A vitória da coligação de centro-direita e o aumento de 383% no número de assentos ocupados pela extrema direita no parlamento de Portugal devem afetar os imigrantes no país, avaliam especialistas ouvidos pela Agência Pública. Além de possíveis mudanças nas políticas migratórias, o endurecimento de um discurso antimigratório pode vulnerabilizar os brasileiros.
Na véspera do início oficial da campanha para as eleições gerais, o ministro da Presidência do governo português, António Leitão Amaro, anunciou a notificação de cerca de 18 mil imigrantes em situação irregular para que deixassem o país voluntariamente no prazo de 20 dias, alegando necessidade de regularizar a situação migratória e reduzir a sobrecarga da Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA).
Entretanto, para a presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Ana Paula Costa, as notificações tinham como pano de fundo fazer um aceno à extrema direita em meio a campanha eleitoral: “Também é uma forma de chamar a atenção”.
“A gente vai ver, com certeza, o endurecimento de políticas migratórias em Portugal”, avalia o diretor do Laboratório de Estudos e Migratórios da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Igor José de Renó Machado. “O Chega é um partido claramente anti-imigração, então a chance de qualquer projeto que beneficie ou flexibilize regras de imigração é mínima”, explica. O Chega representa a extrema direita no país europeu.
Os brasileiros representam 35% dos migrantes em Portugal. No entanto, segundo os especialistas, eles não devem ser os mais afetados, graças ao longo histórico das relações diplomáticas entre os dois países. “A relação do Brasil com Portugal é diferente de qualquer relação do Brasil com outros países para onde os imigrantes brasileiros vão. O barulho que o governo brasileiro faz em relação aos próprios imigrantes em Portugal tem muito eco na sociedade portuguesa”, explica Machado.
Além disso, o pesquisador aponta que o partido Chega evita citar os brasileiros ao defender políticas anti-imigratórias, “porque, entre a população brasileira, o apoio ao Chega é grande”.
“Há uma série de documentos legais que, frente a outras nacionalidades, privilegiam os brasileiros no campo da migração, como tratado de amizade e a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. No entanto, para um grupo de imigrantes, principalmente asiáticos e mulçumanos podem acontecer mudanças”, explicou o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Duval Magalhães Fernandes, que estuda o tema.
As urnas apuradas no último domingo (18) deram a vitória à coligação de centro-direita Aliança Democrática (AD), liderada pelo primeiro-ministro Luís Montenegro, retirado do cargo em março devido a acusações de conflito de interesse envolvendo uma empresa de propriedade de sua família, que tinha contratos de concessão a serem renovados pelo governo.
Já o partido de extrema direita Chega saltou de 12 assentos no parlamento em 2022, para os atuais 58 assentos, igualando-se ao número de cadeiras do tradicional Partido Socialista (PS), ligado à esquerda.
Efeitos dos discursos vencedores
A retórica de partidos de direita sobre imigração afeta o cotidiano dos imigrantes de forma direta e indireta. “O problema do discurso anti-imigração é o que ele autoriza. [Esse discurso] tem um efeito prático e simbólico na vida das pessoas”, afirma a presidente da Casa do Brasil em Lisboa.
Costa avalia que o anúncio e implementação de medidas anti-imigratórias tem como consequência o aumento da “vulnerabilidade” e “insegurança” das pessoas, além de alimentar a segregação e uma diferenciação entre “nós e eles” que busca relacionar os migrantes a criminosos. “As pessoas no cotidiano se sentem mais permissivas a serem racistas e xenófobas”, complementa.
“Começa a ter agressividade. Você [o migrante] se sente de certa maneira um pouco fragilizado nas relações, sabendo que a qualquer momento você pode encontrar uma pessoa que vai te destratar na rua ou [cometer] algum ato de violência”, reforça Magalhães. “Quando se cria um ambiente hostil aos imigrantes, as agressões não escolhem a nacionalidade”, finaliza o pesquisador.