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Checagem

Os acertos, exageros e erros de Guilherme Boulos

Presidenciável usou dados corretos sobre investimento em educação e déficit habitacional, mas exagerou ao falar sobre Previdência e concentração da imprensa

Checagem
26 de abril de 2018
09:00
Este artigo tem mais de 6 ano
O coordenador do MTST, Guilherme Boulos, que participou de uma sabatina no Twitter
O coordenador do MTST, Guilherme Boulos, que participou de uma sabatina no Twitter

O discreto Guilherme Boulos (PSOL) sempre evitou entrevistas e raramente expunha sua vida pessoal, como mostra um perfil feito pela Agência Pública em fevereiro de 2017. Desde que foi lançado como pré-candidato à Presidência em 10 de março, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) mostrou-se mais receptivo às investidas da imprensa e tem falado publicamente com mais frequência. Em 10 de abril, ele participou de uma sabatina no Twitter, transmitida ao vivo pela plataforma.

Durante o programa, Boulos respondeu às perguntas de usuários e comentou assuntos polêmicos, como se há monopólio no setor das comunicações, qual é o desempenho acadêmico de cotistas e quanto as empresas devem para a Previdência. O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública – verifica desde o ano passado as falas dos presidenciáveis e analisou oito frases de Boulos ditas durante a sabatina. De acordo com a metodologia seguida em todas as checagens, a equipe do pré-candidato foi comunicada sobre o resultado da análise, mas preferiu não se pronunciar no prazo estabelecido.

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“São R$ 450 bilhões que as grandes empresas devem para a Previdência.”

Exagerado

Embora a reforma da Previdência tenha sido adiada, o assunto continua a gerar discussões. Um dos pontos polêmicos é a dívida de muitas empresas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que foi ignorada pelo governo federal ao defender a necessidade de se fazer a reforma. Durante sabatina com os usuários no Twitter, Guilherme Boulos destacou a dívida de empresas inadimplentes e afirmou que o débito é de R$ 450 bilhões. A informação é exagerada.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do pré-candidato à Presidência pelo PSOL atribuiu a informação à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência no Senado. De fato, o valor foi compilado no relatório final da CPI. O documento, publicado em outubro de 2017, mostra que as empresas privadas deviam na época R$ 450 bilhões à Previdência.

Os dados mais recentes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que foi fonte do relatório da CPI da Previdência, mostram que atualmente os débitos previdenciários na dívida ativa da União correspondem a R$ 445,8 bilhões e não a R$ 450 bilhões, como disse Boulos. Na lista das empresas devedoras estão algumas das maiores companhias do país, como Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, JBS, Petrobras e Vale.

Entretanto, nem toda a dívida pode ser recuperada. De acordo com a procuradoria, 37,9% dos R$ 445,8 bilhões são créditos considerados irrecuperáveis. Isso significa que R$ 169 bilhões não serão devolvidos aos cofres públicos, porque são dívidas de empresas falidas como a companhia aérea Vasp, que deve R$ 1,9 bilhão. Do montante total da dívida de R$ 445,8 bilhões, constatou-se, segundo a classificação da procuradoria, que apenas 11,4% têm alta perspectiva de recuperação, 26,6% têm média chance e 24,1% têm baixa perspectiva. Somando os créditos com alta, média e baixa perspectivas de recuperação, é possível que apenas R$ 276,8 bilhões cheguem aos cofres públicos.


“A forma como se organizam as polícias no Brasil é uma verdadeira jabuticaba: só existe aqui. A divisão entre polícia ostensiva e polícia investigativa, uma militar e outra civil.”

Falso

Com o início da intervenção federal no Rio de Janeiro, em fevereiro, questões relacionadas à segurança pública têm sido tema recorrente nos discursos de pré-candidatos à Presidência. Ao abordar o assunto, Guilherme Boulos comentou a organização das polícias brasileiras e afirmou que o modelo policial brasileiro é uma jabuticaba, expressão utilizada como sinônimo de algo que só existe no Brasil. Segundo ele, apenas aqui há uma “divisão entre polícia ostensiva e polícia investigativa, uma militar e outra civil”. Como outros países do mundo também adotam um modelo de polícia semelhante, a frase é falsa.

