Das cerca de 6 mil terras quilombolas presentes no banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 494 estão nos mapas oficiais do governo – e, segundo estudo inédito do Instituto Socioambiental (ISA), apenas dez deles não sofrem algum tipo de ameaça. De acordo com o levantamento “As pressões ambientais nos Territórios Quilombolas no Brasil”, 98,2% das terras quilombolas reconhecidas pelo governo estão ameaçadas em algum grau, sobretudo no Centro-Oeste.
Feita em colaboração com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a pesquisa foi divulgada nesta quinta-feira (16), quando também será realizada em Brasília a segunda edição do Aquilombar, encontro nacional do movimento quilombola.
Entre as pressões catalogadas no documento estão os registros de imóveis rurais em sobreposição a terras quilombolas, ou seja, quando as áreas em que esses grupos vivem são contestadas como propriedades privadas; a proximidade de obras de infraestrutura, a exemplo da construção de estradas, que promovem desmatamento e alterações em áreas habitadas por esses grupos; e os requerimentos minerários, comuns em áreas de interesse para exploração de recursos naturais.
“Tem estudos que mostram que esses registros de requerimentos minerários, de cadastro de imóveis rurais privados, quando estão sobrepostos a terras indígenas ou unidades de conservação em territórios quilombolas, é […] onde mais acontece o desmatamento”, explica o autor da pesquisa, Antônio Oviedo, doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
No Centro-Oeste, região com mais áreas sob risco, 71% das terras quilombolas estão sobrepostas a registros de imóveis rurais, 57% sofrem algum tipo de influência de obras estruturadoras e 35% sofrem com a mineração. “É uma ameaça porque já demonstra uma especulação de interesse desses proprietários privados, que têm uma expectativa que, no futuro, eles possam ter direito a essa terra. Muitas vezes, antes mesmo desse proprietário ter esse cadastro analisado, ele já inicia o desmatamento, como uma forma de grilagem e ocupação irregular do território”, avalia Oviedo.
No país, mais de 1 milhão de hectares quilombolas reconhecidos têm porções em sobreposição com cadastros de imóveis rurais. Dessas comunidades, 94,1% lidam com essa situação, em menor ou maior proporção, incluindo casos extremos como o do território Kalunga do Mimoso, em Tocantins, cuja totalidade da área está sobreposta e é alvo de contestação por parte da iniciativa privada.
De acordo com o assessor da Conaq Francisco Chagas, o não reconhecimento dos territórios quilombolas põe essas comunidades à margem da sociedade, em especial “quando os impactos ambientais se potencializam em um território que não é titulado, […] essa comunidade não tem condições de lutar pela justiça para proteger o seu território”, avalia.
“É essa comunidade que protege o meio ambiente, [e] cuida do clima. Porque precisa dele[s] para ter quilombos no Brasil. A legislação não ampara, não dá segurança para que ela não seja, de fato, destruída pelas pressões”, critica Chagas.
No que tange à legislação, as comunidades quilombolas comemoraram a sanção do Decreto 11.786/2023 pelo governo Lula, em novembro de 2023. Ele institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, o que inclui a questão de reconhecimento de comunidades e suas terras. No entanto, editais ainda estão sendo preparados para que um comitê gestor seja implementado e discuta como colocar em prática as diretrizes propostas pelo decreto.
O relatório do ISA aponta que os territórios quilombolas ocupam 3,8 milhões de hectares no Brasil e que 0,5% da população vive nessas comunidades. De acordo com estimativa do MapBiomas, em áreas ocupadas por quilombos, a supressão de vegetação nativa foi restrita a 4,7% entre os anos de 1985 e 2022, o que, para Chagas, é um impacto que precisa ser observado pelo Estado: “Ela [comunidade quilombola] precisa ter um ambiente seguro. Porque só existe vida no território se existe um ambiente de preservação ambiental”.