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PL que regulamenta eólicas offshore avança no Congresso com ‘jabutis’ pró-carvão e gás

10 de dezembro de 2024
11:08

O lobby do setor de gás natural e carvão mineral emplacou mais um jabuti no Congresso Nacional. Não se trata do prêmio literário, tampouco do simpático parente da tartaruga, mas da inserção de tópicos sem relação com a temática original em um projeto de lei (PL), quase sempre favorecendo algum setor econômico. Dessa vez, a vítima foi o PL 576/2021, que trata da regulação das eólicas offshore, mas que ganhou artigos que favorecem as energias poluentes.

Depois de algumas manobras governistas para adiar a votação, o PL foi aprovado nesta terça-feira (10) na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) do Congresso Nacional, mantendo o texto pró-lobby do relator do projeto na comissão, o senador Weverton Rocha (PDT-MA). O projeto já consta na pauta do plenário do Senado de quarta-feira (11) e pode ser votado em regime de urgência, sem passar por outras comissões temáticas.

O objetivo original do projeto de lei era acelerar a transição energética brasileira e a produção de hidrogênio verde – o que está estipulado no texto. Mas, por pressões do setor de combustíveis fósseis, ganhou também um par de jabutis que podem aumentar a emissão de gases do efeito estufa pelo Brasil, além de encarecer a conta de luz.

A redação atual do projeto altera os jabutis pró-fósseis que já tinham sido introduzidos na lei que permitiu a privatização da Eletrobras, em 2021. Na época, foi estabelecida a contratação obrigatória de 8 gigawatts (GW) de térmicas a gás inflexíveis, que deveriam operar com ao menos 70% da sua capacidade – na contramão do que costuma acontecer no Brasil hoje, em que as termelétricas só são acionadas em caso de necessidade. 

No jabuti inserido no PL das eólicas offshore, o montante de energia a ser contratada cai de 8 GW para 4,25 GW. Mas essa aparente “perda” do lobby não se trata de uma preocupação ambiental. A mudança ocorreu após um leilão de energia malsucedido em 2022 e a não realização de novos leilões por conta dos custos pouco atrativos para as empresas de gás. 

A diminuição da quantidade de energia, no entanto, veio acompanhada de uma alteração no custo do transporte do combustível que beneficia figuras como Carlos Suarez, conhecido como “rei do gás”, como revelou a coluna de Malu Gaspar, em O Globo.

Além disso, o texto apresentado pelo senador Weverton Rocha prorroga o prazo de operação de térmicas a carvão mineral, atualmente previsto para 2028, até 2050.

Segundo uma nota técnica conjunta do Observatório do Clima (OC) e da Coalizão Energia Limpa, os artigos pró-combustíveis fósseis inseridos no PL têm o potencial de emitir 274,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente ao longo dos próximos 25 anos. De acordo com as organizações, isso é semelhante à soma das emissões anuais do setor de transportes e da produção de combustíveis fósseis no país. 

“Como são térmicas inflexíveis, elas vão operar por 70% do tempo, o que é três vezes mais do que uma térmica a gás normalmente opera. Se ela opera o triplo, emite o triplo”, aponta Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), uma das organizações da Coalizão. 

Baitelo explica que o impacto conjunto dos jabutis do gás natural e do carvão mineral tem potencial para praticamente anular a redução de emissões que o Brasil obteve com a queda no desmatamento da Amazônia entre 2022 e 2023, de 386,8 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

Além das críticas do setor ambiental, os jabutis fósseis também são alvo de desaprovação de entidades como a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE), por conta do potencial impacto no valor da conta de luz. O presidente da FNCE chegou a enviar carta aberta aos senadores criticando o avanço do projeto.

A reação negativa da entidade aos jabutis se baseia em um estudo elaborado pela consultoria PSR, a pedido do Movimento Transição Energética Justa, que mostrou que as emendas patrocinadas pelo setor fóssil podem gerar um custo adicional para o consumidor de até R$ 658 bilhões, cerca de R$ 25 bilhões por ano. Isso pode representar um aumento de 11% na conta de luz. 

Como lembra a nota do OC e da Coalizão Energia Limpa, “o aumento no custo da energia tem efeitos em cadeia, elevando os preços finais de produtos e serviços, já que praticamente todos os setores dependem de energia para sua produção”.

“[Se o PL for mesmo aprovado], vai se contratar uma energia cara, uma energia suja, e todo esse custo adicional poderia estar redirecionando não só para a transição energética, mas também para investimentos em produção de energia renovável”, afirma o gerente de energia do Instituto Arayara, Anton Schwyter, que também faz parte da Coalizão Energia Limpa.

O PL das eólicas offshore foi inicialmente aprovado no Senado em dezembro de 2022. Encaminhado para a Câmara, passou por uma série de alterações nas mãos dos deputados, com a inclusão dos jabutis que beneficiam o setor de combustíveis fósseis. O substitutivo aprovado na Câmara foi o proposto pelo deputado Zé Vitor (PL-MG).

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