A assessoria de imprensa de Boulos disse que o psolista reproduziu uma afirmação do ex-secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares, um dos responsáveis pelo programa de segurança pública do comitê de campanha. A reportagem não localizou declarações públicas de Soares afirmando que o modelo brasileiro é exclusivo daqui. Em entrevistas publicadas recentemente, o cientista político diz que falta integração às polícias brasileiras. É o que ele afirma à revista Época em janeiro de 2017 e também à Revista Fórum em fevereiro de 2018.

A organização das forças policiais brasileiras é determinada pelo artigo 144 da Constituição, que descreve a separação de competências das polícias. Os parágrafos 4º e 5º demonstram as diferenças entre Polícias Civis, que ficam a cargo da área de investigação e, Polícias Militares, incumbidas do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública.

Trata-se de um modelo conhecido como polícia bipartida. “O modelo bipartido, no qual uma polícia faz investigação e a outra faz a parte ostensiva, é um modelo mais raro. A maior parte dos países que a gente conhece tem um modelo em que as polícias fazem parte de uma só grande corporação. O nome que se dá para isso é polícia de ciclo completo”, explica o pesquisador André Zanetic, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV).

Ao contrário do que afirma Boulos, o modelo bipartido não é utilizado apenas no Brasil. “Apesar de não ser predominante em escala global, ele é, sim, aplicado em outros países, como Itália e Chile”, afirma Zanetic. Os dois países citados como exemplo pelo especialista seguem um sistema de organização similar.

Na Itália, há cinco forças de segurança diferentes: Arma de Carabineiros, Polícia do Estado, Guarda de Finanças, Corpo Florestal do Estado e Corpo da Polícia Penitenciária, todas subordinadas ao Ministério do Interior. O papel que no Brasil é cumprido pela Polícia Civil nos estados corresponde ao executado, na Itália, pela Polícia do Estado. Enquanto isso, a Arma de Carabineiros é responsável pelo policiamento ostensivo, como o feito pela Polícia Militar nos estados brasileiros. Já no Chile as tarefas de investigação ficam a cargo da Polícia de Investigações do Chile (PDI), de caráter civil, enquanto a Carabineiros do Chile, militarizada, é a corporação responsável pelo policiamento ostensivo e preventivo.

Apesar de utilizarem o mesmo modelo, os dois países são mais bem-sucedidos em sua aplicação do que o Brasil, segundo o pesquisador da USP. “O grau de integração entre essas corporações é muito maior do que o nosso. O que a gente tem aqui é um descompasso muito grande entre as duas polícias. Não há uma articulação de troca de informação organizada e existe uma grande disputa por poder entre as corporações, além de situações onde ocorre sobreposição de competências”, explica.

Para ele, a separação entre polícias é um dos principais problemas da organização policial brasileira. Em um artigo sobre as polícias de ciclo completo, preparado para um seminário na Câmara dos Deputados, Zanetic defende que o modelo bipartido não é o ideal para uso no Brasil. Outros artigos publicados na Revista Brasileira de Segurança Pública, editada semestralmente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reforçam a visão de Zanetic.

Luiz Flávio Sapori, pesquisador e professor do departamento de ciências sociais da Pomtifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), é autor de um texto que propõe três maneiras para viabilizar a criação de um modelo de polícia de ciclo completo no Brasil, publicado em março de 2016. O presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais, Luiz Gonzaga Ribeiro, publicou na mesma edição o artigo “Polícia de Ciclo Completo: um passo necessário”, no qual também defende a adoção desse sistema no Brasil.


“Nós temos 6 milhões e 200 mil famílias sem casa e 7 milhões de imóveis vazios no Brasil.”

Verdadeiro

O pré-candidato e coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, afirmou que 6,2 milhões de famílias não possuem moradia no Brasil e que o número de imóveis vazios é de 7 milhões. A informação foi classificada como verdadeira.

A assessoria de imprensa de Boulos indicou o estudo “Déficit Habitacional no Brasil – 2015”, realizado pela Fundação João Pinheiro, como fonte da informação. A pesquisa estuda o setor habitacional no país e a evolução de seus indicadores. Foram calculados os imóveis vagos a partir dos dados da última edição anual (2015) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2015, o déficit habitacional estimado correspondia a 6,355 milhões de domicílios, dos quais 5,572 milhões estão localizados nas áreas urbanas e 783 mil, na área rural. O valor é muito próximo dos 6,2 milhões afirmados por Boulos. De acordo com a Pnad, o Brasil possui 7,906 milhões de imóveis vagos – 80,3% estão localizados em áreas urbanas e 19,7%, em áreas rurais. Desse total, 6,893 milhões estão em condições de serem ocupados e 1,012 milhão está em construção ou reforma.


