além de Jenkins, segundo os telegramas, David Ronfeldt e Paul Hammond participaram do projeto no Brasil – também foram a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Sobre as conclusões da pesquisa realizada na época, Jenkins conta que o Brasil seguia uma política própria, que ia à contramão da não negociação e não concessões feitas por outros países. “Ao mesmo tempo”, fala, “o governo reprimiu duramente as organizações de guerrilha urbana envolvidas”.
Os detalhes do estudo, com análises dos casos, são confidenciais. “Por razões óbvias. Estes episódios ainda ocorrem em várias partes do mundo”, diz Jenkins.