A partir desta sexta-feira (11), a estimativa é de que 2 mil sites de apostas de quota fixa, ou bets, terão seu acesso bloqueado em todo o Brasil, conforme decisão do Ministério da Fazenda. A medida será executada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), afetando plataformas que não solicitaram autorização ao governo ou tiveram seus pedidos negados.
O processo deverá ser semelhante ao bloqueio que ocorreu recentemente com a rede social X, de Elon Musk, e com sites que fornecem conteúdo pirata, segundo a Anatel informou à Agência Pública. O Ministério da Fazenda é responsável por enviar a lista de sites irregulares para a Anatel, que acionará mais de 20 mil operadoras de internet no país para efetivar o bloqueio.
O diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa Rafael Zanatta explicou à Pública que o bloqueio deverá ocorrer de forma mais rápida, em até um dia, nas grandes operadoras, enquanto provedores menores podem demorar. “A força dos pequenos provedores é maior do que dos grandes, nas regiões interioranas, e esses times são pequenos, então pode acontecer de um provedor pequeno da região oeste do Paraná, por exemplo, demorar. Para receber o ofício, para daí tomar a medida técnica”, explica Zanatta.
Até o momento desta publicação, 96 empresas, responsáveis por 213 sites de apostas, fazem parte da chamada “lista positiva“, composta por operadoras que deram entrada em processos de autorização para continuar operando até o final de 2024, e cumprem as portarias que estabelecem limites e regras. Empresas fora dessa lista estarão sujeitas ao bloqueio imediato.
As plataformas que querem continuar suas atividades no Brasil precisam cumprir uma série de requisitos. As apostas e saques, por exemplo, só poderão ser feitos por meio de Pix, TED ou cartão de débito, ficando proibidas outras formas de pagamento, como dinheiro em espécie, boletos bancários, cheques, criptoativos e cartões de crédito. Também foram estabelecidos limites para as apostas, além de regras que exigem que os usuários sejam informados sobre o tempo de jogo e o valor total perdido.
Advogados ouvidos pela Pública, explicam que, apesar de similaridades nos casos da proibição de acesso ao X e aos sites de apostas irregulares, a rede social de Elon Musk foi retirada por descumprimento de ordem judicial, que envolvia não ter um representante legal no Brasil, entre outras questões que o X não havia respeitado.
“Nesse caso, agora, das bets, é como se a gente fizesse assim: ‘Olha, para dirigir a carteira de habilitação, você tem que ter 18 anos, tem que passar nas provas e tem que ter a habilitação’. Então, você tem que ter requisitos para conseguir. Encaixando-se nos requisitos, você já pode, independente da vontade ou não do governo”, explica Ilmar Muniz, especialista em direito penal e constitucional.
Ellan Ribeiro dos Santos, especialista em direito administrativo, observa que a Lei das Bets (Lei nº 14.790/2023), não aborda completamente as complexidades do cenário atual das apostas online, como endividamento de famílias, e que a ação do governo é uma tentativa de mitigar os problemas até que a regulamentação definitiva seja implementada em janeiro de 2025.
“As empresas utilizam da falta de regulamentação e também da falta de acompanhamento normativo, regulatório, para tentar lucrar e se aproveitar, até que o Congresso Nacional possa debater a questão”, explica o advogado. “É uma verdadeira questão de saúde pública mesmo. Fora todo esse problema, tem um problema também na parte criminal, na parte tributária, de cometimento de ilícitos envolvendo direito penal econômico, sonegação fiscal, invasão de divisas, lavagem de dinheiro, entre outros.”
CPI dos sites de apostas no Brasil
Além das medidas regulatórias, o Senado Federal aprovou, na última terça-feira (8), a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o papel dos sites de apostas no Brasil. A CPI pretende apurar o impacto das bets no orçamento das famílias e investigar possíveis irregularidades no setor.
Zanatta alerta que empresas ilegais podem continuar burlando os bloqueios ao criar novos endereços de acesso. Esse cenário exigiria que a Anatel realizasse revisões periódicas, resultando em novas rodadas de bloqueios a cada avaliação.
“É provável que essas empresas sem autorização tentem continuar operando por meio de novos registros em outras jurisdições, o que pode criar um jogo de gato e rato entre as autoridades e os operadores”, afirmou. “[Esse cenário] Vai exigir cada vez mais uma ordem específica, uma nova ordem da Anatel para as empresas de telecomunicações, para promoverem o bloqueio identificando precisamente qual é a empresa, o sistema autônomo e o endereço IP.”