“Hoje, 5,5% do PIB vai para educação, desses 5,5% apenas 1% é da União.”

Verdadeiro

Defensor de maior investimento federal em educação, Guilherme Boulos utilizou a despesa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) para criticar o grau de investimentos do governo no setor. Segundo ele, embora 5,5% do PIB seja destinado à educação, apenas 1% provém de investimentos feitos pelo governo federal – os outros 4,5% seriam relativos às despesas de estados e municípios. Para verificar a afirmação, foi consultado um especialista em orçamento de educação e foram analisados dados oficiais. Embora o dado utilizado pelo candidato esteja desatualizado, as estatísticas mais recentes mostram que os valores permanecem muito próximos dos indicados por Boulos. Assim, a frase foi classificada como verdadeira.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa do presidenciável para solicitar a fonte dos dados informados. A equipe de Boulos disse que as origens seriam o estudo “Um olhar sobre a educação”, publicado anualmente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e uma postagem de 2014 no blog do jornalista Fernando Rodrigues no UOL.

O texto do blog traz dados apurados pelo então senador Randolfe Rodrigues, então no PSOL, que na época fez um requerimento ao Ministério da Educação (MEC) para obter dados sobre o investimento público em educação. De acordo com o post no blog indicado pela assessoria de Boulos, o número teria parado de ser divulgado regularmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão de estatísticas vinculado ao MEC. Por isso, o gabinete do parlamentar solicitou ao órgão os dados até 2012.

O levantamento do PSOL mostra que, em 2012, o investimento direto em educação foi de 5,5% do PIB, número que corresponde ao indicado por Boulos. Já a parcela que corresponde ao gasto da União foi de apenas 1%, enquanto os estados e municípios gastaram 2,2% e 2,3%, respectivamente, ainda segundo o levantamento divulgado pelo blog. O gasto direto com educação exclui os valores despendidos com aposentadorias e pensões, investimentos com bolsas de estudo, financiamento estudantil e despesas com juros, amortizações e encargos da dívida da área educacional, já que esses não são considerados investimentos diretos.

No site do Inep, na seção de Indicadores Financeiros Educacionais, há um indicador que corresponde ao apurado em 2014 pelo gabinete do PSOL. Trata-se do Porcentual do Investimento Direto em relação ao PIB por Nível de Ensino. Os dados, compilados até 2015, não são muito diferentes dos indicados no post do blog publicado em 2014. “Apesar de o Inep não divulgar o porcentual do gasto direto após 2014, o contexto atual dá indícios de que a proporção permanece a mesma, na faixa de 5%, após 2014 e até 2016”, afirma o professor José Marcelino de Rezende Pinto, pesquisador na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).

O estudo da OCDE reforça a tese de Marcelino de que o investimento total continua no mesmo patamar. Segundo a última edição do relatório, que traz dados de 2014 e 2015, o Brasil gasta 4,9% do PIB em educação, ou seja, os dados mostram que o investimento continua em torno de 5%. O órgão, no entanto, não compila o porcentual investido pela União em relação àquele de estados e municípios. Esse porcentual, de acordo com Boulos, seria de 1%.

Para apurar esse dado, Marcelino recorre às estatísticas apuradas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Os números coletados pelo pesquisador mostram que, entre 2012 e 2016, o porcentual investido pela União, indicado pela rubrica Manutenção e Desenvolvimento do Ensino da União, realmente se mantém estável em 1%.


“A Constituição brasileira é clara, ela diz que não pode haver monopólio nas comunicações, hoje existe.”

Verdadeiro

Ao falar sobre os meios de comunicação no Brasil, Boulos se alinha a uma parte da população que é contra a alta concentração de mídia por poucas empresas, grupos ou  pessoas. Muitos apontam essa prática como prejudicial à democracia, por diminuir a pluralidade de informações recebidas pela população.

Questionada sobre a fonte dos dados, a assessoria do candidato informou os artigos e capítulos da Constituição e leis que mencionam a questão dos monopólios. Mas não apresentou dados e princípios que provassem a existência de monopólio das comunicações.

