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Senado vai decidir se regras em pesquisas clínicas com seres humanos devem mudar 

30 de novembro de 2023
12:00
Este artigo tem mais de 1 ano

Estudos para desenvolvimento de novas medicações e procedimentos médicos são importantes para a inovação em saúde, mas precisam seguir padrões éticos e que respeitem a dignidade humana. Casos como o do plano de saúde Prevent Senior – que supostamente teria conduzido estudos, sem autorização dos pacientes, para avaliar a eficácia de medicamentos contra a Covid-19, são exemplos de como negligenciar a ética pode trazer sérios riscos. Entretanto, um grupo acredita que o Projeto de Lei 7082, de 2017, vai facilitar o que consideram uma excessiva burocracia na análise de protocolos de pesquisa clínica em seres humanos no Brasil. Nesta quarta-feira (29), por 305 votos a favor e 101 contrários, o PL 7082 foi aprovado na Câmara dos Deputados e segue agora para nova análise do Senado. 

Quando o texto foi apresentado ainda em 2017 pela ex-senadora Ana Amélia (PSD-RS), ele visava regulamentar a pesquisa com seres humanos, hoje sob responsabilidade do Sistema CEP/CONEP, vinculado ao Conselho Nacional de Saúde (CNS). Desde então, o projeto é alvo de intensos debates nos bastidores.

Hoje, quem determina as regras é o Sistema CEP/CONEP, constituído pela CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), órgão máximo de avaliação da ética em pesquisas que envolvem seres humanos e que analisa protocolos de alta complexidade, e por 878 CEPs (Comitês de Ética em Pesquisa), que são instâncias regionais de avaliação ética espalhadas por todo o país, responsáveis pelos protocolos de baixa e média complexidade. Integram este sistema 15 mil pessoas, dentre eles pesquisadores, professores universitários, estudantes em iniciação científica, participantes de pesquisa, entre outros envolvidos. 

As pesquisas para o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, por exemplo, passaram pelo sistema. Pelo alto grau de complexidade, o imunizante do Instituto Butantan e da farmacêutica Sinovac precisou ser aprovado pela CONEP. Já projetos de Trabalho de Conclusão de Curso (TCCs), que geralmente são mais simples, podem ficar sob análise dos CEPs. 

Hoje, a CONEP é responsável pela formação e cadastro dos CEPs, além de atualizar a regulamentação única do setor. Mas pelo PL 7082/2017, essas instâncias inferiores poderão funcionar de maneira independente, com “regramento próprio”. O projeto também estabelece que o Poder Executivo determinará o órgão responsável por “registrar, fiscalizar e capacitar” esses comitês. E aí mora o problema, segundo Laís Bonilha, coordenadora da Conep e professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

“O Sistema CEP/Conep tem o compromisso de garantir que o desenvolvimento da pesquisa vai se dar de uma maneira que seja ética, que respeite o ser humano”, afirma. À Agência Pública, ela argumentou que esse não deve ser um interesse restrito ao órgão regulatório e aos pesquisadores, mas precisa ser “a preocupação de um povo”. 

O modelo de regramento proposto pelo PL 7082/2017 já é utilizado nos Estados Unidos. Mas, segundo informações do jornal The Washington Post, um órgão fiscalizador do governo pediu que os CEPs sejam mais supervisionados por considerar que empresas da indústria farmacêutica têm influenciado cada vez mais a aprovação de protocolos de pesquisa, o que pode colocar seres humanos em risco por interesses financeiros. 

Essa também é a visão de Bonilha sobre as consequências da aprovação do projeto de lei. “O PL vem com essa expectativa de desmantelar o sistema, sumir com essa figura central [a CONEP], tirar do controle social e criar CEPs independentes, vulneráveis ao assédio do interesse de alguns grupos que queiram interferir diretamente numa análise da ética em pesquisa”, diz.

Já Charles Schmidt, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e secretário-coordenador da Aliança Pesquisa Clínica, um dos movimentos que defendem o projeto, diz que as próprias empresas têm regras para impedir que isso aconteça. “Nenhuma indústria farmacêutica, hoje, estabelecida, ela própria tem critérios de compliance, de regramento, não só no país, como em todos os lugares do mundo, que não pode permitir que ela trabalhe dessa forma de induzir e forçar a aprovação de estudos. Até porque ela não tem esse poder”, afirmou à Pública.

Voluntário pode não ter direito a medicamento pós-estudo

Outro ponto de intenso debate é o direito do participante de pesquisa ao acesso a medicamentos pós-estudo. Hoje, o patrocinador da pesquisa deve fornecer gratuitamente a medicação pelo tempo que o participante precisar. Para Laís Bonilha, isso “desconforta a indústria”. Ela classifica a regra como uma “vantagem” do Brasil em relação a outros países e considera que ela observa o princípio de justiça, “já que a pessoa ajudou a desenvolver o medicamento” e arriscou a própria vida.

Pelo PL 7082/17, depois de decidido pelo pesquisador, o fornecimento poderá ser interrompido após 5 anos da “disponibilidade comercial do medicamento no país” ou quando ele “estiver disponível na rede pública de saúde”. Schmidt defende que esse dispositivo é importante porque a indústria “não sabe se esse remédio é seguro, se é totalmente eficaz e se vai continuar produzindo essa linha de produto”. 

O relator do projeto na Câmara, Pedro Westphalen (PP-RS), declarou à Pública que a aprovação “foi um grande passo para que os brasileiros tenham ao seu alcance mais ciência e mais tratamento condizente com as necessidades que vão aparecer futuramente”. Já a deputada Ana Pimentel (PT-MG), contrária ao projeto, ressaltou que a proposta teve uma tramitação acelerada nos últimos dias e que não houve tempo necessário para discussão. “Nós defendíamos que ele fosse retirado para maior discussão e maior acúmulo, e continuamos defendendo hoje que não deveria ter sido apreciado agora, dessa maneira tão rápida, sem a gente conseguir discutir isso com a população brasileira mais amplamente”, apontou.

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