Buscar
Nota

Quilombolas têm 98% dos territórios ameaçados, aponta instituto

16 de maio de 2024
07:00

Das cerca de 6 mil terras quilombolas presentes no banco de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 494 estão nos mapas oficiais do governo – e, segundo estudo inédito do Instituto Socioambiental (ISA), apenas dez deles não sofrem algum tipo de ameaça. De acordo com o levantamento “As pressões ambientais nos Territórios Quilombolas no Brasil”, 98,2% das terras quilombolas reconhecidas pelo governo estão ameaçadas em algum grau, sobretudo no Centro-Oeste.

Feita em colaboração com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a pesquisa foi divulgada nesta quinta-feira (16), quando também será realizada em Brasília a segunda edição do Aquilombar, encontro nacional do movimento quilombola. 

Entre as pressões catalogadas no documento estão os registros de imóveis rurais em sobreposição a terras quilombolas, ou seja, quando as áreas em que esses grupos vivem são contestadas como propriedades privadas; a proximidade de obras de infraestrutura, a exemplo da construção de estradas, que promovem desmatamento e alterações em áreas habitadas por esses grupos; e os requerimentos minerários, comuns em áreas de interesse para exploração de recursos naturais.

“Tem estudos que mostram que esses registros de requerimentos minerários, de cadastro de imóveis rurais privados, quando estão sobrepostos a terras indígenas ou unidades de conservação em territórios quilombolas, é […] onde mais acontece o desmatamento”, explica o autor da pesquisa, Antônio Oviedo, doutor em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

No Centro-Oeste, região com mais áreas sob risco, 71% das terras quilombolas estão sobrepostas a registros de imóveis rurais, 57% sofrem algum tipo de influência de obras estruturadoras e 35% sofrem com a mineração. “É uma ameaça porque já demonstra uma especulação de interesse desses proprietários privados, que têm uma expectativa que, no futuro, eles possam ter direito a essa terra. Muitas vezes, antes mesmo desse proprietário ter esse cadastro analisado, ele já inicia o desmatamento, como uma forma de grilagem e ocupação irregular do território”, avalia Oviedo.

Pesquisador Antônio Oviedo do Instituto Socioambiental (ISA)
Pesquisador Antônio Oviedo associou ameaças sofridas por quilombolas a ação humana de desmatamento

No país, mais de 1 milhão de hectares quilombolas reconhecidos têm porções em sobreposição com cadastros de imóveis rurais. Dessas comunidades, 94,1% lidam com essa situação, em menor ou maior proporção, incluindo casos extremos como o do território Kalunga do Mimoso, em Tocantins, cuja totalidade da área está sobreposta e é alvo de contestação por parte da iniciativa privada.

De acordo com o assessor da Conaq Francisco Chagas, o não reconhecimento dos territórios quilombolas põe essas comunidades à margem da sociedade, em especial “quando os impactos ambientais se potencializam em um território que não é titulado, […] essa comunidade não tem condições de lutar pela justiça para proteger o seu território”, avalia. 

“É essa comunidade que protege o meio ambiente, [e] cuida do clima. Porque precisa dele[s] para ter quilombos no Brasil. A legislação não ampara, não dá segurança para que ela não seja, de fato, destruída pelas pressões”, critica Chagas.

No que tange à legislação, as comunidades quilombolas comemoraram a sanção do Decreto 11.786/2023 pelo governo Lula, em novembro de 2023. Ele institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, o que inclui a questão de reconhecimento de comunidades e suas terras. No entanto, editais ainda estão sendo preparados para que um comitê gestor seja implementado e discuta como colocar em prática as diretrizes propostas pelo decreto.

O relatório do ISA aponta que os territórios quilombolas ocupam 3,8 milhões de hectares no Brasil e que 0,5% da população vive nessas comunidades. De acordo com estimativa do MapBiomas, em áreas ocupadas por quilombos, a supressão de vegetação nativa foi restrita a 4,7% entre os anos de 1985 e 2022, o que, para Chagas, é um impacto que precisa ser observado pelo Estado: “Ela [comunidade quilombola] precisa ter um ambiente seguro. Porque só existe vida no território se existe um ambiente de preservação ambiental”.

Edição:
Fernanda Diniz/Agência Pública

Não é todo mundo que chega até aqui não! Você faz parte do grupo mais fiel da Pública, que costuma vir com a gente até a última palavra do texto. Mas sabia que menos de 1% de nossos leitores apoiam nosso trabalho financeiramente? Estes são Aliados da Pública, que são muito bem recompensados pela ajuda que eles dão. São descontos em livros, streaming de graça, participação nas nossas newsletters e contato direto com a redação em troca de um apoio que custa menos de R$ 1 por dia.

Clica aqui pra saber mais!

Se você chegou até aqui é porque realmente valoriza nosso jornalismo. Conheça e apoie o Programa dos Aliados, onde se reúnem os leitores mais fiéis da Pública, fundamentais para a gente continuar existindo e fazendo o jornalismo valente que você conhece. Se preferir, envie um pix de qualquer valor para contato@apublica.org.

Quer entender melhor? A Pública te ajuda.

Notas mais recentes

Afrodescendentes pedem reconhecimento internacional como protetores da biodiversidade


Semana tem processo da Enel, julgamento do Caso Marielle e CPI recebendo Deolane e Paquetá


Pesquisa na Cracolândia traz denúncias de espancamento pela Guarda Civil de São Paulo


Mariana: Mineradoras correm para assinar acordo, enquanto atingidos pedem para ser ouvidos


Crimes em escolas, Código Florestal e desastre de Mariana voltam à pauta nesta semana


Faça parte

Saiba de tudo que investigamos

Fique por dentro

Receba conteúdos exclusivos da Pública de graça no seu email.

Artigos mais recentes