O Truco foi atrás dessas informações e encontrou evidências da alta concentração de meios de comunicação por poucas empresas ou grupos. Conforme apontado pela assessoria de Boulos, a Constituição prevê no capítulo V, artigo 220 e parágrafo 5º que “os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Não são estabelecidos limites para a concentração de meios de comunicação por uma empresa ou grupo – ou seja, a Constituição não detalha o que entende como monopólio ou oligopólio. Sendo assim, não é possível combater a prática no Brasil.

Levantamento do Monitoramento da Propriedade de Mídia (MOM, na sigla em inglês), um projeto do coletivo Intervozes e do Repórteres sem Fronteiras, mostrou que quatro veículos concentram mais de 70% da audiência televisiva no Brasil. Considerando todos os tipos de mídia (TV, rádio, mídia impressa e online), a concentração desses grupos é de 50,11%. Sem levar em conta a audiência, mas considerando quantidade de veículos, cinco grupos ou seus proprietários individuais concentram mais da metade dos veículos de mídia no país.

Dos grupos pesquisados, o grupo Globo é o que mais concentra audiência televisiva, com 36,9%. É também o que tem maior quantidade de veículos de mídia no Brasil, somando nove dos 50 pesquisados. No ranking das 30 maiores mídias do mundo de 2017, realizado anualmente pela Agência Zenith de acordo com receitas publicitárias, aparece como o 19º maior conglomerado de mídia no mundo.

O Monitoramento da Propriedade de Mídia não realizou conclusões referentes à concentração de mercado de mídia, ou seja, quanto dos lucros relacionados ao mercado dos meios de comunicação se concentra em cada empresa, por não possuir dados suficientes. “Ainda que alguns balanços financeiros sejam publicados e algumas informações financeiras estejam disponíveis, os dados não estão disponibilizados por empresa, quota de mercado e por tipo de mídia”, explica o site. Isso impede a identificação de um monopólio ou oligopólio de mercado nas empresas de mídia brasileira.

Considerando a alta audiência de poucas empresas, é possível afirmar que há uma alta concentração de mídia no Brasil, o que indica um monopólio ou oligopólio. “Entendendo monopólio como alta concentração da mídia e audiência, os resultados da pesquisa podem dizer que sim, há um monopólio ou oligopólio”, explica o pesquisador do MOM Jonas Valente. Com maior audiência, há também maior receita. O pesquisador admite, porém, que o assunto ainda é debatido, por não haver um limite sobre monopólio na Constituição que sirva especificamente para as comunicações. “É uma falha na Constituição não ter um detalhamento sobre limites para estabelecer o monopólio legal”, diz Valente.

Instituições que representam os donos de empresas de mídia no Brasil, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), baseiam-se nessa brecha legal para dizer que a alta concentração não pode ser considerada um monopólio ou oligopólio. “Hoje não há nenhum resquício de monopólio ou oligopólio da mídia no Brasil”, afirma o diretor de Assuntos Legais e Institucionais da Abert, Cristiano Lobato Flores. Ele argumenta que o país possui mais de 500 emissoras de TV e 10 mil de rádio, sendo um mercado bem plural. No que diz respeito à audiência, Flores afirma que grupos que concentram maiores números possuem diversos acionistas, de maneira que eles não ficariam na mão de uma só pessoa ou empresa.


“[A Constituição] diz que não pode ter propriedade cruzada, ou seja, que uma mesma empresa vai ter jornal, televisão, TV a cabo, revista. Nós sabemos que hoje existe.”

Exagerado

Apesar de ser condenada por organizações defensoras de liberdade de imprensa e contrárias à concentração da mídia, a propriedade cruzada não é completamente proibida no Brasil. Por isso, a afirmação de Guilherme Boulos foi considerada exagerada.

A legislação brasileira proíbe apenas que emissoras de rádio e empresas de telecomunicações detenham majoritariamente também canais de televisão a cabo. Essa regulamentação não está na Constituição, como afirma Boulos. Está especificada na Lei nº 12.485/2011, que diz em seu artigo 5º que “o controle ou a titularidade de participação superior a 50% (cinquenta por cento) do capital total e votante de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo não poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de empresa sob controle comum, por concessionárias e permissionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens e por produtoras e programadoras com sede no Brasil, ficando vedado a estas explorar diretamente aqueles serviços.”

