Em conversas reservadas, pessoas ligadas à operação Lava Jato costumam chamar o advogado curitibano Rodrigo Castor de Mattos como “o irmão do procuradorzinho”. Se referem ao procurador Diogo Castor de Mattos, 30, integrante mais jovem da força-tarefa da operação.
Rodrigo é advogado criminal em Curitiba desde 2004, com ênfase em crimes contra a administração pública, o sistema financeiro nacional, a ordem tributária e lavagem de dinheiro, como detalha na página de seu escritório, Delívar de Mattos & Castor.
Os nomes dos irmãos são listados juntos em pelo menos cinco procedimentos judiciais que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Sérgio Moro. De lados opostos: o primeiro como advogado de defesa e o segundo como membro do Ministério Público.
A atuação de Rodrigo na Vara de Moro, onde tramitam todos os casos da Lava Jato, é bem maior que em todas as demais da Justiça Federal do Paraná. São 16. Na 14ª Vara, são sete. Nas demais, números inferiores.
Destas 16 ações, a grande maioria (13) é de depois de 2014, ano em que Diogo entrou na força-tarefa da Lava Jato. Ele ingressou na carreira de procurador federal em 2013.
A atuação de familiares no mesmo processo é vedada pelo artigo 258 do Código de Processo Penal. Diz o texto: “Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes”.
A força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) afirma que Diogo não atua nos mesmos casos que o irmão, embora ambos apareçam no rol das partes nos processos mencionados. Segundo o MPF, todos os integrantes da força-tarefa são relacionados nos processos, mas nem todos atuam em todos os casos.
Uma das ações em que os irmãos aparecem juntos é a que condenou o ex-ministro José Dirceu (PT) a 11 anos e três meses de prisão pelo recebimento de propina ligada à diretoria de Serviços da Petrobras. O ex-diretor da pasta Renato Duque e Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão de Dirceu, também foram condenados.
Nesse caso, Rodrigo é defensor de Eduardo de Meira, então dono da empresa Credencial, que teria sido usado para intermediar subornos ao ex-ministro. Ele foi preso na deflagração da 30ª fase da Lava Jato (“Vício”), em maio de 2016, e só foi solto da prisão preventiva em outubro do ano passado, após ter recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Outro caso é a delação premiada do marqueteiro de governos do PT João Santana e sua mulher, Monica Moura, presos na fase “Acarajé” da operação. Foi esse processo que chamou atenção do ministro Gilmar Mendes, do STF, e o levou a publicamente pedir que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue a relação entre os irmãos.
Na sessão de 11 de abril deste ano, o ministro aproveitou o julgamento de um habeas corpus do ex-ministro Antonio Palocci para falar sobre o assunto. Ele interrompeu o voto do colega Ricardo Lewandowski para afirmar que “a corrupção já entrou na Lava Jato, na Procuradoria”.
Primeiro, o ministro citou que o advogado Roberto Batochio o procurou para informar que estava deixando a defesa de Palocci por uma exigência da força-tarefa de Curitiba para as negociações da colaboração premiada do ex-ministro.
Mendes, então, citou Rodrigo Castor de Mattos. Segundo ele, haveria a exigência de que vários processos passassem pelo escritório do advogado. Depois que o caso se tornou público, a atuação teria passado a ser clandestina.
Rodrigo entrou como advogado de João Santana em abril de 2017. A delação premiada do publicitário, firmada em 8 de março do mesmo ano, foi negociada por um escritório parceiro, também de Curitiba, que pertence aos advogados Alessi Brandão, Beno Brandão e Juliano Campelo.
Na mesma sessão, o ministro cobrou explicações da Procuradoria sobre a atuação do ex-procurador Marcelo Miller, ex-braço-direito de Rodrigo Janot contratado pelo escritório que fechou o acordo de leniência com a JBS três meses depois de ter deixado o Ministério Público. “Não queria falar sobre isso mais uma vez, doutora Raquel, mas a corrupção já entrou na Lava Jato, na Procuradoria. Ou alguém tem dúvida do episódio, que hoje está nos jornais, da atuação de Fernanda Tórtima e Marcelo Miller? Um caso de corrupção. Isso tem que ser investigado, tem que ser dito”, disse Mendes. Miller nega irregularidades.
Na última sexta-feira (4), a assessoria de imprensa da PGR informou que não havia notícias sobre a abertura de um procedimento baseado nas alegações de Mendes. Segundo a instituição, deve haver uma formalização do pedido para que isso ocorra, o que não foi feito até então.
No dia seguinte às declarações do ministro, a força-tarefa do MPF divulgou uma nota em que rechaçou as acusações, chamadas de “notícias antigas e falsas”.
“A fala do ministro Gilmar Mendes desbordou o equilíbrio e responsabilidade exigidos pelo seu cargo, fazendo não só acusações genéricas e sem provas contra a atuação do Ministério Público Federal, mas especialmente imputações falsas contra o procurador da República Diogo Castor de Mattos com base em notícias antigas e em suposto ‘ouvir dizer’ de desconhecidos advogados”, diz trecho do texto.
A força-tarefa afirma ainda que Diogo não atua em nenhum dos casos envolvendo João Santana. E dá uma alfinetada em Mendes: “O procurador da República Diogo Castor de Mattos na força-tarefa da Lava Jato não atuou na investigação de João Santana por decisão própria […], comportamento esse que o próprio ministro Gilmar Mendes não observou quanto ao seu impedimento em medidas judiciais relativas ao investigado Jacob Barata Filho”. O ministro – que é padrinho de casamento da filha dele – concedeu três habeas corpus ao empresário carioca.
Outra irmã trabalha no escritório de Rodrigo como sócia-fundadora (mesmo cargo dele). É Analice Castor de Mattos, especializada nas áreas de direito empresarial e aduaneiro.
Analice, Rodrigo e Diogo são filhos do falecido procurador de justiça Delívar Tadeu de Mattos e de Maria Cristina Jobim Castor de Mattos, que, por sua vez, é irmã de Belmiro Jobim Castor, ex-diretor do Bamerindus, ex-secretário do Paraná por diversas vezes entre os anos 1970 e 1980 e integrante do Conselho Superior da Associação Comercial do Paraná.
A genealogia foi compilada pelo cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ricardo Costa de Oliveira. Ele fez o mesmo com os demais integrantes da força-tarefa, magistrados e advogados ligados à operação.
O resultado, segundo o pesquisador, é que todos descendem de nomes importantes do cenário político e judiciário regional, evidenciando parentescos e proximidades entre eles. O trabalho será apresentado na segunda quinzena deste mês.
A reportagem da Pública procurou Rodrigo e Diogo Castor de Mattos. O primeiro disse que não tinha interesse em falar sobre o assunto. O segundo chegou a marcar uma entrevista para falar, mas desmarcou uma hora antes. As perguntas foram enviadas por e-mail no mesmo dia, mas, até o momento, não foram respondidas.