Semanas antes de ser condenado a 16 anos de prisão e à perda de seu mandato pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da trama golpista do 8 de janeiro, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) dedicou esforços não apenas em preparar sua defesa no caso, mas em relatar um projeto de lei que se encaixa nos planos intervencionistas do governo Donald Trump na América do Sul.
Em 19 de agosto passado, a comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara aprovou o projeto 1283/2025 graças à articulação do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), como relator da proposta. O projeto defende que “milícias, facções, organizações paramilitares, grupos criminosos ou esquadrões” – incluindo aqueles ligados ao narcotráfico, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) – sejam enquadrados no crime de “terrorismo”.
A Agência Pública monitora o projeto desde maio, quando líderes do Centrão apoiaram sua tramitação sob urgência, o que permite sua votação a qualquer momento na Câmara.
O portal da Câmara mostra que a escolha de Ramagem para a relatoria ocorreu no dia 19 de maio, quando ele já figurava entre os oito réus do “núcleo crucial” da trama golpista. Exatos três meses depois, o relatório do ex-diretor da Abin foi aprovado com apoio de deputados ligados ao bolsonarismo, ampla maioria na comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara.
Na mesma época em que a comissão da Câmara aprovou a proposta, o presidente dos Estados Unidos ordenou o envio de caças e navios de guerra das Forças Armadas ao litoral da América do Sul e Caribe pelo mesmo motivo do projeto: “combater o terrorismo” do narcotráfico e de organizações criminosas. Desde então, o presidente Lula (PT) afirmou que terrorismo e crime organizado são problemas distintos e “não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional”.
This is America?
De autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), o projeto de lei cita, nominalmente, o “governo Trump” como modelo a ser seguido. Por outro lado, ao relatar a proposta, Alexandre Ramagem, condenado desde 11 de setembro por tentativa de golpe, cita frequentemente os termos “Estados Unidos” e “cooperação internacional”.
Em seu parecer, Alexandre Ramagem afirma que a legislação dos Estados Unidos “traz uma definição mais ampla”, que “permite classificar como terroristas grupos ligados ao tráfico internacional”. O ex-diretor da Abin ainda explica ser favorável à iniciativa porque “os EUA já lideram, por mais de 12 anos consecutivos, o ranking dos países mais atrativos para o investimento estrangeiro”.
Em 10 de setembro, a proposta mudou de relatoria, mas se manteve sob influência da extrema direita. O atual relator do projeto é o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), das principais lideranças bolsonaristas na Câmara.
À Pública o deputado Ramagem negou que a proposta ameace a soberania brasileira e disse que “equiparar como terrorismo os atos praticados por organizações criminosas que causem pânico à população e completa desestabilização social, semelhantemente aos mencionados, se trata de uma medida não apenas necessária, mas extremamente coerente”.
Já o deputado Danilo Forte foi procurado, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem. Caso ele se manifeste, este texto será atualizado.