Além disso, a lei não se aplica para o controle de emissoras de radiodifusão (TV e rádio) e meios impressos ou digitais. Logo, não é possível dizer que a propriedade cruzada de veículos de mídia é completamente proibida no Brasil, como diz o pré-candidato.

Segundo levantamento feito pelo Monitoramento da Propriedade de Mídia (MOM, na sigla em inglês), há alto risco de propriedade cruzada no Brasil. “Os 50 veículos analisados pertencem a 26 grupos ou empresas de comunicação. Desses, todos possuem mais de um tipo de veículo de mídia e 16 possuem também outros negócios no setor, como produção cinematográfica, edição de livros, agência de publicidade, programação de TV a cabo, entre outros”, diz o relatório.

Apesar de permitida para concessionárias de radiodifusão (TV e rádio), o órgão administrado pelo Coletivo Intervozes e pelo Repórteres Sem Fronteiras considera a alta concentração de propriedade cruzada como um indicador de risco à pluralidade de mídia.


“[A Constituição] diz também que não pode ter concessão de TV e rádio para político e hoje é o que mais tem.”

Impossível provar

Ainda sobre meios de comunicação, Guilherme Boulos afirmou que é proibido que políticos tenham concessão de rádio e TV e que isso está presente na maioria das vezes – “é o que mais tem”. No entanto, não há dados suficientes que garantam que a maior parte das concessões de emissoras de radiodifusão no Brasil estejam nas mãos de políticos, por mais que se constate que isso ocorra em muitas delas. Por isso, a afirmação foi considerada impossível de se provar.

Sobre isso, a assessoria do político indicou artigos e leis que tratam da concessão de televisão e rádio para políticos. No artigo 54, a Constituição determina que “os deputados e senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes.” Também o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), no parágrafo único do artigo 38, proíbe que políticos sejam diretores ou gerentes de concessionárias de radiodifusão.

Apesar de ser prática proibida, um estudo realizado pelo coletivo Intervozes a partir de dados coletados pelo Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), indicou que, em 2015, 32 deputados e 8 senadores eram proprietários, sócios ou associados de canais de rádio e TV. A pesquisa serviu de base para uma medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental contra os políticos envolvidos, a ADPF 379, movida pelo PSOL, acatada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em 2016. A ação, cujo relator é o ministro Gilmar Mendes, ainda precisa ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, essa ação não contempla todos os políticos que podem ser proprietários de concessionárias de rádio e TV. Segundo levantamento da série TVs da Amazônia, da jornalista Elvira Lobato, uma em cada cinco retransmissoras de TV da Amazônia Legal brasileira pertence a algum político. “Dos 1.737 canais de retransmissão legalmente aptos a produzir conteúdo local, 373, ou 21,5% do total, estão em nome de políticos ou de parentes próximos”, indica o texto.

Como as emissoras podem estar registradas no nome de outras pessoas, os laranjas, o monitoramento dos verdadeiros proprietários das concessionárias fica ainda mais difícil. Uma reportagem da Folha de S.Paulo de 2011, também de Lobato, investigou empresas que obtiveram o maior número de concessões entre 1997 e 2010 e concluiu que, das 91 analisadas, 44 indicaram endereços falsos ao Ministério das Comunicações. “Entre seus ‘proprietários’, constam, por exemplo, funcionários públicos, donas de casa, cabeleireira, enfermeiro, entre outros trabalhadores com renda incompatível com os valores pelos quais foram fechados os negócios.”, diz o texto.


“Todas as pesquisas feitas mostram que os cotistas têm desempenho igual ou inclusive melhor aos demais alunos da universidade.”

Verdadeiro

As cotas foram aprovadas para universidades federais em todo o Brasil em 2012. Antes disso, algumas universidades já adotavam políticas de ação afirmativa para ingresso de estudantes negros e de escolas públicas. A estratégia está em aumentar a proporção desses alunos no ensino superior. Guilherme Boulos é favorável a essa política. O tema, contudo, é muito controverso – há quem pense que estudantes cotistas teriam desempenho inferior ao dos não cotistas na universidade, pois suas notas para ingresso seriam inferiores às dos outros.

As únicas duas pesquisas que usam uma amostragem abrangente e representativa dos cotistas – sem separar por curso, tipo de ação afirmativa ou estrato socioeconômico – apontam que uma parcela significativa desses alunos têm desempenho igual ou maior que o dos não cotistas nas universidades. Ambas utilizam como base os resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que tem limitações, como a falta de empenho na prova. “É a única ferramenta que a gente tem para medir o desempenho dos cotistas como um todo no Brasil”, diz o pesquisador Jacques Wainer, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), co-autor e um dos estudos. Por isso, a afirmação do candidato foi considerada verdadeira.

Questionada sobre a frase, a assessoria do pré-candidato disse que a fonte da informação é um levantamento publicado pela Folha de S.Paulo em 2017. No estudo foram analisados os resultados de 252 mil estudantes, de 64 cursos, no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) entre 2014 e 2016. Os números apontam que, em pouco mais da metade dos cursos (51,5%), a nota média dos alunos cotistas foi superior, igual ou até 5% inferior à dos alunos não cotistas – desempenho considerado equivalente para a pesquisa. Nos outros 49,5%, os cotistas obtiveram nota média ao menos 5% inferior aos não cotistas.

O levantamento não pode ser considerado suficiente para dizer que em todas as pesquisas e situações, cotistas tenham média igual ou inferior à dos outros alunos, As conclusões do mesmo estudo também indicam que especificamente, nos cursos de exatas, o desempenho dos estudantes que entraram por ações afirmativas foi menor – dos 31 cursos com nota média ao menos 5% menor dos cotistas em comparação à dos não cotistas, 13 eram de exatas.

A outra pesquisa foi realizada pelo professor Wainer, da Unicamp, e por Tatiana Melguizo, professora associada da Escola de Educação Rossier, na Universidade do Sul da Califórnia. Ela também usa como base os resultados Enade, dessa vez de 2012 a 2014, e conclui também que o desempenho da maioria dos cotistas é considerado igual ao de não cotistas.

Foram analisados os resultados de 1,017 milhão de estudantes no exame. A metodologia utilizada se baseou na média dos resultados do exame de estudantes com algum benefício em comparação com a dos outros. As notas obtidas pelos alunos foram padronizadas – das notas individuais foi subtraída a média do respectivo curso e o resultado foi dividido pelo desvio padrão das notas do curso em questão. Assim, os desempenhos foram comparados de igual para igual. Os resultados indicaram que os cotistas obtiveram média de ganho padronizado de 0,01 no exame geral, dentro do desvio padrão calculado. Ou seja, tiveram desempenho igual ao de não cotistas.

Há uma terceira pesquisa, realizada por Fábio Waltenberg e Márcia de Carvalho, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que também utilizou os resultados do Enade. Os números, contudo, são de 2008. Além de analisar dados muito mais antigos, o estudo usa uma amostragem reduzida – 167.704 estudantes – e não compara os cotistas com todos os outros alunos. São confrontados apenas estudantes de mesmo nível socioeconômico. A conclusão foi de que o desempenho de cotistas era menor que o de não cotistas do mesmo nível socioeconômico.

Segundo os resultados, alunos que ingressaram por meio de ações afirmativas na universidade tiraram, em média, nota 5% menor que os que ingressaram pelo vestibular tradicional no exame e têm o mesmo índice socioeconômico. Enquanto a nota média dos cotistas foi de 40 pontos, a dos não cotistas foi de 41,8 pontos. Em instituições de ensino estaduais e federais, o desempenho dos cotistas foi menor – cerca de 10% inferior ao dos não cotistas de mesmo nível socioeconômico.

Esse tipo de comparação, contudo, tem problemas que não existem nos dois estudos anteriores. “Ao considerar o mesmo parâmetro socioeconômico para alunos cotistas e não cotistas, o fato de ser cotista se torna prejudicial. Os não cotistas nesse caso poderiam ser estudantes fora da curva, e em menor número que os cotistas”, explica Wainer.

Como a fala de Boulos trata dos cotistas de modo geral, em comparação com não cotistas também como um todo, a pesquisa de Waltenberg e Carvalho não contradiz a sua afirmação. Estudos realizados pelas próprias universidades que adotaram ações afirmativas podem ser enquadrados da mesma forma – como um da Universidade de Brasília (UnB) e outro da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) –, pois não trazem conclusões sobre o que ocorre com a maioria dos cotistas no Brasil todo.

Veja outras checagens dos presidenciáveis

José Cícero da Silva/Agência Pública

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